Preservação ambiental

Plano de transição ecológica pode ser marca do atual governo

Enquanto o Plano de Transição Ecológica deve ser um dos trunfos do governo Lula, a precificação do mercado de carbono é a pauta ambiental mais avançada no momento. Marina Silva tem ambição de recuperar o protagonismo brasileiro no debate ambiental

Rosana Hessel
Rafaela Gonçalves
postado em 16/07/2023 03:55 / atualizado em 16/07/2023 15:37
Desenvolvimento sustentável -  (crédito: Noah Buscher/Unsplash)
Desenvolvimento sustentável - (crédito: Noah Buscher/Unsplash)

Após o arcabouço fiscal e a reforma tributária, a área econômica já trabalha as bases de um Plano de Transição Ecológica, que segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deve ser a grande marca do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Previsto para ser lançado no segundo semestre de 2023, o plano conta com 100 ações que incluem o combate ao desmatamento, a geração de energias limpas e um marco regulatório para a mineração.

Interlocutores do Ministério das Relações Exteriores afirmaram que o presidente Lula já deve mencionar alguns pontos da agenda em sua ida à Bruxelas para a cúpula entre a União Europeia (UE) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), nesta semana. A ideia é demonstrar os esforços do país para a transição ecológica, ponto crucial para destravar o acordo entre Mercosul e UE.

O projeto mais avançado até o momento é a precificação do mercado de carbono. A intenção do governo é ter o arcabouço legal aprovado antes da Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas, a COP28, em novembro. Um estudo recente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) calcula que a criação de um sistema de comércio de emissões poderia gerar R$ 128 bilhões em receitas.

Desde 2021, o país tenta aprovar um marco a tempo de chegar à conferência climática da ONU com um mercado regulado. Desta vez, o governo se diz otimista com o ambiente político. Pesa positivamente para a aprovação o apoio da indústria.

Em entrevista ao Correio, o secretário de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), Rodrigo Rollemberg, a proposta do governo foi construída a partir de conversas com o setor produtivo e segue um modelo cap and trade já adotado internacionalmente.

"O texto está praticamente pronto. O arcabouço, a estrutura do projeto, foi feita ouvindo setores com consenso, então não vejo dificuldade. Acredito que na primeira quinzena de agosto deve estar sendo encaminhado. De uma forma ou de outra, vai começar a andar, agosto é o mês do mercado de carbono", afirmou. 

A Fazenda está liderando o grupo interministerial empenhado em construir uma agenda focada na economia de baixo carbono e na transição energética para apresentar na cúpula do G20 — grupo que reúne as principais economias do mundo. O país assumirá a presidência do grupo no fim deste ano, na cúpula da África do Sul, e o Rio de Janeiro vai sediar o encontro em novembro de 2024. Até lá, o governo precisa mostrar que avançou em algumas das vertentes.

A ministra do Meio Ambiente e da Mudança Climática (MMA), Marina Silva, está pessoalmente empenhada para recuperar o protagonismo do Brasil no debate ambiental e no desenvolvimento econômico e sustentável. Durante evento da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), em São Paulo, no mês passado, Marina disse que o Brasil vai levar uma agenda robusta com essa transição energética para dialogar na cúpula do G20.

Segundo a ministra, a preservação ambiental deve ser um trabalho conjunto. "O Brasil está trabalhando em várias agendas, mas a mudança só virá se for uma agenda do setor público, do setor privado e do setor plural (a sociedade)", frisou.

Em referência às medidas que podem ser adotadas nessa agenda, ela citou o Plano Safra e voltou a defender um programa que estimule a agricultura de baixo carbono, mas reconheceu que o processo será gradual. A expectativa é de que os avanços nessa agenda sejam apresentados durante a COP 30, em 2025, em Belém. "Queremos um Plano Safra mais sustentável e estou esperançosa para que o Brasil possa liderar essa agenda e essa cúpula de Belém possa colocar o Brasil de volta como protagonista no setor ambiental", afirmou.

Títulos sustentáveis

O Tesouro Nacional está trabalhando para lançar títulos públicos soberanos sustentáveis no mercado externo já a partir de setembro. A medida é uma das alternativas para financiamento do "Plano Verde". Na última semana, foi concedido um mandato condicional aos bancos Itaú BBA, JPMorgan, e Santander para auxiliar na emissão inaugural. Os bancos prestarão assessoria técnica no processo de revisão do arcabouço que o governo está preparando para guiar as emissões sustentáveis e também darão assistência na estruturação e emissão dos títulos.

