O Governo do Distrito Federal (GDF) suspendeu o cronograma de volta às aulas da rede pública por entender que este não é o momento adequado para o retorno de alunos e servidores às escolas presencialmente devido à evolução da pandemia na capital federal. A médica infectologista Lívia Vanessa Ribeiro concorda com a decisão.
“A retomada segura dos setores de serviços só pode se dar com queda sustentada na incidência de casos. O DF ainda se encontra com alta incidência, portanto este não é o momento ideal para abertura das escolas, que tenderia a promover um acréscimo de milhares de pessoas circulando nas ruas, incluindo o transporte público, além do aumento do número de contatos nas próprias unidades escolares”, pondera.
A médica afirma que, apesar de as crianças não serem as principais afetadas pela covid-19 de maneira grave, não está totalmente esclarecido o potencial de elas serem vetores de transmissão do vírus. Lívia lembra que existem relatos na literatura médica de localidades que tiveram grande aumento no número de casos em decorrência da reabertura das escolas.
Integrantes da comunidade escolar, incluindo estudantes, professores, gestores e pais estavam se preparando para o reinício das aulas a partir de 31 de agosto. Mesmo assim, para muitos, o adiamento é sinônimo de alívio por causa do medo dos riscos de infecção por coronavírus. É o caso da estudante do 8º ano Carolina Helena Jácome, 13 anos, diz não estar completamente satisfeita com o ensino remoto. Segundo ela, a maior parte do conteúdo está sendo passada por meio de videoaulas gravadas e textos, sem muitos recursos para explicação e resolução de dúvidas.
Mesmo assim, ela ainda considera melhor continuar com essa modalidade de ensino. “Acredito que o momento de retornar é quando tudo estiver um pouco melhor, quando sair pelo menos uma vacina ou pelo menos existirem mais meios de proteção contra o coronavírus. Eu acho que este ano ainda não daria para voltar”, pontua a aluna do Centro de Ensino Fundamental (CEF) 3 de Brasília. Ela considera ainda que o modelo das aulas on-line deveria ser reformulado, pois sente que ninguém está, de fato, aprendendo e muitos alunos não têm condições de acompanhar as sessões remotas.
Volta só com o fim da pandemia
Anna Jullia Costa, 18 anos, é estudante do 3º ano do ensino médio do Centro de Ensino Médio (CEM) 1 do Gama. Ela afirma não estar satisfeita com o ensino remoto por ver dificuldades na compreensão e na comunicação dos professores com os alunos. A estudante, porém, também concorda que o momento ainda é de esperar a pandemia ser controlada.
“Super apoio a notícia da suspensão das aulas presenciais, pois, assim, o vírus não vai se espalhar mais”, afirma Anna Júlia. “A quantidade de infectados no DF infelizmente está alta. Por isso, não devemos colocar mais gente em risco”, opina. “Por mim, só retornaremos quando a pandemia de covid-19 acabar.”
Família apoia adiamento
O artista plástico Fábio Pena, 44 anos, apoia a decisão de suspender o calendário de retomada das aulas. Ele pondera que o governo agiu com sensatez na medida, por entender que existem riscos de contaminação de crianças e adolescentes na retorno às salas de aula.
“Neste ano, pode ser considerada nula a chance do retorno escolar. Devemos pensar em um contexto pós-vacina para isso. Precisamos de escolas com o mínimo de segurança”, diz. “O aprendizado conteudista foi comprometido em todas as esferas educacionais. É impossível minimizar o estrago quantitativo e qualitativo do ensino”, acredita.
Fábio é pai de Júlia Annairam, de 17 anos, que está no ensino médio. Ele conta que, apesar de a filha não ter se adaptado muito bem ao ensino remoto e desejar a volta da normalidade do ensino presencial, ela ainda não se sente segura para retornar presencialmente à sala de aula.
Júlia cursa o 2º ano no Centro Educacional (CED) 2 de Planaltina e pondera que, enquanto não existir solução para a covid-19, a atitude mais acertada é permanecer em casa. “Os estudantes não devem retornar enquanto ainda não tiver a vacina. Acho que há muitos estudantes que convivem com alguém que faz parte do grupo de risco, como eu, que moro com meus avós, que podem ser contaminados com facilidade.”
Adiamento esperado
A vice-diretora do Centro de Ensino Médio 1 do Gama, Adriana Medeiros, esperava que as aulas presenciais fossem adiadas. “Eu não vejo nenhuma novidade, a gente já esperava”, relata a vice-diretora sobre como recebeu a notícia da decisão. Apesar da instalação de lavatórios, compra de luvas e máscara, ainda há insegurança com relação à volta por parte da comunidade escolar. Na escola, foi feita uma pesquisa que mostrou que 60,7% dos alunos e 75,9% dos pais não querem o retorno das aulas.
