Entrevista | TONY VOLPON | ESTRATEGISTA-CHEFE DA GESTORA WHG

Tony Volpon: "BC tem que repensar a relação com o mercado"

O economista avalia que a autoridade monetária vai manter o modus operandi de demorar três reuniões para dar início à redução dos juros, apesar de já ter condições para começar agora

Rosana Hessel
postado em 22/05/2023 03:55
 (crédito: Luis Nova/Esp. CB/D.A Press)
(crédito: Luis Nova/Esp. CB/D.A Press)

O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) já poderia ter iniciado o ciclo de queda da taxa básica da economia (Selic) — atualmente no patamar de 13,75%. A tese é defendida pelo economista e ex-diretor do Banco Central Tony Volpon, estrategista chefe da gestora WHG. Segundo ele, existe uma razão concreta para isso ocorrer: o alto endividamento das famílias.

"É mais uma razão concreta para o Banco Central baixar os juros. Aqui é muito mais óbvio do que nos Estados Unidos, porque os juros não estão tão altos como no Brasil", alerta. Contudo, ele entende que, como o BC demorou muito na hora de começar o aumento da Selic em 2022, há chances de ele repetir o mesmo script agora. "Eles afrouxaram muito a Selic (durante a pandemia) e demoraram para começar a subir. Eles se traumatizaram institucionalmente", avalia.

O economista avalia que a autoridade monetária vai manter o modus operandi de demorar três reuniões para dar início à redução dos juros, apesar de já ter condições para começar agora. O BC deve esperar a concretização de três argumentos para que a queda dos juros ocorra: a aprovação do arcabouço fiscal pelo Congresso; a acomodação dos preços das commodities — algo que já está acontecendo, e do câmbio; e a pacificação em torno da mudança da meta de inflação. A reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) de junho deverá definir mudanças na questão da meta.

Apesar de os números preliminares da economia brasileira estarem surpreendendo o mercado, isso não deve ser motivo de muita empolgação. A expectativa, conforme Volpon, é que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2023 deverá ficar entre 1,5% e 2%. "Mas é bem medíocre 2% de crescimento e inflação caindo devagar. Não tem nada superempolgante", alerta. De acordo com as estimativas de Volpon, no fim do próximo ciclo de normalização da Selic, os juros básicos do país não voltarão ao piso recorde de 2%, mas devem ficar entre 8% e 9%. "Caminhamos para esse patamar, mas não mais do que isso", frisa. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Tony Volpon ao Correio:

O Banco Central perdeu o momento de começar a baixar os juros?

O BC tem dois grandes problemas. Um é o Focus. E dois, a indefinição em relação à meta de inflação. Ambos estão interligados. O Focus está em um patamar que realmente não recomenda baixar juros pelo tipo de modelagem que o Banco Central usa. Muito da contaminação do Focus, a meu ver, tem a ver com o debate sobre a meta, que não foi levantado pelo BC, mas sim, pelo governo. Só que o governo levantou a questão e não respondeu. O entendimento do mercado não é de que isso foi pacificado, mas foi jogado para frente, para depois da reunião do CMN, no fim de junho. O BC, de certa forma, ficou travado, porque, até lá não vai poder fazer nada. O governo vai ter que resolver isso, porque a decisão será dele. É o governo que fixa metas. É preciso ter três condições para o BC começar a cortar os juros.

Quais?

Primeiro, é a aprovação do arcabouço. Dois, o que tem ocorrido recentemente com as variáveis exógenas — bastante importantes para a inflação, que são commodities e câmbio — que continuem (estáveis ou em queda). Não é que o câmbio tem que ir para R$ 4,50, mas se voltar para R$ 5,50, R$ 5,60, vai ser um problema. Ultimamente, isso tem contribuição importante. E terceiro, pacificar a questão da meta, ou seja, defini-la. Haddad deu a sinalização de que devem rever a questão do horizonte (da meta), e sair do ano-calendário. Eu acho que seria bom a meta sair do ano-calendário. Não conheço nenhum banco central relevante que tenha isso, é uma jabuticaba brasileira.

Esse horizonte pode mudar no CMN de junho também?

Sim. Tendo essas três condições atendidas, o provável é que isso aconteceria em junho. Na reunião de agosto, seria aquela do "gato que subiu no telhado", de dar alguma sinalização para o corte de juro que só deve ocorrer em setembro. Esse é o roteiro. Parte da estratégia do Copom é segurar esse nível de Selic o máximo possível. O BC vai usar o argumento de que não poderá subir a Selic até o CMN de junho e também vai esperar a aprovação do arcabouço. Vamos ver o Copom fazendo o famoso aviso em duas reuniões.

