
Tradicional no Brasil, o modelo de gestão familiar nas empresas está em alta, como mostra uma pesquisa divulgada pela consultoria Novara Advisory, que analisou 1.033 companhias com faturamento anual entre R$ 300 milhões e R$ 1,2 bilhão, no período entre 2020 e 2024. Os resultados indicam que as empresas de controle familiar tiveram um crescimento médio de 15,9%, com 3,5 pontos percentuais acima das não familiares, e 6,4% acima do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.
Para ser reconhecida como uma empresa familiar, os pesquisadores consideram as companhias que possuem controle do capital dentro da própria família, com ou sem investidor financeiro privado minoritário. Essas correspondem a 46% dos participantes do estudo. Por outro lado, as não familiares são as que possuem capital aberto, são filiais de multinacionais ou empresas sob controle de investidores financeiros privados, que representam 54% das analisadas.
Outro dado apontado pelo levantamento está relacionado diretamente ao retorno financeiro. Nos últimos cinco anos, as empresas familiares apresentaram uma rentabilidade mediana (17,6%) acima das companhias listadas no Índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa/B3), que registraram 13,8%, e maior ainda se comparado apenas com as não familiares (11,9%).
Cerca de 57% das empresas emergentes familiares tiveram um retorno operacional maior do que as companhias da B3. Por outro lado, apenas 39% das empresas familiares são internacionalizadas, e as que são apresentaram retorno até 44% maior em comparação com as familiares que não se internacionalizaram. O responsável pela pesquisa e fundador e CEO da Novara Advisory, Ivan Novara, destaca a performance positiva dessas empresas tanto na dimensão de crescimento quanto de rentabilidade.
"O olho do dono ali próximo, fazendo uma gestão de capital talvez um pouco mais conservadora, talvez um pouco mais diligente, versus estruturas de empresas com um capital distribuído que, até por facilidade de acesso, talvez sejam menos disciplinadas no seu uso. Então, isso foi um fator muito favorável e muito importante no desempenho das familiares", analisa Novara.
Outro ponto de destaque é a presença de integrantes das famílias no negócio há mais de uma geração. O responsável pelo estudo explica que o período médio das analisadas está acima de 26 anos. Por conta disso, ele destaca que as empresas familiares são mais "maduras" no entendimento sobre o mercado. "Isso é um fator que contribui para a resiliência delas. Elas tiveram mais ciclos, mais aprendizado e, por conta disso, acabam tomando decisões de melhor qualidade, vis-a-vis as mudanças da economia. Acho que esse foi um ponto bastante importante", comenta.
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Por outro lado, o tempo maior de presença no mercado pode ter contrapartidas, como indica o próprio especialista e responsável pela pesquisa. Segundo ele, o maior problema da empresa "herdada" aos filhos geralmente não está na passagem da primeira para a segunda geração, e, sim, a partir da terceira. "Porque a partir da segunda para a terceira, você começa a ter núcleos de famílias diferentes, irmãos e irmãs que se casaram com pessoas diferentes e que têm filhos criados de maneira diferente com educação e formação em áreas diferentes. Então, a dispersão de interesses e a dispersão de competência para gerir o negócio aumentam muito", explica o CEO.
Negócios à parte
O sucesso da gestão familiar passa também pelo profissionalismo e pela avaliação de competências de cada sócio e funcionário. Com essas premissas, Lidiane e Misael Gomes da Silva, de 43 e 45 anos, respectivamente, conseguem manter há quase 25 anos a operadora de planos de saúde Quality, além de dois hospitais, 10 clínicas e outros laboratórios próprios, dentro da marca ManteVida. "A gestão é feita por nós presidentes, um conselho administrativo e mais de 100 gestores que lideram mais de 1400 colaboradores", conta Lidiane.
A empresa é uma das maiores do Distrito Federal e, entre os colaboradores, há familiares e parentes próximos do casal, como o próprio filho, além de irmão, cunhado, primos e até amigos. Mesmo assim, Lidiane afirma que nenhuma contratação é realizada sem avaliação e preenchimento de todos os requisitos do setor de Gestão de Pessoas (RH) e do gestor da área contratante. "Ou seja, todas as pessoas contratadas na empresa são avaliadas pelas suas competências, independente do grau de parentesco", acrescenta.
Os principais desafios, segundo a empresária, são os "olhares das outras pessoas", que na maioria das vezes agem como se o vínculo fraterno fosse relevante para as tomadas de decisão e não distinguem relações pessoais de profissionais. "Sempre possuem uma tendência de achar que há privilégios para os que têm algum grau de parentesco", afirma. Entretanto, ela explica que isso é tranquilo para o casal: "Tanto que nós lideramos áreas distintas. O Misael lidera a área de exatas como financeiro, contabilidade, administrativo, e eu lidero a área de humanas, que envolve pessoas e relacionamentos com o cliente".
Sobre o crescimento da empresa, Lidiane afirma que houve um avanço "fora do normal", de 60 para 120 mil vidas nos últimos dois anos com os planos de saúde. Ela explica que a gestão em família ajuda a manter a sinergia entre os colaboradores e a respeitar o posicionamento de cada sócio e trabalhador. "Temos um afeto especial por cada um que trabalha conosco. Não enxergamos as pessoas como números, e sim, acreditamos que as pessoas possuem propósitos. E que nós temos também um propósito, que é cuidar e transformar vidas", conta. Nesse mesmo período, o grupo passou de quatro Unidades Clínicas para 10, além de mais um hospital novo na Asa Norte.
Além disso, as empresas familiares têm o desafio de separar a vida a dois do casal com as atividades profissionais — que em alguns casos pode ser o maior deles. No exemplo de Lidiane e Misael, eles evitam misturar as finanças da empresa com a de pessoal. "Temos os automóveis da empresa e temos os nossos. Temos os cartões de crédito também separados", explica.
Em relação à gestão do tempo, ela conta que a rotina é puxada durante a semana, mas que aos finais de semana, o tempo é dedicado exclusivamente para a família. "Tiramos férias regularmente. Realizamos atividade física diariamente antes de iniciar o trabalho. Cuidamos dos nossos filhos juntos. Almoçamos com eles. Inclusive, temos na empresa um espaço reservado para eles", revela Lidiane, que explica ainda que as funções exercidas na empresa são bem definidas e, sempre quando possível, discussões sobre negócios são restringidas ao horário de trabalho. "Mantemos nosso relacionamento conjugal e familiar como qualquer outro casal, em casa", conclui.

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