Eu, Estudante

Niara

Cartilha de Aroeira sobre taxação de grandes fortunas polemiza no DF

Material foi usado em sala de aula e gerou reação de deputados e da Secretaria de Educação do Distrito Federal, que acionou a corregedoria da pasta

Um professor da rede pública do Distrito Federal, que prefere não se identificar, tem sido enxovalhado por deputados distritais e pela Secretaria de Educação do Distrito Federal por usar, nas aulas de sociologia do ensino médio, a cartilha com um ano de tirinhas da personagem Niara, do cartunista Aroeira. A publicação de 60 páginas explica a necessidade de tributação dos super-ricos. Segundo o Sindicato dos Professores no DF (Sinpro-DF), o conteúdo é compatível com a grade curricular das competências e habilidades previstas na Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio. No entanto, a pasta de Educação encaminhou o caso à corregedoria.

A polêmica envolvendo a utilização da cartilha de Niara em sala de aula foi alvo de manifestações de repúdio na Câmara Legislativa. Os deputados Rodrigo Delmasso (Republicanos) e Júlia Lucy (União Brasil) criticaram “o viés político” da publicação. A reportagem tentou ouvir os parlamentares, mas eles não retornaram as ligações.

Resultado de um ano de tirinhas da Niara, a cartilha traz como protagonista a personagem criada por Aroeira para fortalecer a campanha Tributar os Super-Ricos, lançada por 70 organizações brasileiras para promover justiça fiscal. Em quadrinhos, ao estilo dos personagens Armandinho e Mafalda, a pré-adolescente negra explica as distorções na cobrança de impostos no país.

"Justiça social"

Entre as 70 organizações brasileiras que compõem a campanha estão o Sinpro-DF e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). De acordo com a diretora do Sinpro, Rosilene Corrêa, todo o material, intelectual ou impresso, é resultado da parceria de entidades cidadãs que defendem os direitos de brasileiros e que têm responsabilidade com a classe trabalhadora do país. Ela informou que o nome do professor será preservado para evitar manifestações ainda mais agressivas, assim como retaliações, pelo fato de o docente ainda estar em estágio probatório.

“A campanha foi concebida como uma das formas de se promover a justiça social no país”, registrou a sindicalista na página do Sinpro na internet, lembrando que pesquisa feita pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV Social) dá conta de que a desigualdade aumentou mais no Brasil durante a pandemia quando comparada a outros 40 países e que o levantamento utilizou dados sobre a percepção da população em relação às políticas públicas de saúde, educação e meio ambiente.

“Não tem nada a ver. Misturaram tudo. É claro que as tirinhas fazem crítica ao sistema capitalista e expõem a atual política nacional. Mas trata-se de um conteúdo de qualidade, elaborado por um grupo de pessoas super qualificadas, e remete a um debate necessário”, disse Rosilene ao Correio. “Pelo visto, querem retirar os direitos à liberdade na sala de aula. A escola tem o papel de formar um cidadão que defenda um a sociedade mais justa. Criminalizar a aprendizagem é um fato bastante preocupante.”

"Problema cognitivo"

Também ouvido pelo Correio, o cartunista Aroeira também manifestou espanto e preocupação com a polêmica envolvendo seu trabalho. “É uma coisa natural essa maneira unipolar de pensar no Brasil, o que leva ao exagero. Estão batendo na coisa errada, colocando pessoas para vilipendiar o professor. O problema é cognitivo”, disse, ponderando que a proposta de tributar os super-ricos vem sendo defendida em vários países. “Não compreenderam o que queremos com a personagem da cartilha, mas conheço a metodologia dos caras. Vão perseguir os mais fracos.”

Aroeira deixou claro que sua personagem não propõe ruptura alguma, apenas que os projetos de tributação dos super-ricos caminhem, lembrando que a taxação de grandes fortunas é tema de vários projetos em tramitação no Senado e que é natural fomentar uma discussão que está sendo feita em todo o planeta.

"Proselitismo político"

Por meio de nota, a Secretaria de Educação do DF informou ter tomado conhecimento da “distribuição de uma cartilha com apologia política no Centro de Ensino Médio da Asa Norte (Cean) e encaminhou o caso imediatamente à Corregedoria”.

Na mesma nota, afirma que “a referida cartilha não só faz oposição aberta ao atual presidente da República como promove uma dirigente sindical que se declara pré-candidata ao governo do Distrito Federal por um partido de oposição” e “esclarece que a cartilha foi distribuída por um professor de sociologia, sem o conhecimento da direção da escola, da Coordenação Regional de Ensino nem da Subsecretaria de Ensino Básico”.

Por fim a pasta afirma que “repudia um ato como esse e informa que não permitirá proselitismo político de nenhuma espécie nas escolas públicas do DF e que fará cumprir fielmente o regimento da rede pública de ensino do DF, que em seu Artigo 304 estabelece como 'vedado ao professor' envolver o nome da unidade escolar em manifestações estranhas às suas finalidades educativas; ferir a suscetibilidade dos estudantes no que diz respeito às convicções políticas, religiosas, etnia, condição intelectual, social, assim como no emprego de apelidos e/ou qualificações pejorativas; e fazer apologia à política partidária no interior da unidade escolar.”

Concentração de riqueza

Pré-candidata pelo PT ao governo do DF, Rosilene Corrêa afirma que em momento algum ela tentou se autopromover com a publicação. “O único lugar que tem o meu nome na cartilha é quando fala que quem está muito feliz com o sucesso da Niara são as mães e pais, e consta o meu nome entre as pessoas da coordenação do trabalho”, disse.

De acordo com o relatório Riqueza Global, publicado anualmente pelo insuspeito banco Credit Suisse, super-ricos são pessoas pra lá de “exclusivas”. Para entrar nesse seleto grupo, é necessário acumular patrimônio de mais de US$ 1 milhão. No Brasil, são 207 mil pessoas que conseguiram acumular essa fortuna. Juntas, elas concentram quase metade (49,6%) da riqueza total do país.

 

Saiba Mais