Nesse caso, eles devem mudar o comunicado em junho? Talvez tirem aquela frase que deixa a porta aberta para uma alta da Selic.

Exatamente. Talvez tirem agora, em junho, e começa aquela preparação de terreno (para a queda de juros), com elogio ao arcabouço. Devem fazer igual a quando começaram a aumentar a Selic. O BC demorou duas reuniões para iniciar o ciclo de corte. Eu acho que podia cortar já na reunião de agosto, mas eles têm essa coisa de segurar. A grande questão, na minha avaliação, é a velocidade da queda, que vai ser muito debatida, porque, se o BC cortar a Selic em 0,25 ponto percentual, o pessoal do PT vai chiar. É o tamanho da queda e o tamanho do ciclo.

Tenho visto projeções com a Selic acima de dois dígitos em 2024 e o BC tem argumentando que a taxa neutra (que não impacta na atividade) subiu…

Ninguém sabe qual é a taxa neutra, se é 4% ou 5%. Mas é um indicador de onde podemos caminhar. A Selic, no fim do ciclo, não vai ser de 6% ao ano e, muito menos, não vai voltar para 2%. Acho que vai ser entre 8% e 9%. Caminhamos para esse patamar, mas não mais do que isso.

Com a Selic ficando em patamares elevados por mais tempo, como fica a economia?

Está melhorando também. O Citibank acaba de revisar a previsão do PIB de 0,3% para 1%. É aquela velha história. O mercado começa muito pessimista e vai subindo as previsões. E está acontecendo a mesma coisa neste ano. Acho que o PIB deve crescer entre 1,5% e 2%. Mas é bem medíocre, 2% de crescimento, inflação caindo devagar. Não tem nada superempolgante.

A inflação pode continuar desacelerando, de acordo com alguns analistas que esperam desaceleração global no segundo semestre. Isso ajuda o BC?

A inflação vai cair mais rápido do que o mercado acha, e vai surpreender como está ocorrendo no crescimento. O mercado tem uma visão pessimista demais no início do ano. Por isso, a questão mais importante é o prazo do que necessariamente a meta. Até porque daria para se justificar um ciclo de queda lento, gradual, para a convergência da inflação para a meta. É o que eu vejo globalmente. Vários bancos centrais, agora, estão com esse discurso de focar mais no prazo para evitar uma convergência muito rápida da inflação para a meta. Tecnicamente é o correto. Acho que todos vão trabalhar com coisas no horizonte de uns dois anos. Mas é claro que isso também tem um risco.

Quais são os riscos?

Conviver com uma inflação mais alta por mais tempo, que, eventualmente, pode ficar incorporado nas expectativas e no comportamento do setor privado, entre fixação de preço, negociação de salários, etc. Tem esse temor, por exemplo, nos Estados Unidos, de a inflação ficar estacionada entre 3% e 4%, quando a meta é 2%. Esse é o risco que se corre em uma convergência lenta.

Esse cenário recessivo pode aparecer no terceiro trimestre deste ano?

O mercado entende essa dinâmica e, por isso, há uma incerteza coletiva sobre quando isso vai acontecer, mas quase que uma certeza de que vai acontecer. E, por isso, o mercado continua a precificar cortes, independentemente do fato de quando se olha para a economia, com dados passados positivos. Tem uma hipótese sobre esse superaquecimento, que é uma coisa temporária, é a inflação de serviços que é resultado do efeito retardado (da recuperação da pandemia) e pelo fato de que o consumidor ainda tem dinheiro no bolso.

Mas no Brasil, a poupança está tendo recordes de saques…

Aqui, a história é diferente, porque o consumidor está entrando no endividamento para sustentar o nível de consumo. O brasileiro é um pouco mais frágil do que o americano. Nos Estados Unidos, o consumidor ainda tem muita poupança, portanto, ele tem dinheiro para pagar a fatura do cartão de crédito que financia o consumo imediato. No Brasil, não. O brasileiro está se endividando mais. Então, eu acho isso mais uma razão concreta para o Banco Central baixar os juros. Aqui é muito mais óbvio do que nos Estados Unidos, porque os juros não estão tão altos como no Brasil.

As empresas também estão com dificuldades para se financiar com a Selic nesse patamar...

