Denúncia

Alunos de medicina denunciam resistência para antecipação da formatura

Universitários da UCB, do Uniceplac e do UniCEUB cobram respostas sobre o adiantamento da colação. A possibilidade é prevista em lei aprovada na pandemia

Mateus Salomão*
postado em 10/09/2020 20:00 / atualizado em 10/09/2020 22:07
Estudantes de três instituições de ensino superior de Brasília demandam adiantamento na conclusão do curso -  (crédito: Unsplash)
Estudantes de três instituições de ensino superior de Brasília demandam adiantamento na conclusão do curso - (crédito: Unsplash)

Neste momento de pandemia, em que médicos chegam à exaustão em hospitais lotados ou mesmo são contaminados pelo coronavírus durante o expediente, acaba sendo lógico, que, quanto mais força de trabalho dirigida à Saúde, melhor para garantir a preservação de mais vidas.

Foi com essa proposta que a Lei nº 14.040/2020 permitiu que estudantes de medicina perto de concluírem o curso pudessem se formar antes do previsto. No entanto, alunos de medicina da Universidade Católica de Brasília, do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos (Uniceplac) e do Centro Universitário de Brasília (UniCeub) denunciam resistência para conseguirem adiantar a formatura.


A tentativa dos estudantes de fazer a outorga do grau antecipado é prevista para os cursos de medicina, farmácia, enfermagem, fisioterapia e odontologia. No caso dos futuros médicos, a instituição de educação superior pode antecipar a conclusão somente daqueles que tiverem concluído 75% do internato, que consiste em um estágio obrigatório nos dois anos finais da faculdade.


A situação, contudo está travada para os estudantes de três instituições de Brasília, conforme afirmam alunos. Na terça-feira (8/9), universitários se reuniram para tratar da situação. Participaram da conversa representantes da Associação dos Estudantes de Medicina do Distrito Federal (AEMED-DF), dos estudantes das universidades, do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal (SindMédico) e da Federação Nacional dos Médicos (Fenam). Está prevista outra reunião para o começo da próxima semana, para auxiliar os estudantes a procurar formas de entrar na Justiça.


Aluno do UniCeub percebe interesse na manutenção da mensalidade


“Não estamos sendo úteis nos hospitais como deveríamos e queríamos. Dessa forma, após estarmos dentro de todos os requisitos previstos na Lei nº 14.040, queremos nosso direito de realmente ajudar a saúde e a população, nos desafiando à frente do problema e ajudando o país”, pondera o estudante de medicina do 12º período do UniCeub Cássio Murillo Stival.

Cássio Murillo é estudante de medicina e gostaria de ser útil à Saúde durante a pandemia
Cássio Murillo é estudante de medicina e gostaria de ser útil à Saúde durante a pandemia (foto: Arquivo Pessoal)


O estudante conta que manifestou interesse pela antecipação de formatura em várias oportunidades tanto de maneira informal quanto oficial, por meio de aberturas de processos administrativos internos pelo site do centro universitário. No entanto, ele afirma que as respostas que teve são insuficientes para sanar o problema. Segundo Cássio, essa é uma demanda de boa parte da turma.


“É notório que todas as instâncias da faculdade estão ciente do caso, porém, há um jogo de passar o problema para o outro funcionário, nos deixando sem resposta, esperando um milagre acontecer”, pontua o estudante. “Consideramos que a faculdade está priorizando a questão financeira dos alunos em vez de manter um diálogo transparente com os estudantes”, lamenta.


“Resumidamente, aguardamos há mais de dois meses um posicionamento. Nada é nos repassado, não vemos luz no fim do túnel para essa demanda, não estamos com o aprendizado que gostaríamos e estamos sendo obrigados a arcar com a mensalidade, que é alta”, reforça.


Estudante da Católica também vê interesse financeiro na não liberação da formatura


A estudante de medicina da Universidade Católica de Brasília Camila Fernandes Álvares da Silva, reverbera as reclamações de Murillo. Ela também está no 12° semestre, no período do internato. Camila afirma que está pleiteando a colação de grau antecipada porque está a aproximadamente três meses da formatura e se sente capacitada para ajudar o sistema de saúde brasileiro diante do caos causado pelo novo coronavírus.

A estudante Camila Fernandes entende que a melhor forma de resolver a questão é de forma consensual e amigável
A estudante Camila Fernandes entende que a melhor forma de resolver a questão é de forma consensual e amigável (foto: Arquivo Pessoal)

Segundo a estudante, a turma toda está em consenso e deseja se formar antecipadamente, porém, ainda aguarda resposta da universidade. “Acreditamos que a faculdade possa estar esperando o cumprimento das horas mínimas exigidas pelo MEC, mesmo que já tenhamos cumprido mais de 75% da carga horária do internato. Mas pensamos que o principal motivo seja o financeiro, pois se trata de uma empresa e sabemos que muitas estão enfrentando problemas nesse sentido”, observa.


“Alguns alunos sinalizaram a intenção de entrar na Justiça, porém, neste momento, acreditamos que isso não seja necessário, preferimos resolver a questão de forma consensual e amigável. Assim, aguardaremos nova reunião com a Reitoria e a Coordenação”, ressalta a estudante.

 

Segundo formanda, problema se repete no Uniceplac


Outros que se encontra na mesma situação são os alunos da turma XXVII do 12º período de medicina do Uniceplac do Gama. “Nós estamos tentando a antecipação da colação de grau principalmente porque muitos de nós temos propostas de emprego”, afirma uma estudante da turma que prefere não se identificar. “E a gente vê, cada dia mais, a necessidade de médicos durante esta pandemia.”


A formanda lembra que, desde que cumpriu os requisitos mínimos, busca diálogo com o centro universitário para realizar a colação antecipada. Segundo ela, a instituição afirmava que a formatura seria questão de tempo e de burocracia, mas a situação se prolonga há certo tempo e a estudante não entende porque tanta demora. “Na verdade eles estão tentando dificultar, de certa forma, a nossa formação, mas não sei dizer o motivo”, avalia.


“Nós fizemos os requerimentos necessários que a faculdade exigia, mas vários deles não foram respondidos formalmente. Alguns receberam a resposta de que, até então, não existia uma programação para a colação de grau e que os alunos deveriam continuar cumprindo o estágio obrigatório até segunda ordem”, lembra a aluna.


A estudante conta que, diante da falta de respostas da faculdade, no começo de agosto, a turma entrou com ação na Justiça para tentar forçar a antecipação da colação de grau. O juiz exigiu que o processo fosse desmembrado e agora cada estudante que decidiu continuar segue aguardando resposta da Justiça.

 

Associação de estudantes de medicina lamenta impasse


A Associação de Estudantes de Medicina do Distrito Federal (AEMED-DF) tem atuado de forma a reunir as demandas e orientar na busca de diálogo com as instituições de ensino superior. A associação, que tem um posicionamento favorável em relação ao adiantamento das formaturas, ressalta que as três instituições de ensino superior citadas na reportagem não demonstram querer negociar com os estudantes.

Ana Luíza Fonseca, secretária da AEMED-DF, vê esse impasse como algo muito triste
Ana Luíza Fonseca, secretária da AEMED-DF, vê esse impasse como algo muito triste (foto: Arquivo Pessoal)

Atualmente, a associação busca o apoio da Fenam para que a demanda seja cumprida. No início do ano, ocorreu resistência semelhante das mesmas instituições de ensino citadas na matéria, e, somente com o apoio da federação, alunos conseguiram resolver o impasse. “A gente luta pelo melhor do estudante de medicina”, afirma a secretária da associação Ana Luíza Fonseca.


“Querendo ou não, a vontade de todo mundo ali em ser médico é sempre ajudar os outros. Então, qual momento melhor para ajudar o próximo do que uma pandemia, em que você vê tanta gente precisando?”, questiona. “Então, as faculdades não liberarem os alunos para isso é algo muito triste.”


O que dizem os citados?


Por meio de nota, a Universidade Católica de Brasília esclareceu que a Medida Provisória nº 934, depois convertida em lei em 18 de agosto de 2020, “torna facultativo às IES a possibilidade de colação de grau de cursos específicos relacionados após a conclusão de 75% do internato em tempo de pandemia.”


A UCB informa ainda que atualmente os alunos de medicina estão realizando o Internato de Urgências e Emergências e o Internato de Saúde Mental. "Essas atividades são realmente muito importantes para complementar a formação desses estudantes”, ressalta a nota.


Também esclarece que, embora a universidade tenha autonomia legal, os alunos do curso de medicina foram acolhidos pela Coordenação do curso e pela Reitoria para dialogar sobre a questão. A nota afirma que ficou combinado que os discentes fariam um ciclo do internato e que, após esse período, seria marcada uma nova rodada de conversação com os discentes.


A UCB ressalta o entendimento do Conselho Regional de Medicina (CRM-DF), que se manifestou contrariamente à formatura antecipada dos estudantes devido à possibilidade de perdas na formação. “A Católica, prezando pela qualidade na formação de seus futuros profissionais de medicina, não fará nada que coloque em risco a formação integral dos estudantes”, arremata.


O Centro Universitário de Brasília (UniCeub), por meio de assessoria de imprensa, esclareceu que recebeu o pedido de antecipação da conclusão de curso de parte dos prováveis formandos de medicina e está analisando cada caso de forma isolada de acordo com as diretrizes de formação da instituição.


“Comunicamos que a Lei nº 14040 de 18/8/2020 diz que os alunos precisam ter cumprido todas as disciplinas do currículo do curso e 75% do estágio final obrigatório para fazerem tal solicitação. No UniCeub, isso significa que os alunos precisam ter concluído as unidades curriculares, 75% do internato e o Trabalho de Conclusão de Curso — que não é padrão para todas as faculdades”, afirma a nota enviada.


“Reiteramos ainda que o UniCeub preza pela formação de profissionais totalmente capacitados que possam oferecer atendimentos de qualidade aos pacientes”, conclui. Procurada por meio de assessoria de imprensa, o Uniceplac preferiu não se manifestar sobre o assunto.


*Estagiário sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

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