Plano de contingência

Governo conclui plano para mitigar efeitos do tarifaço sobre as exportações

Especialistas ouvidos pelo Correio avaliam que negociação, abertura de novos mercados e crédito emergencial devem ser adotados em conjunto para minimizar impacto

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, já assinou decreto que oficializa o tarifaço. A taxa entra em vigor nesta quarta-feira (6/8) -  (crédito:  AFP)
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, já assinou decreto que oficializa o tarifaço. A taxa entra em vigor nesta quarta-feira (6/8) - (crédito: AFP)

O governo federal espera anunciar a partir desta semana um conjunto de medidas econômicas para minimizar o impacto da sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros já oficializada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

O plano de contingência já está pronto, mas vem sendo ajustado desde a divulgação, na última quarta-feira (30/7), da lista de setores isentos da taxação, que excluiu cerca de 700 produtos.

Caso não haja adiamento por parte dos EUA, a tarifa entra em vigor nesta quarta-feira (6/8), atingindo produtos como carne bovina, frutas, indústria têxtil e café, entre outros.

Para especialistas ouvidos pelo Correio, iniciativas emergenciais como a liberação de crédito serão necessárias em um primeiro momento para preservar empresas e empregos, mas a gestão federal deve continuar com os esforços de negociação e abertura de mercados alternativos.

Segundo interlocutores a par das discussões no Planalto, ainda não há uma definição se as medidas serão anunciadas em pacote de forma separada para cada setor. A partir desta segunda-feira (4), o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, fará uma nova rodada de conversas com os exportadores mais afetados para finalizar o auxílio.

Cerca de 35,9% da exportação aos Estados Unidos será afetada pela tarifa de 50%. Usando como base os valores de 2024, esse montante representa US$ 14,5 bilhões na balança comercial. Para alguns setores, essa tarifa, que se soma às alíquotas atuais, inviabiliza a exportação.

Em nota, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) afirmou que a taxa para carne bovina pode chegar a 76%, o que impossibilita a venda. Já a Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) estima impacto em 20% das exportações, com prejuízo estimado de até US$ 2 bilhões.

Para a professora do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) Daniela Freddo, a resposta ao tarifaço depende da diversificação do comércio exterior. Ela avalia que há espaço para venda da carne bovina para países asiáticos e do Oriente Médio, e de café para a Europa Oriental e para a África — com investimento na qualidade do produto.

Já produtos industriais podem se beneficiar do fortalecimento das cadeias produtivas brasileiras, além da aproximação com países do Mercosul e com o México. Papel e madeira, por sua vez, podem avançar nas certificações ambientais e buscar mercados mais rigorosos nesse quesito, como Europa e Ásia.

“O importante é transformar esse choque externo em oportunidade para acelerar a diversificação de mercados e fortalecer a política comercial brasileira com visão estratégica de longo prazo”, enfatiza a professora.

Ação de emergência

Como o processo leva tempo, as empresas afetadas precisam de suporte imediato para lidar com prejuízos que já começaram, mesmo antes da nova tarifa entrar em vigor. Por isso há necessidade de liberação de crédito para as companhias, além de medidas tributárias como a isenção ou redução de impostos, e prorrogação dos prazos para cumprir compromissos tributários.

Grande parte dos exportadores já possuem contratos firmados com compradores nos Estados Unidos, cujas entregas serão prejudicadas pela tarifa. Isso é especialmente preocupante para pequenas e médias empresas.

Freddo aponta que há risco real de paralisação se nada for feito, com impactos também para o mercado interno. “Mais do que uma medida compensatória, (o crédito) é uma ponte de sobrevivência para setores inteiros que podem ser profundamente prejudicados por uma decisão de política externa que está fora do seu controle”, argumentou.

A economista Carla Beni, professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e conselheira do Corecon-SP, ressalta que a ajuda também deve envolver os governos estaduais — sobretudo os mais impactados, como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, principais exportadores, além de Ceará, Espírito Santo e Sergipe, mais dependentes do mercado americano.

O governo paulista liberou, na semana passada, R$ 1,5 bilhão em créditos represados do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), de cunho estadual, para as companhias de São Paulo. Outros estados tomaram decisões semelhantes, incluindo Minas, Paraná, Rio Grande do Sul e Goiás.

Esse tipo de financiamento, aponta Beni, permite que as empresas evitem demissões ou férias coletivas.

Negociação

A professora aponta outra linha de ação importante: a negociação com os Estados Unidos. Ainda há um esforço para que mais setores entrem na lista de exceções “Há uma conversa em curso entre o governo brasileiro e o governo americano. Essas tarifas só serão implementadas no dia 6 de agosto, e há uma possibilidade de negociação dos itens que ficaram de fora (das isenções), como café, frutas e carnes”, disse.

Integrantes do Executivo mostraram certo otimismo após a divulgação das exceções, que minimizou de forma considerável o impacto do tarifaço na economia em geral. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que aguarda uma reunião com o Secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, para discutir o tema, mas ainda não há uma data marcada.

Entre os analistas, o otimismo ainda está longe de ser consenso. O especialista em Direito Internacional Empresarial e sócio do Godke Advogados Marcelo Godke aponta que as exigências de Trump contra o Judiciário brasileiro e contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, complicam o cenário. 

“A questão é que a parte política tomou uma força muito importante nesse momento. E é isso que eu não sei se dá para resolver”, disse Godke. Para ele, será muito difícil encontrar uma saída para a crise sem que o Brasil ceda às exigências de Trump — que adotou uma política econômica muito protecionista, focada na reindustrialização.

Ele faz críticas ainda à diplomacia brasileira, citando a demora no fechamento do  acordo entre Mercosul e União Europeia, que está em negociação há mais de 20 anos. Já sobre o plano de contingenciamento do governo federal, Godke aponta que, apesar de amortecer o impacto, não vai resolver o problema ao longo prazo, já que, em sua visão, não há mercados alternativos viáveis para os produtos taxados.

“A gente vai tentar apagar incêndio. Vai tentar, e não vai conseguir. Vamos ter restrições cada vez maiores impostas pelo governo americano”, comentou o especialista.

“Quando a gente fala de financiamento internacional, o mercado de capitais americano é, disparado, muito maior do que qualquer outro. A gente pode ter esse mercado fechado para o Brasil. Se a gente continuar nisso, vamos ter um futuro muito difícil sob o viés geopolítico, de segurança internacional. Isso que está sendo feito, nada vai dar certo”, acrescentou.

 

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postado em 04/08/2025 12:24 / atualizado em 04/08/2025 12:35
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