TRIBUTAÇÃO

Desigualdade no país expõe urgência de reforma tributária

Levantamento mostra que os ricos multiplicaram seu patrimônio no país em uma velocidade quase três vezes superior ao crescimento da renda da maioria da população

Estudos recentes expõem a urgência da discussão de uma reforma da tributação sobre a renda e o patrimônio no Brasil
 -  (crédito: Marcello Casal/Arquivo/Agência Brasil)
Estudos recentes expõem a urgência da discussão de uma reforma da tributação sobre a renda e o patrimônio no Brasil - (crédito: Marcello Casal/Arquivo/Agência Brasil)
postado em 04/02/2024 03:55

Estudos recentes expõem a urgência da discussão de uma reforma da tributação sobre a renda e o patrimônio no Brasil. Prevista para ocorrer ainda este ano, segundo consta da Emenda Constitucional 132, que mudou o sistema tributário do consumo, a mudança é vista como um primeiro passo para reduzir o fosso da desigualdade entre ricos e pobres no país.

Levantamento do economista Sérgio Gobetti, com base nos dados oficiais da Receita Federal sobre as informações da Declaração do Imposto de Renda de Pessoa Física (DIRPF), mostra que os ricos multiplicaram seu patrimônio no Brasil entre 2017 e 2022 numa velocidade quase três vezes superior ao crescimento da renda da maioria da população.

Os cruzamentos feitos pelo economista entre os dados da Receita e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstram que, enquanto a maioria da população adulta teve um crescimento nominal médio de 33% em sua renda no período analisado, o 0,01% mais rico do país — pouco mais de 15 mil pessoas — viu a renda crescer 96%, em termos nominais.

"O que se vê é que, além dos mais ricos terem, em média, maior crescimento de renda do que a base da pirâmide, a performance é tanto maior quanto maior é o nível de riqueza", afirma Gobetti, que é pesquisador no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e foi secretário adjunto de Política Fiscal e Tributária do Ministério da Fazenda.

A análise do economista, publicada no Observatório de Política Fiscal da Fundação Getulio Vargas (FGV), demonstra ainda que, entre os setores com maior crescimento de renda, está o agro.

"Os resultados indicam que, além de ter crescido bem acima da média da população, a renda da elite subiu mais nos estados em que, em geral, a economia é dominada pelo agronegócio, chegando a uma alta nominal de 204% (ou 131% em valores reais) no Mato Grosso do Sul (MS) no estrato social constituído pelo 0,01% mais rico", diz o estudo.

Ao segregar a renda dos estratos mais ricos por tipo de rendimento, separando o que vem do trabalho do que vem do capital, Gobetti demonstra que o aumento da renda se deve, sobretudo, ao aumento de lucros e dividendos, que são isentos de tributação e, também, pela atividade rural, cuja maior parcela também está isenta.

O economista cita que do total de R$ 147 bilhões de renda proveniente da atividade rural em 2022, R$ 101 bilhões teve isenção, sendo que 42% desse montante ficou concentrado no 0,1% mais rico da população, semelhante ao que ocorreu com os lucros e dividendos, em que 44% ficou nas mãos do milésimo mais rico.

"Os resultados da análise com base nos dados do IRPF servem de alerta sobre o processo de reconcentração de renda no Brasil e sobre os vetores que mais contribuem para isso - os rendimentos isentos ou subtributados que se destacam como fonte de remuneração principal entre os super ricos", observa.

Contexto

A Oxfam, instituição internacional que investiga as desigualdades no mundo - também aponta a falta de tributação dos lucros e dividendos como um dos fatores a reforçar as desigualdades de renda no Brasil.

"Nos países da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento], a alíquota marginal máxima média sobre dividendos diminuiu muito desde 1980, de 61% para 42%, e em alguns países, como o Brasil, eles simplesmente não são tributados", diz a Oxfam no último relatório Desigualdades S.A.

A instituição aponta, no caso do Brasil, assim como no mundo, o forte lobby exercido pelos grandes empresários como responsável por legislações que favorecem os muito ricos, como é o caso da não tributação dos dividendos ou das grandes fortunas.

"No Brasil, a influência do lobby empresarial ficou visível nas discussões em torno da Reforma Tributária do consumo, no ano passado. Isso é possível observar em um dado público: de 15 audiências públicas que ocorreram, apenas uma tratou da redução das desigualdades, enquanto foram várias para falar sobre o impacto da reforma na indústria ou no setor de serviço", comenta Jefferson Nascimento, coordenador de Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil.

Tributação

No caso do imposto sobre a renda, por causa de brechas como a isenção da taxa sobre lucros e dividendos, as pessoas que integram o 0,01% mais ricos acabam pagando uma alíquota efetiva de Imposto de Renda Pessoa Física de apenas 1,76%, conforme observa Nascimento, a partir dos dados da DIRPF. "Considerando que a faixa de alíquota máxima é de 27,5%, os super ricos pagam 10 vezes menos do que deveriam pagar, segundo as regras atuais. Na verdade, a tributação justa faria com que eles pagassem muito mais do que esses 27,5%", opina Nascimento.

Por tudo isso, Nascimento considera ser urgente o debate a respeito da isenção de imposto sobre lucros e dividendos da pessoa física. "Os dados da Receita mostram que o grupo do 1% mais rico do Brasil recebeu, em 2022, R$ 411 bilhões de lucros e dividendos sem o pagamento de Imposto de Renda. Isso é quase três vezes o orçamento do Bolsa Família de 2024", comenta.

A Emenda Constitucional da Reforma Tributária do consumo determina que em 180 dias da sua promulgação o governo deverá encaminhar ao Congresso a proposta de reforma da renda, o que deveria ocorrer em março. No entanto, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, declarou, em diversas ocasiões, achar difícil que o tema seja tratado em ano eleitoral, indicando que a matéria será empurrada para 2025.

Desigualdade estrutural

O relatório "Desigualdade S.A. — Como o poder corporativo divide nosso mundo e a necessidade de uma nova era de ação pública", da Oxfam, vai além das questões tributárias, mostrando que as distorções existentes na distribuição de riquezas contribuem para um sistema tributário que favorece a brancos e homens.

Segundo a instituição, o 0,01% mais rico do Brasil possui 27% dos ativos financeiros, enquanto o 0,1% mais rico, 43% e o 1% mais rico fica com 63%. Os 50% mais pobres, por sua vez, têm apenas 2%. "Fica nítido que a propriedade de ações e participações, em termos econômicos, reflete uma plutocracia e não uma democracia", diz o estudo da organização social internacional.

Ao mesmo tempo, o documento diz que o rendimento dos brancos, no Brasil, "é mais de 70% superior à renda de pessoas negras". Além disso, a diferença de renda entre mulheres e homens, torna o sistema tributário desigual em relação ao gênero.

"A Reforma Tributária, para acontecer, terá que ser progressiva, antirracista e feminista", sugere a economista Nathalie Beghin, do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). "A reforma da renda é fundamental, ela é essencial, mas tem que vir associada a ações que resolvam as questões das desigualdades, que são muito estruturais", diz Beghin.

A especialista aponta três desigualdades estruturantes que marcam o Brasil desde a colonização e devem ser combatidas na proposta de reforma.

"Há uma elite masculina branca dominante e detentora de todas as riquezas e do poder, que faz com que o Brasil se modernize de forma conservadora, porque, no fundo, não altera as estruturas de exclusão de classe, de cor e de gênero", acrescenta.

 


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