Impactos na saúde mental como ansiedade e maiores níveis de estresse ocasionado pelo isolamento foram sentidos em todas as esferas da rede de apoio escolar, do estudante ao professor. Uma pesquisa do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP) revela que 27% das crianças de 5 a 17 anos apresenta sintomas de ansiedade e 37,4% têm dificuldade de estabelecer uma rotina. O estudo foi feito com 7 mil pais de jovens com essa faixa etária.
Com novos desafios trazidos pela pandemia de covid-19, o início do ano letivo que já era uma época de adaptação e estabelecimento de metas, exige cuidado redobrado, seja presencial ou remoto.
Janine Oliveira, 39 anos, supervisora pedagógica do Centro de Ensino Médio 804 (CEM 804) do Recanto das Emas, conta que professores da instituição em que trabalha relataram muita ansiedade por conta da nova forma de trabalho. “Todas as coisas se misturaram: assuntos familiares, assuntos da escola, atendimento de aluno, que você fazia no horário de aula e passou a ser o dia todo”, afirma.
A necessidade de capacitação para atuar em plataformas digitais e menor interatividade também intensificaram esses problemas. “Para alguns professores foi frustrante eles terem feito toda essa preparação e não ter tido a participação que eles esperavam”, comenta.
Por falta de equipamentos necessários, alguns alunos do CEM 804 não puderam participar das aulas on-line e a alternativa encontrada pela escola foi a distribuição de atividades impressas. Sobre as aulas, Janne avalia que foi “melhor do que não ter feito nada, mas não se compara ao que a gente tinha no presencial”.
Psicóloga e coordenadora pedagógica do Laboratório Inteligência de Vida (LIV), Renata Ishida, afirma que os impactos na saúde mental de crianças e adolescentes são gritantes e diversos por questões sociais. “As crianças de uma classe mais favorecida tinham acesso possivelmente a um ambiente mais silencioso em que talvez pudesse prestar mais atenção”, argumenta. “Agora, numa classe menos favorecida, algumas sentiram falta de um acompanhamento das escolas e até de um apoio familiar porque provavelmente essas famílias não estavam em trabalho home office”.
Ela também destaca que a adaptação das escolas públicas ao ambiente digital se deu de forma mais lenta.
Em relação à faixa etária, as principais dificuldades enfrentadas pelas crianças, segundo Renata, é a impossibilidade de tocar e interagir diretamente com o mundo à sua volta. “A criança descobre o mundo através do corpo”, explica.
Já no caso dos jovens, a psicóloga afirma que a impossibilidade de privacidade é um fator de grande incômodo. "Uma das coisas que eles mais gostam de fazer é encontrar os amigos e poder ficar um pouquinho separado da família”, comenta.
Além das consequências psicológicas, a coordenadora do LIV lista impactos na saúde física como estresse, oscilações de humor, perda de apetite e alteração no sono.
Necessidade de um ensino mais interativo e acolhedor
Com retorno das aulas presenciais na instituição em que atua, Sueli Conte, a psicopedagoga e diretora do Colégio Renovação na cidade de São Paulo, percebeu os alunos, sobretudo adolescentes, mais receosos e ansiosos após o período de isolamento.
A especialista em educação explica que a abordagem com os jovens é “um trabalho mais próximo de carinho”. Ela afirma que esse ainda não é um momento para passar conteúdo novo, mas de avaliar o aprendizado dos alunos durante 2020 para que o ensino possa se adequar às necessidades dos discentes.
Sueli ainda relata que, apesar da possibilidade de volta com 70% da capacidade de alunos em cidades da fase amarela da pandemia, ela pretende fazer o aumento de 35% para 70% de forma gradual por estar preocupada com o emocional dos alunos. “Quando você faz um retorno nesta pandemia, você não dá a atenção que eles estão precisando”, argumenta.
No modelo remoto, também é necessário pensar em alternativas para prender a atenção dos estudantes e tornar a aprendizagem mais prazerosa. Segundo Renata Ishida, coordenadora do LIV, o momento é de “fazer com que os alunos sejam mais protagonistas na sala de aula”.
Algumas ideias de atividades são a dinâmica invertida, em que alunos “trocam de lugar” com os professores, o uso de jogos para estimular a participação e a contação de histórias.
Dificuldade para manter o foco e estabelecer uma rotina
Estudante do 6º semestre de psicologia da Universidade Estadual do Piauí, câmpus de Teresina, Karen Hellen, 20 anos, conta que a experiência que teve com o ensino remoto no ano passado foi desestimulante. Segundo ela, o ensino a distância trouxe impactos negativos na saúde mental por conta da autocobrança. “Como eu fico menos atenta, acaba que vem muito mais culpa”, afirma.
Este ano, junto com o semestre remoto, em que está matriculada em 10 matérias, a estudante também faz estágio presencial. Karen é acompanhante terapêutica de uma criança de 8 anos com diagnóstico de autismo em uma escola particular de Teresina. “Eu estou lá para ajudar ela (a criança), mas minha função é fazer com que ela crie mais independência”, explica.
Antes da pandemia, a estudante era acompanhante da mesma criança e percebe que o foco e o desempenho foram afetados, além de um aumento no estresse.
A volta presencial também é realidade para as filhas do advogado Max Kolbe, 38. Pai de duas meninas de 8 e 10 anos, ele afirma que o retorno presencial deixou as crianças mais animadas. “Eu consigo perceber que as minhas filhas ficaram mais felizes em ter novamente contato com as colegas de colégio, com os professores e com os demais colaboradores”, relata.
O advogado conta que as meninas estavam “mais ansiosas, mais dispersas e menos entusiasmadas com a atividade escolar” no ensino a distância. Também menciona que o período de isolamento afetou a rotina e a alimentação das duas.
Para auxiliar as crianças nesse novo ano letivo, seja em modo remoto ou presencial, Max afirma que é necessário criar uma rotina com os filhos. “Uma rotina de sentar, fazer a aula com atenção, dever de casa e acreditar que dias melhores virão”, explica.
A importância de ambientes de lazer e socialização
Para Josué Henrique Vale, 22, o que mais faz falta é “se sentir no ambiente de estar em uma universidade”. Maranhense de São José de Ribamar, região metropolitana de São Luís, o estudante de economia se transferiu da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) para a Universidade de Brasília (UnB) no segundo semestre de 2019 e está no quarto período do curso.
Como não tinha experiência com ensino a distância, o discente relata que teve dificuldade para se adaptar às plataformas. Das seis matérias em que se matriculou no último semestre, ele trancou quatro.“Eu me sentia um tanto pressionado por mim mesmo”, confessa.
Estudar em casa foi um desafio. “Eu moro com duas pessoas quase idosas, uma (a mãe) com 59 e outra (a tia) com 60 anos, e com meu irmão, que tem síndrome de Down. São pessoas que precisam da minha atenção”, explica.
A dica de Josué para manter o foco e preservar a saúde mental é criar uma rede de apoio, seja com amigos da universidade ou com professores. “A gente tem que buscar fazer amizades com quem possa colaborar com essa evolução”
*Estagiária sob supervisão de Ana Sá