Por Renato José Casagrande*
Em 8 de setembro, celebramos o Dia Internacional da Alfabetização, instituído pela Unesco em 1966 para lembrar ao mundo que a leitura e a escrita são direitos fundamentais. A data tem suas origens na Conferência Mundial de Ministros da Educação para a Erradicação do Analfabetismo, realizada em Teerã, em 1965. Naquele encontro, a Unesco reforçou que a alfabetização é um direito humano fundamental e condição indispensável para o desenvolvimento social e econômico dos povos.
Desde então, o dia passou a ser um marco de reflexão e ação, com o objetivo de conscientizar a sociedade mundial sobre a importância da leitura e da escrita para a emancipação individual e coletiva, combater o analfabetismo ainda presente em diferentes regiões, estimular políticas públicas e programas que garantam acesso universal à educação de qualidade e, sobretudo, reconhecer o papel da alfabetização na cidadania, na inclusão social e na redução das desigualdades. Mais do que uma data simbólica, é um chamado à ação: ainda hoje, milhões de pessoas permanecem à margem desse direito, o que limita sua participação social e econômica.
Esse tema tem guiado minhas reflexões recentes, especialmente após uma série de visitas a escolas na Alemanha, Suíça e França, onde pude observar de perto diferentes realidades educacionais. Embora o Brasil sofra forte influência da Europa em sua estrutura de ensino, percebo que ainda há muito a avançar para que essa inspiração se traduza em práticas efetivas.
Entre os pontos que mais me marcaram, destaco a valorização da infância. Nos países que visitei, a educação infantil é prioridade. O período dos 0 aos 7 anos é tratado como essencial para o desenvolvimento humano. Na Suíça, por exemplo, a alfabetização formal começa mais tarde, e a ênfase recai no brincar, no contato com a natureza e na formação integral. Como consequência, os professores dessa etapa são altamente qualificados e socialmente respeitados, algo que precisamos urgentemente fortalecer no Brasil.
Outro aspecto inspirador foi a valorização dos professores em geral. Na Alemanha e na Suíça, eles contam com melhores condições de trabalho e reconhecimento. O sistema suíço, descentralizado e flexível, garante autonomia curricular e uma transição suave entre os ciclos, permitindo ao aluno mudar de trilhas entre o caminho acadêmico e o técnico, sempre mantendo o vínculo entre escola e vida real. Já na França, percebi uma fragilização desse prestígio, em parte devido a problemas estruturais e aos desafios trazidos pela diversidade cultural e linguística, que também exigem inovação constante.
Apesar das diferenças entre os sistemas, encontrei um elemento comum: a educação humanizada. Mesmo em países altamente desenvolvidos, a tecnologia não domina o processo educativo. Vi muitas escolas com placas proibindo o uso de celulares e turmas reduzidas nos anos iniciais. A prioridade é formar cidadãos conscientes, capazes de conviver, dialogar e desenvolver valores.
Esse debate também se faz presente no Brasil. O Instituto Casagrande, do qual tenho orgulho de fazer parte, realizou recentemente uma pesquisa inédita sobre os impactos da proibição do uso de celulares em sala de aula. O levantamento, feito em junho com 3.767 professores da Educação Básica de todas as regiões do país, revelou resultados expressivos: 78% dos docentes relataram maior concentração dos alunos, 72% perceberam redução da indisciplina e 64% observaram avanços na aprendizagem. Além disso, 69% destacaram mais interação entre os estudantes e 61% relataram melhora na relação professor-aluno. Não por acaso, 81% apoiam a continuidade da restrição.
Esses dados confirmam o que observei na Europa: embora a tecnologia seja uma ferramenta importante, os métodos analógicos — leitura, escrita, diálogo, convivência — continuam indispensáveis. O desafio está em encontrar o equilíbrio entre inovação digital e práticas tradicionais, garantindo uma educação que respeite o ser humano em sua integralidade.
Alfabetizar é muito mais do que ensinar letras e números. É abrir horizontes, fortalecer valores, reduzir desigualdades e preparar cidadãos para uma vida plena. Temos um longo caminho a percorrer ainda.
* Renato Casagrande é o presidente do Instituto Casagrande, referência em práticas educativas inovadoras e no desenvolvimento de instituições de educação básica e superior. Pesquisador, palestrante e escritor, o professor Renato tem transformado o cenário educacional com participações em debates e contribuições ativas nas ações relacionadas aos desafios e às oportunidades na formação de professores, gestores e demais educadores.