VIOLÊNCIA ESCOLAR

Enfrentamento ao bullying nas escolas deve começar em casa

Especialistas ouvidos pelo Correio falam sobre combate e prevenção ao bullying, uma violência que pode gerar graves consequências psicológicas e comprometer o futuro de crianças e de adolescentes

Mila Ferreira
postado em 18/04/2023 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

O bullying gera graves sequelas psicológicas em crianças e adolescentes e está relacionado a atos de violência no ambiente escolar. A prática consiste em atos constantes de intimidação, como xingamentos, agressões e humilhações em geral, que podem ser verbais ou físicas. No Distrito Federal, após recentes ameaças, a Secretaria de Educação (SEEDF) tem oferecido acolhimento e ações pedagógicas para combater esse tipo de conduta nas unidades de ensino.

A estudante de comunicação Lorrana Lemos, 22 anos, é um exemplo de jovem que sofreu com esse tipo de atitude e superou. "A época do ensino médio foi a pior. As pessoas me excluíam e me chamavam de pé de pato, por causa do pé plano; de bruxa, por causa do meu cabelo;e de burra, por causa da dislexia", relembra. "Tive muitos traumas. Às vezes, não ia para a escola, porque tinha medo e crises de ansiedade", acrescenta a jovem.

Lorrana conta que superou os abusos sofridos graças ao tratamento psicológico e ao apoio da família. "A terapia tirou a angústia que eu sentia dentro do meu coração. Na terapia, eu me sentia livre, porque podia contar o meu lado da história. Com isso, consegui superar o bullying e colocar um ponto final naquilo que me machucava", relata. "Meus pais sempre estiveram ao meu lado. Minha avó foi quem mais me ajudou. Ela ia sempre na escola conversar com os professores e com a coordenação. Ela me acolhia quando eu estava mal e me apoiava em tudo", destaca.

O amparo da escola também foi fundamental, segundo Lorrana. "Quando eu relatava os abusos sofridos, a diretora me chamava para conversar e eu contava tudo. Eles me levavam para a sala de apoio para conversar com a terapeuta, realizavam palestras sobre bullying, chamavam pais de alunos que me humilhavam, falavam com a turma etc.", descreve. Para a estudante, guardar mágoas não é a melhor solução. "Já quis muito me vingar, mas, com ajuda da minha família, amigos e terapeuta, vi que o melhor troco é não dar ouvidos e seguir em frente. Foi o que fiz. Eu levei tudo como um aprendizado", finaliza Lorrana.

Reflexo

A psicóloga Jhanda Siqueira afirma que os alunos que praticam bullying na escola geralmente têm problemas com os pais. "Nenhuma criança que pratica esse tipo de ato tem em casa uma boa base e amor incondicional. Uma boa base é quando a criança é aceita, vista, ouvida, onde ela pode ser criança e pode errar sem sofrer severas consequências", explica. "Uma criança muito criticada se sente insuficiente. Ela tem a sensação de que só merece amor se for perfeita, então, está sempre com a sensação de que está devendo. A criança que foi muito criticada ou muito negligenciada fica sem liberdade para ser quem ela é e acaba criando uma energia concentrada de raiva por estar sempre sentindo que está inadequada. Um sentimento de inadequação e de invisibilidade faz com que ela vá para a escola com a tentativa de ser vista por meio do bullying", completa.

Jhanda ressalta que apenas dizer aos filhos para aceitarem as diferenças na escola não é suficiente. É preciso dar o exemplo no lar. "As crianças precisam ter suas diferenças respeitadas dentro de casa para que possam respeitar as diferenças alheias na escola", informa a psicóloga. "Se ela se sente a vítima em casa, quer ser a vilã na escola. Para ela, o vilão é mais poderoso, pois ele causa medo nos outros. A vítima sente medo, se sente pequena e insignificante. Ela pratica o bullying na tentativa de ser vista, de se sentir potente, menos inferiorizada. Não porque ela seja má, mas porque não encontrou um jeito saudável de ser vista. Não tem como impedir uma criança de ser abusiva com outra sem dar uma base em casa", orienta.

