EXCLUSÃO ESCOLAR

DF registra 28 mil crianças e adolescentes fora da escola na pandemia

Estudo feito pelo Unicef e Cenpec Educação mostra que o Brasil corre o risco de regredir duas décadas no acesso de meninas e meninos à educação

Isabela Oliveira*
postado em 29/04/2021 18:56 / atualizado em 29/04/2021 19:00
 (crédito: Viola Júnior/Esp. CB/D.A Press)
(crédito: Viola Júnior/Esp. CB/D.A Press)

Em novembro de 2020, 28 mil crianças e jovens não tiveram acesso às escolas no Distrito Federal. Os dados são do estudo "Cenário da Exclusão Escolar no Brasil - um alerta sobre os impactos da pandemia da Covid-19 na Educação", lançado nesta quinta-feira (29/4) pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em parceria com o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação (Cenpec Educação).

Ítalo Dutra, chefe de educação do Unicef, avalia que o DF estava dentro da média nacional com 2,8% das crianças fora da escola, antes da pandemia. Durante o isolamento, o número subiu para 5,4%.

Ítalo Dutra, chefe de educação do Unicef, acredita que a busca ativa é um ótimo mecanismo para amparar os estudantes que estão fora da escola
Ítalo Dutra, chefe de educação do Unicef, acredita que a busca ativa é um ótimo mecanismo para amparar os estudantes que estão fora da escola (foto: Unicef/Divulgação)

“Isso já acende um alerta de um número alto de exclusão escolar, em especial no DF que tem um tamanho pequeno”, observa. Ele aconselha que as ações para sanar o problema sejam feitas de maneira rápida e eficiente, como a busca ativa.

O Unicef e parceiros com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) oferecem apoio a estados e municípios para efetuar a Busca Ativa Escolar. A iniciativa é voltada para as crianças que estão matriculadas e não estão envolvidas nas atividades escolares. Por isso, é preciso traçar estratégias para localizá-las e entender os motivos do abandono. As informações podem ser acessadas no site.

Para a mestre em educação Andrea Ramal, o impacto desses 28 mil jovens no DF é muito grande. O fato das crianças estarem fora da escola, a longo prazo, pode acarretar no aumento do desemprego, por exemplo.

Para Andrea Ramal, mestre em educação, o impacto das crianças e jovens fora da escola pode causar déficits econômicos a longo prazo
Para Andrea Ramal, mestre em educação, o impacto das crianças e jovens fora da escola pode causar déficits econômicos a longo prazo (foto: Trevo Comunicativa/Divulgação)

“Nós já tínhamos uma educação desigual em todos os estados e quando você tem esse volume grande, isso é grave para a região, porque a educação está ligada diretamente à competitividade e à inserção no mercado”, explica. “Sempre que você tem uma região com alto quantitativo de estudantes fora da escola, você vai ter depois de algum período menos gente capaz de entrar no mercado de trabalho.”

Filho ficou dois meses sem estudar

 

Um dos filhos do microempreendedor individual Júlio César Santana ficou de novembro a janeiro sem estudar
Um dos filhos do microempreendedor individual Júlio César Santana ficou de novembro a janeiro sem estudar (foto: Arquivo Pessoal)

Júlio César Santana, 41 anos, é pai de trigêmeos, dois meninos e uma menina, de 9 anos, que estudam na Escola Classe 15 do Gama. Segundo ele, a adaptação das crianças ao ensino remoto nunca ocorreu 100%. Um dos motivos é a falta de recursos digitais para todos os três estudarem. A família apenas dispõe de um computador e um celular.

Além disso, a filha não conseguiu se adaptar ao ensino remoto e a família escolheu pagar aulas particulares. “Optamos por isso pois eu e minha esposa não conseguimos ajudá-la, ela já estava com 8 anos e nem sabia ler corretamente; Escrever, então, nem se fala. Colocamos ela pra fazer aula com uma psicopedagoga, mas, infelizmente, nosso orçamento só deu para quatro meses”, conta.

De novembro até janeiro, um dos filhos de Júlio ficou sem aula, pois a professora entrou de licença. Este ano foi possível realocá-lo para a mesma turma dos irmãos. “Meu filho ficou sem professora e sempre perguntava se a tia ia voltar. Algumas vezes eu peguei eles e levei pra trabalhar comigo, só pra tiramos de casa um pouco sair do cárcere”, desabafa.

Para Júlio, além do aprendizado dos três filhos ter sido comprometido, o que mais faltou foi a educação social: a interação com professores e colegas.

Pesquisa mostra que país pode regredir 20 anos

O estudo detalha que mais de 5 milhões de crianças e adolescentes entre 6 a 17 anos não tiveram acesso à educação no Brasil. O número é semelhante ao que o país tinha no início dos anos 2000.

Com escolas fechadas por causa da pandemia de covid-19, em novembro de 2020, quase 1,5 milhão de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos não frequentavam a escola, presencialmente ou de forma remota. Outros 3,7 milhões estavam matriculados, mas não tiveram acesso a atividades escolares e não conseguiram se manter aprendendo em casa.