“Fora que, caso nós voltemos, muitos professores do CEM 1 são do grupo de risco e não voltariam. Então, o aluno, em vez de seis aulas, teria de duas a três aulas por dia”, pontua. “A gente não vê possibilidade de segurança no retorno às aulas.” Adriana considera que será difícil efetuar o controle de todos os alunos e do cumprimento das medidas de profilaxia.
Ela analisa que, na atual conjuntura do país, é difícil pensar em quando haverá o controle efetivo da doença que possibilite uma retomada segura. Ela opina que, entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021, se os indicadores de contaminação estiverem baixos, poder-se-ia pensar em retornar com certo risco. “O ideal mesmo é depois da vacina”, pondera.
Adriana considera que adaptação ao modelo on-line de aulas foi difícil no início. A escola, que atende 2.450 estudantes de ensino médio e 230 alunos da EJA, teve como maior dificuldade a falta de internet para uma parcela dos discentes. A vice-diretora conta que isso ainda é um problema a ser enfrentado.
Adriana relata que a escola se preparou antes mesmo de o ensino remoto tornar-se obrigatório: desde o fim de abril, a unidade utilizava plataforma para dar aulas. “Quando se tornou obrigatório para os alunos, que foi a partir de 13 de julho, nós tínhamos 70% dos alunos acessando. Hoje, a gente talvez tenha de 90% a 94% dos alunos na plataforma”, calcula.
A escola também aposta em um contato por WhatsApp com estudantes que tenham acesso insuficiente à internet. Materiais impressos também são disponibilizados para quem precisa. “Hoje qual é o maior problema? A internet. Se o GDF disponibilizasse essa internet, a gente conseguiria alcançar pelo menos 99% dos alunos na plataforma sem problema nenhum”, garante.
Sinpro-DF: é hora de adequar o ensino remoto
Rosilene Corrêa, diretora do Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF), acredita que o que está por trás da suspensão é o indicador de que a pandemia está vencendo. Ela afirma que era uma decisão esperada em razão do que a situação do coronavírus do DF apontava, não havendo outra via. “Que bom que o governador teve bom-senso, que ele se atentou aos números”, pontua.
“Se, agora, a realidade que temos, infelizmente, é a de que não temos condições de retorno; então, é preciso, sim, considerar que o que nós teremos são as aulas remotas”, resigna-se. “E, para isso, é preciso que o governo se empenhe mais no sentido de fazer com que as coisas aconteçam, que os alunos tenham acesso e, principalmente, que haja uma definição nas regras para esse trabalho remoto”, pondera a diretora.
Rosilene propõe começar imediatamente uma adequação curricular para compensar as perdas que a pandemia gerou no aprendizado dos alunos. Ela afirma ser necessário repensar e reorganizar os conteúdos para que tudo esteja planejado no retorno das aulas. “Nós não podemos ignorar todos os prejuízos causados pela covid-19 na vida escolar dos nossos estudantes.”
Decisão pode ser estendida para a rede participar?
O presidente da Associação de Pais de Alunos do Distrito Federal (Aspa-DF), Alexandre Veloso, compreende a mudança determinada pelo Executivo local. “A associação vê, na verdade, que o GDF está exercendo seu papel legítimo de poder decidir a situação de retorno presencial das aulas na rede pública e particular também”, diz. “A gente só está buscando o esclarecimento sobre se essa decisão deve ser estendida para a rede particular”, afirma.
“O sistema de ensino é um só e o secretário de Educação é um só”, pondera. O presidente também considera importante continuar o monitoramento e o planejamento das atividades a distância. “O grande desafio neste momento é a manutenção da qualidade do ensino remoto, bem como também a inclusão de alunos que ainda não conseguiram acessar esse ensino remoto”, acrescenta.
Entenda o contexto da mudança
Na tarde desta quarta-feira (19/8), o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB-DF), decidiu pela suspensão do calendário de retomada das aulas presenciais da rede pública. A rede particular, que está impedida de retornar por decisão judicial, não será afetada pela medida.
Para as escolas públicas, a definição da retomada agora está a cargo da Secretaria de Educação. Segundo o antigo calendário, o retorno dos estudantes iniciaria no fim deste mês. As turmas da educação de jovens e adultos (EJA) e da educação profissional retornaria em 31 de agosto. Já os alunos do ensino médio, em 8 de setembro.
Os dos anos finais do ensino fundamental, em 14 de setembro e os dos anos iniciais, em 21 de setembro. Ficaria para 28 de setembro o retorno da educação infantil. Os centros de ensino especial, a educação precoce e as classes especiais retornariam somente em 5 de outubro.
Na semana passada, a programação para o início do sistema híbrido de ensino na rede pública tinha sofrido alterações. O período de apresentação, ambientação e formação dos servidores, antes mascado para segunda-feira (17/8), foi adiado. A decisão também afirmava que o calendário se manteria inalterado — o que mudou com a nova decisão do governador
*Estagiário sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa