Eu, Estudante

FEIRA DO LIVRO

Homenageado da Feira, Roger Mello representa a união da palavra e da imagem

Ilustrador e escritor, responsável pelo painel de entrada do evento, o brasiliense Roger Mello lembra que a origem do livro está tanto na palavra quanto na imagem

Quando o livro surgiu, há centenas de anos, não havia uma separação muito clara entre a escrita e a ilustração. As duas formas de registro eram consideradas importantes pelos escribas da antiguidade e é essa falta de hierarquia que Roger Mello gosta de citar quando fala da importância da ilustração no mundo do livro. "Desde o início, o livro é a casa da palavra e da imagem", avisa o brasiliense, autor de mais de 17 livros e um dos ilustradores mais premiados do país. "Cada vez mais, o estudo sobre o objeto livro, o objeto ancestral é o estudo da imagem e da palavra narrativa, não uma ilustração que acompanha um texto, mas realmente uma conversa entre as duas narrativas, um design."

Mello é o homenageado na 36ª Feira do Livro de Brasília (FeLiB). Ilustrador e escritor, responsável pelo painel de entrada do evento, o autor representa uma geração que levou o livro ilustrado brasileiro para um patamar de excelência único. Além do Prêmio Jabuti, ele recebeu o FNLIJ e o Ofélia Fontes. Em 2014, foi o primeiro ilustrador brasileiro a receber o Hans Christian Andersen na categoria Ilustração, considerado o Nobel da literatura infantil e juvenil. "Essa homenagem da feira é também uma maneira de afirmar a importância da imagem narrativa, não como acessório, mas como um elemento gerador de narrativas", diz o autor.

Leia mais do especial produzido pelo Correio sobre a Feira do Livro neste link.

Formado em desenho industrial e programação visual, Mello já trabalhou com dramaturgia, quadrinhos, animação, design gráfico e direção de arte. Na noite de abertura da feira, ao agradecer a homenagem, relacionou a palavra criança ao ato de criar e lembrou que "o livro é um processo que se reinventa a partir da criação", além de ser "uma forma de resistência".

Fotos: PC Cavera - Ilustrador Roger Melo, homenageado da 36ª edição da Feira do Livro de Brasília

No painel criado para a feira, o autor quis homenagear ilustradores de todos os tempos. "Nossa ideia foi lançar um olhar respeitoso para o passado. Para as histórias da origem do mundo, segundo os povos ancestrais", diz. Seu livro João por um fio, que faz metáforas de narrativas ancestrais, foi uma das referências para a criação. Agora, o autor acaba de terminar um livro que levou quase uma década para produzir. Espinho de arraia conta a história de oito irmãos de uma comunidade ribeirinha da Amazônia. Um deles desaparece e, para resolver o mistério, a família conta com a cooperação da flora e da fauna da floresta.

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Três perguntas para Roger Mello

Como palavra e imagem estão interligadas no universo do livro?

Falo muito que a palavra e a imagem são a mesma coisa, principalmente nesse universo físico que é o livro, mas cada vez mais a história mostra o livro feito de palavra e imagem, indissociável. O livro sem ilustrações é mais recente, é de quando ele passa a ser um objeto feito em massa. Aí surge um livro com menos ilustração, mas a origem é totalmente ilustrada. E hoje a tecnologia permite que o livro totalmente ilustrado seja acessível às pessoas. Acho interessante ver que aqui na feira e no mundo todo a importância da imagem narrativa devolve o livro como objeto pleno. Existe um elemento imagético do qual a palavra não dá conta e vice-versa. E o livro vai usar os dois elementos para acessar essa narrativa polissêmica.

Você vai lançar um livro sobre a Amazônia em um momento muito delicado. Qual a importância de ensinar às crianças o lugar da Amazônia no mundo?

É importante porque você não vai preservar algo que não conhece. A Amazônia é feita de muitas amazônias, muitos recortes, e todas essas camadas estão também em comunicação com o todo. Acho que o livro vai mergulhar nessa tese, nesse grande mergulho dentro dessa comunidade de meninos ribeirinhos, vai mostrar as múltiplas relações de cooperações entre animais e humanos. Não conheço outra maneira na arte narrativa para criar esse laço entre essa geração e o bioma Amazônia. O quão mais específicos fomos sobre a Amazônia, mais suscitaremos nas crianças a necessidade de se preservar esse bioma. A ficção é a maneira mais efetiva, porque você conta histórias, com bichos, frutas, pessoas e animais.

Por que a Amazônia?

A Amazônia sempre será um tema atual porque é muito pouco entendida por nós. E, com certeza, é um lugar de saberes de tradições, um lugar complexo e, de muitas maneiras, o eixo fundamental para a existência do planeta. Apesar de estar próximo da gente, é muito desconhecido por nós. Num momento desse, as pessoas que estudam e trabalham com os povos originários estão ameaçadas. É um lugar de interesse para o mundo inteiro. É sempre um desconhecido, com espécies, relações que envolvem muitos indivíduos dentro de um ecossistema que forma um bioma. A Amazônia é infinita em termos de conhecimento, e está extremamente ameaçada em termos existenciais. No caso da literatura para crianças, temos que cada vez mais fazer esse elo, não apresentando o bioma de maneira quase abstrata, mas apresentando seres e as relações que eles envolvem.