Para especialistas, a exclusão afeta o fator essencial para o desenvolvimento dos jovens: o vínculo. Andrea Ramal opina que a pesquisa comprovou o que estava em evidência: o retrocesso que a educação brasileira vai sofrer devido à pandemia. Segundo a consultora educacional, o Brasil havia superado o problema quantitativo e avançado em diversas temáticas, como a inclusão. Agora, a exclusão escolar coloca o país de volta ao problema quantitativo.

“Isso é preocupante porque nós sabemos que esse período da escolaridade é fundamental para o vínculo. É nessa fase que os alunos desenvolvem capacidade de aprender e é todo o início da socialização”, pondera.

Para Ítalo Dutra, o mais importante é para a faixa etária de 6 a 10 anos que estão começando a interação social na escola. “Isso atinge crianças numa faixa etária de alfabetização em que eles estão ingressando no ensino fundamental e correm o risco de perder o vínculo”, pontua.

No total, 5,1 milhões tiveram seu direito à educação negado em novembro de 2020. O dado corresponde a 13,9% das meninas e dos meninos de 6 a 17 anos do país.

A exclusão escolar atingiu sobretudo crianças de faixas etárias em que o acesso à escola não era mais um desafio. Dos 5,1 milhões de meninas e meninos que não estavam na escola, seja presencial ou remota, em novembro de 2020, 41% tinham de 6 a 10 anos de idade; 27,8% tinham de 11 a 14 anos; e 31,2% tinham de 15 a 17 anos.

“Minha filha perdeu a vontade de estudar”

 

A diarista Patrícia Pinheiro da Silva teme pelas consequências da desmotivação da filha quanto aos estudos
A diarista Patrícia Pinheiro da Silva teme pelas consequências da desmotivação da filha quanto aos estudos (foto: Arquivo Pessoal)

Patrícia Pinheiro da Silva, 42 anos, é diarista e mãe de Kécia, 15 anos, que estuda o 1º ano do ensino médio no Itapoã. A mãe explica que a adaptação ao ensino remoto “foi horrível”, pois as atividades ocorriam uma vez por semana.

“Ano passado, ela não aprendeu nada, só desmotivou muito ela, não tem como aprender com aulas remotas”, explica a diarista.

Além disso, a família enfrentou problemas com internet e recebe ajuda de uma das chefes de Patrícia para conseguir manter a conexão. Como Patrícia sai para trabalhar, Kécia fica sozinha em casa e a mãe sempre tenta monitorar o dia a dia a distância.

“Eu saio pra trabalhar e fico com medo, pois minha filha, tão jovem e linda, perdeu o ânimo e a vontade de estudar, nem fala mais que quer ser veterinária”, conta. “Sempre converso com ela pra não se entregar, ela diz que perdeu a vontade de viver e de estudar.”

Exclusão afeta os mais vulneráveis

O estudo mostra, também, que a exclusão afetou mais quem vivia em situação vulnerável. Em relação às regiões, Norte (28,4%) e Nordeste (18,3%) apresentaram os maiores percentuais de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos sem acesso à educação, seguidas por Sudeste (10,3%), Centro-Oeste (8,5%) e Sul (5,1%). A exclusão foi maior entre crianças e adolescentes pretos, pardos e indígenas, que correspondem a 69,3% do total de crianças e adolescentes sem acesso à educação.

"As regiões norte e nordeste são têm, historicamente, indicadores mais desafiadores. Isso representa uma desigualdade que já era grande e aumentou”, observa Ítalo Dutra.

Unicef faz recomendações

O estudo lançado traz as seguintes recomendações: efetuar a busca ativa de crianças e adolescentes que estão fora da escola; garantir acesso à internet para todos, em especial os mais vulneráveis; realizar campanhas de comunicação comunitária, com foco em retomar as matrículas nas escolas; mobilizar as escolas para que enfrentem a exclusão escolar; e fortalecer o sistema de garantia de direitos para garantir condições às crianças e aos adolescentes para que permaneçam na escola, ou retornem a ela.

Ítalo Dutra também reforça que a reabertura das escolas será fundamental para acolhida dos jovens e crianças e retomada da aprendizagem, quando a situação da pandemia melhorar. “Estamos hoje numa situação descontrolada, mas assim que possível, que se iniciar a vacinação dos professores, esperamos avançar no processo de reabertura das escolas”, disse.

A consultora educacional Andrea Ramal acredita que o país precisa de políticas públicas sérias e continuadas para inclusão digital, capacitação de professores e apoio às famílias, além de investimento para a infraestrutura das escolas.

“Existem escolas que não têm nem água potável, nem banheiro funcionando. A gente precisa de um investimento grande para que a escola possa se tornar um lugar seguro, de acolhida, onde as crianças se sintam motivadas e os pais seguros”, finaliza.

*Estagiária sob a supervisão da editora Ana Sá

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