Uberização

Trabalho por aplicativos cresce 25% em dois anos

Estudo do IBGE mostra avanço da plataformização e aponta ampliação da jornada, perda de renda por hora e altos índices de informalidade

Dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que 1,7 milhão de pessoas têm nas plataformas digitais sua principal fonte de renda. O número representa 1,9% da população ocupada no setor privado e um crescimento de 25,4% em relação a 2022, quando eram 1,3 milhão de trabalhadores. O levantamento integra o módulo Trabalho por meio de plataformas digitais 2024 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), feito em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e o Ministério Público do Trabalho (MPT).

O estudo mostra que o fenômeno da plataformização está se expandindo e diversificando. A maioria dos trabalhadores atua no transporte de passageiros — são 878 mil motoristas, incluindo táxis e aplicativos. Outros 485 mil se dedicam à entrega de produtos e alimentos, enquanto 294 mil prestam serviços profissionais ou domésticos, como limpeza, manutenção, cuidados pessoais, design e tecnologia. O segmento de serviços especializados foi o que mais cresceu no período, com alta de 52,1%, reflexo da popularização de plataformas que conectam autônomos a clientes em áreas técnicas e criativas.

A pesquisa também revela que a expansão do setor vem acompanhada por uma precarização estrutural das relações de trabalho. Entre os plataformizados, 86,1% são trabalhadores por conta própria, e apenas 6,1% são empregadores. A informalidade atinge 71,1% do total, índice muito superior ao dos trabalhadores fora das plataformas, de 43,8%. Menos de quatro em cada 10 contribuem para a previdência social. "O crescimento rápido desse tipo de ocupação vem sendo acompanhado de um afastamento dos direitos básicos trabalhistas e previdenciários", afirma o analista do IBGE, Alexandre Veras.

O rendimento médio mensal dos trabalhadores de plataformas ficou em R$ 2.996, pouco acima dos R$ 2.875 recebidos, em média, por quem não atua nesse tipo de atividade. No entanto, a diferença se explica pelo aumento do tempo de trabalho. Os plataformizados dedicam, em média, 44,8 horas por semana às atividades, quase seis horas a mais que os demais ocupados. O ganho por hora, portanto, é menor, R$ 15,40 contra R$ 16,80.

"Há uma tendência clara de aumento da dependência tecnológica e redução da autonomia. O trabalhador se submete à lógica dos algoritmos, que definem a oferta de corridas, as metas de desempenho e até os horários de maior ganho", explica Beatriz Amália Albarello, pesquisadora em saúde mental e relações de trabalho.

Segundo Beatriz, a ideia de liberdade associada ao trabalho por aplicativos é ilusória. "O trabalhador acredita que escolhe quando e quanto trabalhar, mas na prática, está sujeito a um sistema de controle invisível, que o induz a jornadas mais longas e exaustivas para garantir o mínimo necessário. A lógica é de autogerenciamento com risco total e proteção zero." Albarello observa ainda que muitos ultrapassam 60 horas semanais, sem descanso adequado, o que leva a quadros de estresse, adoecimento e desgaste físico e emocional.

O perfil dos trabalhadores de plataformas reflete desigualdades sociais e regionais. O grupo é majoritariamente masculino (83,9%) e composto, em sua maioria, por pessoas entre 25 e 39 anos (47,3%). Quase metade se declara preta ou parda, e 59,3% têm ensino médio completo ou superior incompleto. A concentração é maior nas regiões Sudeste e Nordeste.

*Estagiária sob a supervisão de Edla Lula

 

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