Segundo o secretário do Tesouro, Rogério Ceron, que está presidindo o Comitê de Finanças Sustentáveis Soberanas, a emissão dos títulos deve marcar um "passo concreto do Brasil" dentro da agenda ESG (Environmental, Social and Governance). O comitê interministerial foi criado em maio para desenvolver o arcabouço para as emissões, mirando lançar um primeiro título com esse perfil ainda este ano.

Os novos títulos serão lastreados em dotações orçamentárias do governo federal voltadas ao desenvolvimento sustentável, que incluem ações e projetos relacionados a temas ambientais e sociais. "Desde o início de janeiro estamos trabalhando nessa agenda, buscando no segundo semestre, materializar a presença do Brasil no mercado mundial de bonds (títulos de renda fixa negociados no exterior) sustentáveis", afirmou Ceron, após a primeira reunião do colegiado.

Segundo o secretário, há um apetite e um interesse muito grande de investidores externos e o momento exato do lançamento do papel no mercado internacional vai depender da melhor janela de oportunidade até o final do ano. "A data adequada entre setembro, outubro e novembro vai depender da janela de mercado, é um posicionamento estratégico do Tesouro para encontrar a melhor janela de oportunidade para realizar as emissões", declarou.

O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, afirmou que a pasta está focando também em outras ações para o financiamento do Plano de Transição Ecológica, como a implementação do mercado regulado de carbono e a taxonomia verde, instrumento utilizado para classificar e determinar as atividades econômicas que são sustentáveis e que possuem impactos ambientais positivos.

"Nós estamos muito focados, nesse momento, nas ações de financiamento da transformação ecológica. Por exemplo, já temos praticamente finalizado o texto da proposta para a criação do mercado de carbono", assegurou Melo.

Além desses pontos, o governo também conta com o imposto seletivo, incluído na reforma tributária, que segundo Haddad, é mais um mecanismo defendido para "onerar aquilo que prejudica meio ambiente e saúde pública" e viabilizar negócios mais sustentáveis do ponto de vista climático.

Retomada do Rota 2030

Uma das principais ações do governo na estratégia rumo à transição energética passa pela segunda fase do programa Rota 2030, iniciado em 2018, e que deverá começar em agosto. De acordo com o secretário de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), Uallace Moreira, a nova etapa será enquadrada dentro do projeto de neoindustrialização do governo, com foco na transição energética e a descarbonização. Segundo ele, o texto da medida provisória está sendo concluído e a publicação ocorrerá no mês que vem.

"No Rota 2030 não há nenhum tipo de preferência ou determinação por rota tecnológica que promova a descarbonização. O que nós estamos discutindo é um projeto, uma proposta de isonomia tecnológica no setor de mobilidade. E não é só no setor automotivo", afirmou o secretário, em entrevista ao Correio.

"Todas as possibilidades que promovam a mobilidade e a descarbonização serão contempladas neste segundo ciclo do Rota 2030. Não é um programa para o setor automotivo. É um programa de promoção da mobilidade sustentável e verde. O objetivo é promover um processo nesse segundo ciclo de descarbonização", frisou Moreira.

Ele recorda que, na primeira etapa do programa, de 2018 até 2023, o principal elemento era fomentar pesquisa e desenvolvimento no setor automotivo, principalmente aproximando o setor de autopeças com atitudes tecnológicas. "Com isso, o volume de crédito destinado ao programa nessa primeira fase pegou muitas entidades de pesquisas e institutos tecnológicos vinculados a empresas fazendo essa articulação", destacou.

O secretário informa ainda que o programa vai ser desenvolvido considerando as peculiaridades da economia brasileira. "O fato é que o Brasil, quando comparado com o mundo, está em condição extremamente favorável de descarbonização, porque temos uma matriz energética limpa", ressaltou.

Conforme o secretário, o país está adiantado porque já tem uma tecnologia que emite o mesmo nível de CO2 do carro elétrico, que é o etanol. O programa tem como objetivo cumprir duas funções. "Colocar o Brasil na fronteira tecnológica e, simultaneamente, à frente, na liderança do processo de descarbonização no mundo", disse.

Os recursos anuais do Rota 2030 para estimular a pesquisa e o desenvolvimento nas empresas giram em torno de R$ 350 milhões. Mas as linhas de crédito voltadas para inovação em geral do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) somam R$ 106 bilhões nos quatro anos de governo.

 


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