Entrevista

"O Estado sempre quer arrecadar mais", diz Marco Stefanini

Executivo à frente de multinacional brasileira com 32 mil empregados é opinião dissonante entre o "consenso" de que as mudanças no regime tributário serão positivas. E rebate a suposta ideia de que o setor de serviços paga pouco imposto

Rosana Hessel
postado em 02/07/2023 06:00
 (crédito:  Grupo Stefanini/Divulgação)
(crédito: Grupo Stefanini/Divulgação)

O empresário Marco Stefanini, fundador e CEO Global do Grupo Stefanini — multinacional brasileira de tecnologia da informação com mais de 30 mil funcionários em 41 países, incluindo o Brasil —, demonstra otimismo em relação aos negócios, mesmo em anos de crise. Contudo, ele anda preocupado com os rumos da proposta de reforma tributária que é objeto de debate no Congresso e divide opiniões entre governadores.

Na avaliação de Stefanini, a reforma tributária é importante para simplificar o sistema atual, uma "vergonha" se comparado com o de outros países. Entretanto, o modelo que escolheram para o Imposto de Valor Agregado (IVA), segundo ele, "é muito ruim" e acarretará em aumento de impostos — ao contrário do que o governo afirma — e ainda corre o risco de elevar a sonegação das pequenas empresas de serviços.

"Eles acabaram indo para uma linha do IVA que, para mim, não resolve todos os problemas e, claramente, o Estado sempre quer aumentar a arrecadação. Essa é a verdade. Eles sempre têm essa gana, independente da ideologia, o apetite é gastar mais, e não buscar eficiência. E sempre vai ter alguém que pagará a conta", afirma Stefanini, em entrevista concedida ao Correio durante o evento Febraban Tech, realizado na semana passada em São Paulo. Leia os principais trechos.

Qual sua avaliação da economia no Brasil?

A economia não é uma ciência exata. É muita expectativa e percepção. Se todo mundo está com baixa expectativa, a economia vai mal. Não é algo só racional. Mas, falando da Stefanini, a gente tem uma tradição no DNA de se virar bem em crises. Na última crise financeira, de 2008 e 2009, a empresa quase dobrou de tamanho em dois anos sem aquisição. E, na pandemia, que foi um momento turbulento, a gente conseguiu, nesses três anos, dobrar a empresa novamente. Estou muito orgulhoso. A empresa cresceu bem, avançou muito na qualidade do serviço e no engajamento com os profissionais, que estão entre os nossos pilares de sustentação.

Vocês contrataram na pandemia?

Claro. Nós participamos do 'Não demita', e a companhia cresceu muito, mas não só durante a pandemia. Nos primeiros meses, houve demissão no mercado, mas nós seguramos. E, depois, o mercado de tecnologia foi bem. E, no ano passado, começou um refluxo no mercado, mas nós continuamos contratando.

Falta mão de obra especializada?

Contratar em tecnologia nunca foi uma arte fácil, principalmente quando se fala em novas tecnologias. No pico de 2020, complicou mais. Mas, agora, o mercado está voltando à normalidade. E voltou para a mesma dificuldade que era antes (da pandemia), vamos chamar assim.

O faturamento da Stefanini dobrou entre 2020 e 2022, ao longo da pandemia. Qual é a previsão para este ano?

Estamos com uma expectativa de um faturamento em torno de R$ 7,5 bilhões. Esperamos um crescimento na faixa de 25%, em relação a 2022, o que tem sido a taxa de crescimento dos últimos anos.

A discussão sobre a reforma tributária é boa ou ruim para o setor em que vocês atuam?

É muito ruim. Na verdade, quase se criou um consenso que a reforma é ótima para o país. Eu tenho uma opinião contrária. Concordo com as razões da reforma, porque existe um excesso de burocracia, a carga tributária é muito grande, principalmente quando a empresa está investindo. A indústria investe muito de forma antecipada, diferentemente do setor de serviços. Outras razões são a complexidade e a insegurança jurídica. Então, eu concordo com esses motivos. Mas, eles acabaram indo para uma linha do IVA que, para mim, não resolve todos os problemas e, claramente, o Estado sempre quer aumentar a arrecadação. Essa é a verdade. Eles sempre têm essa gana, independentemente da ideologia, o apetite é gastar mais, e não buscar eficiência. E sempre vai ter alguém que pagará a conta. Agora, quem vai pagar essa conta é o setor de serviços, que representa 70% da economia e 80%, ou mais, 90% do emprego. Esse lado é quem vai pagar a conta e vai sofrer. E a gente está no meio.

Mas como dosar isso, a fim de ter uma solução que agrade a indústria, que afirma pagar mais impostos, e o setor de serviços?

Há um conceito mal entendido de que o setor de serviços paga pouco imposto. Ouvi várias autoridades falando. Só que elas não levam em consideração duas coisas. Primeiro porque, normalmente, avaliam o aspecto na visão estadual e federal. Nessa comparação, realmente, os serviços pagam bem menos, porque grande parte do nosso imposto é municipal, e eles não enxergam isso. O segundo problema é pior. Por tecnicidade, um detalhe, o imposto sobre pessoas, sobre a folha de pagamento, não é considerado um imposto. Eu já ouvi esse argumento. Ele é considerado outro tema. Mas os serviços têm a maior carga sobre pessoal. O Brasil é o país com a maior carga tributária sobre pessoal. Então, eles não calculam dois impostos que são enormes e acabam tendo uma visão distorcida. Em serviços, há uma carga tributária enorme em cima de pessoas. Quer dizer, o que é proporcionalmente um imposto é gente e em municípios. E isso não aparece.