Está tudo muito apertado. Mesmo os bancos de atacado, que trabalham muito com crédito, estão superconservadores. Se a empresa não tem um colateral bom, não terá empréstimo aprovado, apesar do relacionamento. Portanto, o BC tem que tomar um pouco de cuidado. Essa é a grande tragédia da política, porque a inflação, realmente, é a última a cair. E o mercado de trabalho é sempre o último a reagir. Por isso que você tem muitos erros (nas projeções). É quase inerente ao processo da política monetária exagerar e cometer erros. E essa tendência aumenta quando o BC comete erro do outro lado. Eles afrouxaram muito pesado a Selic (durante a pandemia) e demoraram para começar a subir. Eles se traumatizaram institucionalmente. Agora, temos dólar e commodities caindo, crédito escasso, petróleo despencando, mas o fiscal ainda pode ser discutido. Mas teve o mega aperto fiscal feito pelo Paulo Guedes e o gasto passou de 20% do PIB para 18% do PIB. É inegável.

Mas essa melhora ocorreu porque uma bomba fiscal foi jogada para debaixo do tapete?

Concordo. Mas teve esse aperto após a pandemia, quando se teve um V. Estávamos gastando, despencamos e agora o gasto está subindo de novo. Esse mesmo Banco Central, na figura do Roberto Campos Neto, agora, fica, dizendo que não pode cortar. E lá atrás, a justificativa para não cortar era o Focus que, erroneamente, estava projetando inflação abaixo da meta em 2021. O Focus comprou a tese do transitório e o BC seguiu. Essa é minha grande crítica ao Banco Central. O BC tem que usar mais o julgamento próprio nessas questões. Ele tem essa parte da relação mecânica do arcabouço e a política monetária, mas acho que o BC tem uma relação muito mecânica com o Focus. Há ocasiões em que se deve questionar essa relação mecânica.

Mas o BC está certo em afirmar que não existe relação mecânica entre o arcabouço e a política monetária?

O BC precisa olhar para tudo de uma maneira crítica, tentar entender, especialmente na questão do Focus, os fatores que o estão levando a ter um viés por um lado para o outro. O BC se esconde atrás do Focus e diz que está desancorado e mantém os juros. Tem que explicar melhor as expectativas. Se o Focus ficar menos enviesado por uma visão excessivamente pessimista sobre o governo Lula, isso ajudaria o BC, que tem uma relação mecânica com o Focus, infelizmente. De novo, isso é parte da construção de uma eventual queda de juros de setembro. O Focus também deve contribuir. Eu falei com o pessoal de mercado e eles acham que o Focus vai dar uma bela queda nas projeções nas próximas semanas. Vamos ver.

A indicação do Gabriel Galípolo para a diretoria de política monetária pode ajudar no processo de queda dos juros?

Acho que a cadeira faz o homem. Ele vai sentar lá e vai agir como o mainstream. A cultura técnica do Banco Central é muito forte. Acho que ele é o provável próximo presidente, e terá um longo aprendizado. Não teremos nenhuma dessas ideias um pouquinho perigosas sendo implementadas por ele. E, pensando que ele vai para a presidência daqui a dois anos, boa parte do Copom será trocada por nomes que estarão dentro desse alinhamento dele, mais Unicamp e PUC São Paulo e menos PUC-RIO. O BC com Galipolo vai ser mais dovish (mais tolerante com a inflação), como foi o BC de Alexandre Tombini, em alguns momentos, mas dentro do mainstream. Quando é para subir juros, talvez demore um pouco mais. Eu vou ficar muito surpreso se ele fizer alguma coisa exótica, como tentar controlar a curva de juros.

O que o senhor achou das mudanças em torno do arcabouço feitas pelo relator?

Melhoraram de um lado e pioraram de outro. O relator botou algumas travas, que acho positivo, porque tem algum enforcement, mas ele ainda está dando essa deixa de permitir que o governo gaste mais. No primeiro ano, vai ter um recurso extra e não vai bater no piso da banda. Sem essa mudança, eles iriam bater no piso de 0,6% do PIB para investimentos já em 2024. Outro problema é que existe uma válvula de escape para o enforcement. Se bater no limite e o governo propor um aumento de receita, não tem mais enforcement. O arcabouço deixa um pouquinho de gosto amargo, mas é uma coisa de um ano só. Pode ajudar a não perpetuar a trajetória inteira de crescimento da dívida pública. O ponto é que chegou um governo de esquerda criticando o teto de gastos, mas acabou saindo no fim do dia um teto parametrizado com o novo arcabouço. E isso é uma boa notícia.

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