Entrevista | jade beatriz | presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas

Novo Ensino Médio aumenta desigualdade e evasão escolar, diz presidente da UBES

Segundo a dirigente da Ubes, a suspensão, por 60 dias, do Novo Ensino Médio — que será outra vez debatido —, é uma boa oportunidade de se montar uma plataforma abrangente e inclusiva, sobretudo para quem está na escola pública

Tainá Andrade
postado em 13/04/2023 03:55
 (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
(crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

A implementação do Novo Ensino Médio — suspensa por 60 dias no último dia 6 — tinha tudo para dar errado, como, de fato, deu, na visão da União dos Estudantes Secundaristas (Ubes). Segundo Jade Beatriz, presidente da entidade, a falta de participação dos jovens que estão no Ensino Médio, e se preparam para disputar a peneira do Enem por uma vaga no Ensino Superior, o grande problema é que a reforma não levou em consideração os problemas da escola pública e outras questões que, conforme enfatizou, aprofundam as diferenças em relação aos alunos do ensino privado. A seguir, os principais pontos da entrevista.

Por que é importante rever o Novo Ensino Médio?

No Ensino Médio, hoje, a maior parte dos estudantes é negra, está na periferia e é mulher. Vinte e sete milhões, a maior parte dos aproximadamente 44 milhões de estudantes no ensino básico, são mulheres, somos maioria. Seremos a maioria na pós-graduação. Só que ainda não somos a maioria dentro dos postos de trabalho, por exemplo. O debate do Novo Ensino Médio é muito mais que só a sala de aula. É ter acesso à ascensão social.

O que precisava ser avaliado antes de as mudanças serem aplicadas?

O primeiro percalço para a implementação é a estrutura que as escolas públicas no Brasil têm. Há uma ausência de investimento para reestruturação das escolas. Se você for numa escola pública e estiver chovendo, a sala estará alagada, tem um banheiro que não tem porta. A escola estará, muitas vezes, localizada em um bairro que não tem saneamento básico. Então, antes de fazer qualquer mudança na estrutura do ensino, a estrutura dessa escola precisa estar minimamente OK para poder receber a reforma. E essa não é a realidade. A partir disso, no momento em que naquela escola não tem um laboratório e existe um itinerário a ser cumprido que precisa da estrutura, o estudante precisa ir para outra escola. Isso envolve alimentação, dinheiro de passagem e nem todo mundo tem condição de conseguir chegar perto disso.

Quais os principais prejuízos do Novo Ensino Médio traria para os estudantes?

Além da estrutura para receber a reforma, a implementação fica sob controle de estados e municípios. Foge do que é o governo federal e o Ministério da Educação (MEC). Os estados podem definir quais matérias estarão nos itinerários formativos. É completamente desigual entre o que é oferecido nas escolas particulares e nas públicas. Dá para ver em vários estados, como é o caso do itinerário de aprender a fazer brigadeiro caseiro dentro das escolas públicas de São Paulo, de aprender a ser um milionário — como é nas escolas públicas do Rio de Janeiro —, como é o itinerário que o nome é o que rola por aí, no Paraná. Qual é o problema além disso? Um Enem para o qual não estamos preparados para fazer sobre as matérias que deixamos de ver que são importantes — história, geografia, filosofia. É importante dizer que os estudantes de escola privada estão tendo essas matérias normalmente, com toda estrutura. Não tem nada no Novo Ensino Médio: é só uma repetição da falta de estrutura, de acesso à educação, do aumento na desigualdade social, do aumento da evasão escolar.

A ideia do Novo Ensino Médio é preparar os jovens para uma vida profissionalizante. Como isso deve ser feito?

É beber da experiência nos institutos federais. A ideia do Novo Ensino Médio é aproximar os estudantes do mercado de trabalho e tornar a escola mais atrativa, mas, na prática, não é isso que está acontecendo. Trazer medidas que possam realmente fazer com que isso aconteça, de não afastar esses estudantes do caminho da universidade, que é o que está acontecendo. Há a necessidade de cursos que, realmente, estimulem o estudante no mercado. Ninguém quer trabalhar vendendo brigadeiro — isso é subemprego, não é alternativa.

O que a Ubes tem para sugerir ao governo federal?

Estamos elaborando um documento, com profissionais da educação, pesquisadores e cientistas, para poder diagnosticar o que está sendo o Novo Ensino Médio e apresentar as saídas dentro dele para levar ao MEC. Sabemos que a saída é revogar e apresentar um novo modelo de ensino. Também entendemos que não é possível voltar ao que era antes.

O que faltou para que o projeto do Novo Ensino Médio não sofresse tantos percalços e terminasse suspenso por 60 dias?

Desde 2016, a Ubes fala que o Novo Ensino Médio nesse modelo, sem nossa presença e contribuição, acabaria trazendo grandes prejuízos. Com a implementação, isso foi concretizado. Acredito que vai ser possível mudar a reforma que não nos representa e construir um novo modelo com a nossa participação, com participação de professores, com participação de quem está todos os dias na escola pública — que é quem realmente interessa.

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