Em um cenário global de intensa transformação digital, o uso da inteligência artificial surge como um desafio diário para empresas e governos. Em entrevista ao Podcast do Correio, o presidente do Google Cloud para a América Latina, Eduardo Lopez, detalha a aplicação prática da IA, desde a otimização do processamento de grande volumes de dados, com o uso do Notebook LM e do Gemini, até a automatização de processos seletivos governamentais e o suporte em cenários de catástrofes naturais, como no Rio Grande do Sul. A seguir, trechos da entrevista.
Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular
O que é o Google Cloud, o que ele abrange?
Google Cloud é uma linha de negócios do Google, da Alphabet (nome da holding que abrange as diversas empresas ligadas à big tech). Somos uma plataforma de serviços para empresas. Ou seja, nós estamos mais focados em empresas. Oferecemos serviços de processamento, de Gmail, de videoconferência, de analytics — ou seja, como as empresas processam e entendem melhor o cliente. Todos os serviços que uma empresa precisa para trabalhar, nós fornecemos para eles.
Como o Google Cloud usa a inteligência artificial e como tem sido a relação das ferramentas com o poder público?
Todo mundo tem escutado nos últimos dois anos como o mercado de tecnologia se transformou. Com o aparecimento da inteligência artificial generativa em 2023, nós avançamos continuamente dia a dia. O Google é uma empresa AI First. Nós estamos trabalhando com inteligência artificial dentro dos nossos produtos há 20 anos. Agora, o que nós percebemos nos últimos dois anos é a inteligência artificial dentro dos nossos produtos ajudando os clientes no dia a dia. Por exemplo, eu uso para melhorar e processar muitos documentos. Um trabalho que antes levaria semanas, eu coloco dentro do meu Notebook LM, que é um agente de IA dentro do Workspace, e, em cinco minutos, eu já tenho informações que antes demoravam semanas.
Pode citar exemplos?
Veja um caso de governo. O Brasil precisa, para contratar professores, fazer entrevistas. Essas entrevistas são feitas por videoconferência. E isso faz com que pelo menos três pessoas tenham que participar desse vídeo para poder escolher os melhores. Imagine que você tem mil professores que querem cinco vagas. Com inteligência artificial, nas novas versões de vídeo, você pode usar inteligência artificial para entender como a pessoa fala e qual o perfil dela para fazer uma seleção e, assim, realizar muito rapidamente um processo que antes demorava um ano, um ano e meio.
Cada vez mais, nossos dados estão na nuvem, sendo analisados por máquinas. Como está hoje a proteção desses dados sensíveis?
O assunto tem muita importância quando você fala de empresas ou de governos que têm informações sigilosas, têm informações de dados. Então, nossa política de segurança é que, se você trabalha com nossos modelos de IA, os dados são seus. Esses dados não são públicos. Porque o conceito de IA é uma inteligência que precisa ser treinada. À medida que você treina mais, você tem melhores respostas. Então, é muito importante, hoje em dia, para todo mundo, ter cuidado onde você coloca sua foto, onde você coloca sua formação nas redes, porque pode ser que um modelo seja treinado com informação pública. As pessoas precisam gerenciar informações de forma privada. Nós, por políticas nossas, toda a informação de uma pessoa, toda a informação das empresas, está criptografada e é propriedade das empresas. Então, quando nós trabalhamos com IA, com uma empresa, essa informação de IA só treina os modelos de IA dessa empresa. Não é usada para fazer outras coisas.
Como o senhor vê o debate sobre a ética no uso da inteligência artificial?
Primeiro: nós temos os princípios de ética de IA do Google. Ou seja, nós temos princípios de ética como empresa, nos quais todo desenvolvimento de software, toda coisa que nós fazemos, é regida por princípios éticos, que não podem ter nenhum mau uso, têm que ser confidenciais. Nós temos internamente esses conceitos. Depois, o que nós trabalhamos também muito com os governos é a regulação, um marco razoável de uso da inteligência artificial. Então, muitas vezes, quando nós queremos fazer um projeto dentro da companhia, esse projeto é analisado, e é autorizado ou não o uso da inteligência artificial para certos projetos. Isso é muito importante, porque quer dizer que nós estamos continuamente focados no indivíduo e na privacidade da informação.
Como o senhor avalia o mercado da América Latina em relação aos outros mercados no mundo?
Tem uma pesquisa que diz que 70% das pessoas da América Latina percebem que a IA vai mudar positivamente a sua vida. A média mundial é de 50%. Isso mostra que nós, na América Latina, temos uma percepção muito positiva e estamos buscando aplicar a inteligência artificial cada vez mais rápido. Nós, latinos, temos uma capacidade de criatividade e de desenvolvimento muito rápido. Fala-se que os governos têm planos na América Latina, que podem gerar negócios de US$ 1 trilhão. E temos os nossos investimentos aqui no Brasil, de data center, de cloud. De 2016 até 2021, foram R$ 1,2 bilhão.
E há também o desenvolvimento de talentos?