Paz nas escolas

Em março de 2022, a Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEEDF) implementou o Plano de Urgência pela Paz nas Escolas. A Portaria nº 281 institui uma comissão encarregada de discutir, propor e criar ações para promover a paz nas unidades da rede pública de ensino. O documento também prevê acolhimento e iniciativas pedagógicas relacionadas à mediação de conflitos, incluindo o combate ao bullying e à comunicação violenta.

Esse grupo é o encarregado de oferecer propostas buscando o fortalecimento da escola como espaço para reflexão e enfrentamento das várias formas de violência — física, psicológica e sexual — no contexto escolar. Entre as ações, estão a distribuição para todas as instituições do Caderno de Convivência Escolar e Cultura de Paz, a criação de um canal direto entre os coordenadores das Regionais de Ensino e a Polícia Militar, o reforço do efetivo do Batalhão Escolar, a continuidade da operação de revista nas portas das escolas e nas salas de aula.

As ações para a promoção da cultura de paz nas escolas estão sendo feitas por meio de equipes de psicólogos, profissionais especializados em mediação de conflitos e comunicação não violenta, além de apoio à saúde emocional da comunidade escolar, tanto estudantes, como professores e servidores, com acolhimento e seções de escuta solidária em projetos de gerenciamento de estresse.

Opinião

Patricia Mey Carmo, psicopedagoga institucional e clínica

O bullying se tornou um problema de ordem estrutural. Há de ser analisado de forma sistêmica. Tenho trabalhado em educação há 40 anos, dentro e fora de escolas de classe média alta. Minha vasta experiência enquanto educadora de crianças e adolescentes brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, tem sido positiva visto que é desenvolvido um trabalho preventivo ao bullying, não apenas remediativo.

O trabalho desenvolvido com crianças da educação infantil ao ensino fundamental 2 (6º ao 9º ano) de prevenção e combate ao bullying é primordial para conscientização dos alunos da necessidade de inclusão e aceitação das diferenças. A ideia é que somos todos diferentes, e isso nos torna iguais.

Desde os três anos de idade se faz necessário falar (e fazer refletir) sobre a importância de valorizar e respeitar a si mesmo, o outro, como pensa, veste-se e comporta-se, mesmo que eu não concorde com ele. Isto é fundamental na formação de uma sociedade mais inclusiva. Parece cedo, mas não é. Valores morais, ética, respeito ao próximo, regras sociais, direitos e deveres em casa, na escola e na comunidade devem ser ensinados, discutidos (não impostos), construídos e seguidos dentro da família e da escola. Os pais precisam ser parceiros nesse processo de educação sócio-emocional de seus filhos.

Cabe à escola desenvolver um programa pedagógico de forma intencional e sistemática visando despertar nos futuros cidadãos a empatia, o respeito às diferenças, assim como a valorização dos diferentes pontos de vista.


 

 

 

Problema estrutural

 (crédito: Arquivo pessoal)
crédito: Arquivo pessoal

O bullying se tornou um problema de ordem estrutural. Há de ser analisado de forma sistêmica. Tenho trabalhado em educação há 40 anos, dentro e fora de escolas de classe média alta. Minha vasta experiência enquanto educadora de crianças e adolescentes brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, tem sido positiva visto que é desenvolvido um trabalho preventivo ao bullying, não apenas remediativo.

O trabalho desenvolvido com crianças da educação infantil ao ensino fundamental 2 (6º ao 9º ano) de prevenção e combate ao bullying é primordial para conscientização dos alunos da necessidade de inclusão e aceitação das diferenças. A ideia é que somos todos diferentes, e isso nos torna iguais.

Desde os três anos de idade se faz necessário falar (e fazer refletir) sobre a importância de valorizar e respeitar a si mesmo, o outro, como pensa, veste-se e comporta-se, mesmo que eu não concorde com ele. Isto é fundamental na formação de uma sociedade mais inclusiva. Parece cedo, mas não é. Valores morais, ética, respeito ao próximo, regras sociais, direitos e deveres em casa, na escola e na comunidade devem ser ensinados, discutidos (não impostos), construídos e seguidos dentro da família e da escola. Os pais precisam ser parceiros nesse processo de educação sócio-emocional de seus filhos.

Cabe à escola desenvolver um programa pedagógico de forma intencional e sistemática visando despertar nos futuros cidadãos a empatia, o respeito às diferenças, assim como a valorização dos diferentes pontos de vista.

Patricia Mey Carmo, psicopedagoga institucional
e clínica

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