E quanto é esse peso para vocês ao todo? Quantas pessoas vocês empregam?

Para nós, é brutal. Basicamente, 85% do meu custo é gente, então, meu imposto inteiro e a maior parte dele, é pessoal. Apenas na Stefanini, são 13 mil pessoas. No total mundial do grupo, são 32 mil funcionários. Então, acho isso muito complicado. E boa parte dos serviços é composta por pequenas empresas. E o que vai acontecer (com a reforma) é um problema maior, porque haverá aumento de tributação. Com isso, haverá mais sonegação, porque a pequena empresa vai ter que escolher entre morrer e sonegar imposto.

Então o senhor acha que vai ter mais sonegação em vez de mais arrecadação, como quer o ministro Haddad?

Claro. Porque, na verdade, a economia da pequena empresa é muito grande. O que o dono de uma loja pequena ou um cabeleireiro, vão fazer? Até agora, ninguém revelou qual vai ser a alíquota do IVA.

Há estimativas em torno de 25% e outras que chegam até 50%...

Vamos considerar uma média das estimativas, de 30%. Você acha que o pequeno empresário vai cobrar mais 30% de imposto? É a sobrevivência dele (a sonegação). Eu não estou concordando, mas é o que vai acontecer. Por isso, eu acho que vamos dar um tiro no pé. Essa arrecadação a mais que o governo espera não virá. No mundo inteiro, quando você aumenta muito a carga tributária, tem um efeito (de crescimento) que vai até um determinado ponto, e, depois, diminui a arrecadação. Por mais que se aumente imposto, as pessoas param de pagar. E não adianta ter um estado policial que vai ficar prendendo todo mundo. Não existe isso.

Agora, comparando a carga tributária em 41 países em que vocês atuam, como é a do Brasil?

É uma vergonha. Nós temos a carga tributária de países desenvolvidos, de países que têm uma evolução em serviços muito alta, equivalente ao padrão europeu. Nos países desenvolvidos, com carga tributária alta e parecida com a nossa, o governo retribui com os serviços. Aqui na América Latina, a carga tributária média gira em torno de 20% e 22% do PIB. O Brasil tem quase o dobro disso, e o serviço é tão ruim quanto o deles. Então, é preciso escolher. Ou o país tem uma carga tributária alta e realmente devolve para a população em termos de serviços e qualidade, ou o país tem uma carga tributária baixa e aí a pessoa gasta em outra coisa. O que não dá é para ter os dois mundos. E isso não é governo Lula. Sempre foi assim. Já faz décadas isso.

Qual sua avaliação do novo arcabouço fiscal?

Nesse novo governo, o arcabouço nada mais é do que, em vez de atender aos princípios de não gastar mais do que arrecada, diminuindo os custos, ele pretende aumentar a receita. Ou seja, o governo quer aumentar a carga tributária. E combinaram com a reforma tributária e falam que não vai aumentar imposto. Mas é claro que isso vai acontecer. Hoje, ela (a carga tributária) está em 34%, 35% do PIB. E isso vai para quanto? Vai para 37%, 38%? E depois falam que, agora, o Estado vai ficar mais saudável. Isso acontece, claro, se arrecadarem mais.

Mas eles ainda estão contando com uma receita incerta e ainda não há sinais de cortes de despesa…

E ninguém critica. Todo mundo acha normal. Quem sou eu para criticar?

Essa empolgação de alguns agentes de mercado com o arcabouço, com melhora na Bolsa e queda no dólar, vai ser efêmera?

Não. O dólar baixo é efeito dos juros altos, porque, enquanto o país tem juros altos, o investidor estrangeiro vem para por dinheiro e fazer empréstimo. Toda vez que o Brasil tem uma taxa de juros real muito alta, o dólar cai. No governo Bolsonaro, o país chegou a ter juro real muito baixo, e o que aconteceu? O investidor saiu e o dólar subiu. Toda vez que o Brasil tem uma taxa de juros real muito alta, o dólar fica mais baixo. Muito mais do que avaliar se a economia está bem ou mal, é mais uma questão pragmática. O investidor vem aqui para ganhar financeiramente.

Como avalia os trabalhos do ex-ministro Paulo Guedes e do ministro Haddad?

Haddad tem um trabalho muito difícil junto ao governo, porque ele tem o mesmo problema que o Paulo Guedes teve. No fundo, os dois governos têm o mesmo interesse de gasto maior. E isso não é culpa do ministro. Ele apenas é uma pessoa que procura fazer o melhor possível. Como no governo anterior, havia críticas ao Paulo Guedes, agora, neste governo, há críticos também ao Haddad. O problema não são os ministros.

E qual é o problema?

O problema é o sistema político brasileiro, que só pensa em aumentar arrecadação e não pensa em eficiência. Não acredita, por exemplo, que o governo deve focar em áreas que ele deve ser forte, que é exatamente educação, saúde e segurança.

 


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