Neste último período, nós já treinamos 70 mil pessoas. O que nós fazemos é, sem custo para as universidades, treinar alunos, professores e pesquisadores em nosso portfólio de cloud. As universidades são muito importantes, porque existe um gap na América Latina de quase 500 mil pessoas, de talentos para o mercado de tecnologia de uma forma geral. Nós começamos também com algumas empresas que chamamos de edtechs, que são startups de educação, e com apoio de outras empresas, para as pessoas que não têm acesso à universidade, que vivem nas comunidades, para elas serem treinadas em nossa tecnologia básica.
Um dos projetos desenvolvidos pelo Google Cloud com o poder público foi com a Receita Federal, ajudando no processo de desembaraço das mercadorias alfandegárias. Como funcionou?
Esse é um projeto superinovador da Receita Federal, nós estamos orgulhosos de ser a tecnologia escolhida. Trabalhamos junto a eles na criação. Se você vai ao Aeroporto de Guarulhos, no lugar onde os pacotes chegam ao Brasil, é impressionante. São milhares de pacotes chegando por dia. É muito importante esse controle do ponto de vista de impostos, mas também do ponto de vista de controle de mercadorias.
Como avalia hoje o mercado, em termos de concorrência e de competitividade?
O mercado de tecnologia nasceu competitivo, 30 anos atrás. Então, acredito que, hoje em dia, o bom para os clientes, para as pessoas e para o governo é que há alternativas. E cada empresa tem alternativas. Nós somos uma empresa 'AI First', ou seja, priorizamos a inteligência artificial e temos sempre a melhor tecnologia e também usamos a IA dentro dos nossos produtos. Isso é fundamental. Quando você vê nossa plataforma de colaboração, que é o Workspace, a IA está integrada. Se eu não participo de uma videoconferência, posso registrar e me enviam um resumo da videoconferência. Quanto a um advogado de uma empresa ou mesmo um desembargador, imagine a IA processando seus arquivos, que são milhares, para encontrar as três ou quatro melhores respostas para ele? Nós focamos muito na evolução e estamos continuamente fazendo anúncios de novos produtos, porque o Google quer ser AI First.
Como fica a relação entre a burocracia que ainda existe dentro do governo com a velocidade que as inovações tecnológicas exigem?
Essa é uma boa pergunta. Acho que são as lideranças que ditam o ritmo. Vejo os governos muito mais preocupados em reduzir a burocracia usando tecnologia, especialmente com todo o tema da IA. Você vê na América Latina, na China, e no Brasil também, a liderança imprime a velocidade necessária. Mas eu realmente vejo os governos muito focados em entender como a tecnologia, e a IA principalmente, pode ajudar a resolver e agilizar seu registro, os processos. E se você vê no Brasil, o avanço é grande, porque moro aqui há 20 anos. Sou argentino, mudei para cá há 22 anos, tenho uma filha brasileira há 20 anos, mas 15, 10 anos atrás você tinha que ter a CNH, o RG, tudo. Agora o governo já é digital, você não precisa ir a lugar nenhum, a carteira de trabalho também já é digital. Então, são horas e horas que uma pessoa não precisa mais investir para fazer esse processo. Isso é uma melhoria gigantesca. E o Brasil está muito adiantado em alguns temas de governo digital em relação a outros governos da América Latina.
As ferramentas de nuvem podem ajudar na formulação de políticas públicas?
Sim. A formulação da política pública tem a ver com vários aspectos. Primeiro, uma política pública pode ser pensada para como eu torno acessível uma infraestrutura que permita o desenvolvimento de nuvem para as empresas. Então, pode ser uma política pública de criação de data center, como o governo brasileiro está trabalhando neste momento para fomentar, para reduzir impostos para promover muito mais acesso a redes de telecomunicações. A tecnologia ajuda, porque você pode dizer como essa tecnologia pode ajudar. E, muitas vezes, para o uso da tecnologia, você tem que mudar alguma lei, algum processo para poder usar melhor a tecnologia, entende? Então, as políticas públicas estão enraizadas na tecnologia, porque a tecnologia pode ser um caminho novo para melhorar a política pública.
Pensando no futuro, como o senhor avalia três cenários andando juntos: inteligência artificial, nuvem e segurança digital?
Segurança é um tema crítico e vai ter cada vez mais importância. Além disso, a IA evolui a cada dia. Não sei o que vai acontecer daqui a dois anos, mas estamos em constante evolução em diferentes ferramentas, e é aí que temos de usar a segurança, os códigos de ética e os princípios, para que as implementações sejam feitas com responsabilidade. Então, acredito que a evolução e o ritmo que tivemos nesses últimos anos vão continuar ou se multiplicar, porque você vai encontrar na IA um facilitador para fazer coisas diferentes, coisas mais rápidas, e acredito que vai transformar indústrias. Isso vai mudar muito as relações de trabalho e o mercado. Não estou falando que vai faltar trabalho, estou falando que vai mudar a maneira como se trabalha.
