Milhem Cortaz - Diogo, sua interpretação em “Diário de um louco”, em 1997, foi muito elogiada e premiada. O que o atraiu para este texto de Nikolai Gogol e o que o motivou a encenar um monólogo tão desafiador?
Diogo Vilela - Conheci esse texto que, antes de mais nada, era um conto que havia sido adaptado para o teatro. Meu amigo e diretor Marcus Alvisi achou que eu poderia interpretá-lo bem. Daí para a montagem foi direto, porque eu me apaixonei pela personagem Poprischin. Sempre achei que a sensação de abandono funcionaria bem para ser levada em cena, e essa personagem inundou meu imaginário com esse sentimento que eu julgava conhecer muito bem, talvez de uma forma inconsciente. Não deu outra! Gogol, que sofria de esquizofrenia, retrata no texto a dimensão da solidão humana levada à loucura e, para mim, foi muito prazeroso me envolver com ela ou mesmo interpretá-la.
Milhem Cortaz - O personagem Aksenti Ivanovich Poprischin é complexo e mergulha na loucura. Como foi o processo de construção desse personagem e quais foram os maiores desafios para você como ator?
Diogo Vilela - Percebi que precisava ter um reforço nesse sentimento que citei acima [abandono], que só a minha própria percepção da solidão não bastava, mesmo porque a personagem Poprischin evolui durante a peça para a loucura total e isso, a meu ver, carecia de investigação. Tenho uma estranha sensibilidade para os sentimentos, e um amigo médico que me conhecia muito, quase irmão, me aconselhou a fazer um estágio no hospital psiquiátrico para ter mais aflorados sentimentos que antes para mim eram apenas um desenho racional de compreensão. Então fiz o estágio no hospital Pedro Ernesto, em Vila Isabel, no Rio. Fui recebido pela equipe do professor Pavão e fazia revistas aos doentes com outros médicos psiquiatras diariamente. Nesse hospital, pude perceber os surtos, quando eles estavam em delírio, o que me deixou intrigado, pois eles delirando eram totalmente naturalistas, completamente diferentes do que se entende por loucura fora daquele meio. Eu tinha que ter esse naturalismo delirante em cena! Foi muito sofrido para mim, fiquei um mês inteiro nessas visitas, mas talvez tenha sido a chave para que eu fizesse o espetáculo imaginado pelo diretor. De sofrido, o texto passou a ser sublime.
Milhem Cortaz - A peça aborda temas como a solidão, a alienação e a perda da sanidade. Como você acredita que esses temas, tão presentes na obra de Gogol, ressoam com o público brasileiro, mesmo após tantos anos da sua montagem?
Diogo Vilela - Acho que devemos humanizar ao máximo para que a condição gradativa da loucura da personagem seja autêntica, o que requer uma certa técnica que só pude desenvolver, lógico, fazendo a peça. Principalmente quando adquiri a condição de entrega necessária.
Milhem Cortaz - Você já mencionou em entrevistas que não gosta de improvisos e cacos, preferindo seguir o texto. Como essa abordagem se aplicou à sua performance em “Diário de um louco”, um monólogo que exige tanta precisão e entrega?
Diogo Vilela - Estudo o texto absolutamente até ficar exausto! É a minha única salvação. É dele que sai a peça. Preciso me sentir totalmente dono daquelas palavras para criar seu universo. Passo todos os dias de forma bem objetiva, mas minuciosa.
Milhem Cortaz - “Diário de um louco” foi um marco em sua carreira, rendendo-lhe importantes prêmios. Qual o legado dessa peça para você, tanto profissional quanto pessoalmente?
Diogo Vilela - Eu apenas me entreguei. Não pensei em nada a não ser no texto. Acho que isso deixa a gente pertencendo àquilo. Entrei naquela história e sua atmosfera e, obviamente, não sabia que tudo isso resultaria em tantos prêmios. Acho que tenho compromisso com o teatro, com a pessoas que vêm assistir a peça. Fico querendo passar a mesma emoção que senti ao conquistar aquele universo. Foi uma época bastante emocionada para mim. Acho bom [ter ganhado] os prêmios, mas o mais legal era sentir que aquele personagem que eu tanto amei existiu em mim e pude mostrá-lo no teatro! (Helvécio Carlos)
“[A temporada de “Diário de um louco”] Foi uma época bastante emocionada para mim. Acho bom [ter ganhado] os prêmios, mas o mais legal era sentir que aquele personagem que eu tanto amei existiu em mim e pude mostrá-lo no teatro!”
Diogo Vilela
Ator
“DIÁRIO DE UM LOUCO”
Texto: Nikolai Gogol. Direção: Bruce Gomlevsky. Com Milhem Cortaz. Estreia nesta quinta-feira (17/7), no Teatro I do CCBB BH (Praça da Liberdade, 450, Funcionários). Sessões de quinta a segunda, às 20h. Até 4/8. Ingressos a R$30 e R$15 (meia), à venda na bilheteria e pelo site do centro cultural. Em 26/7 e 2/8 haverá interpretação em Libras.