Imigração

Após ter dedos amputados em escola, aluno brasileiro teme voltar às aulas em Portugal

Criança está em tratamento médico e poderá permanecer afastada da escola ainda não se sabe por quanto tempo. A mãe dele, grávida de sete semanas, diz sofrer ataques xenófobos em redes sociais.

Público Brasil
postado em 07/12/2025 06:00 / atualizado em 07/12/2025 06:00
A criança foi transferida para um agrupamento escolar de Santa Maria da Feira Rui Gaudêncio  -  (crédito: Arquivo)
A criança foi transferida para um agrupamento escolar de Santa Maria da Feira Rui Gaudêncio - (crédito: Arquivo)


A paraense Nivia Estevam, mãe do menino José, de 10 anos, informou que o filho passará por avaliação psicológica nesta sexta (28). O resultado vai determinar se o menino permanece afastado da escola e por qual período. Segundo ela conta ao PÚBLICO Brasil, José vive “temeroso desde o dia 10 de novembro”, quando teve teve dois dedos da mão esquerda amputados após, segundo seu relato, ser perseguido po Público Brasil r dois colegas e ter a mão prensada na porta do banheiro da escola onde estudava, em Viseu, na região Centro de Portugal. “Ele está com medo de tudo, depois do que aconteceu”, afirma Nivia.


Aos 27 anos, grávida de sete semanas, Nivia conta uma trajetória marcada pela superação. No Brasil, tornou-se mãe aos 17 anos e não chegou a trabalhar formalmente. Em Portugal, trabalhou na cozinha e no balcão de restaurantes, fez curso de estética e qualificou-se como soldadora — emprego que teve que deixar recentemente por causa da gravidez e da exposição a produtos químicos. O marido, padrasto de José, também trabalha na área.


Desde o início do ano letivo, há dois meses, José começou a relatar à mãe comentários dos colegas sobre seu modo de falar. “Mãe, tenho que aprender a falar o português de Portugal. Disseram que eu falo 'brasileiro' e que eles não me entendem”, terá contado o menino à mãe, que partilhou o desabafo de José com o PÚBLICO Brasil. Nivia diz ter tentado contextualizar a variação linguística: “Expliquei que o nosso português é lindo, que existem muitos jeitos de falar, e que todos são válidos”.


Os comentários, porém, não foram o único problema. José passou a relatar puxões de cabelo, e agressões constantes como chutes, cada vez que passava por alguns colegas. Sempre que reclamava, segundo a mãe, a resposta da professora minimizava o caso. “Ela dizia que crianças mentem, que era coisa de criança, que ele precisava ser ‘um menino bonzinho’”, relata Nivia.


No dia 5 de novembro, José chegou em casa com uma mancha roxa no pescoço. A marca, segundo o menino, teria sido causada quando outro aluno o empurrou contra a parede e o machucou. Nivia voltou à escola e cobrou providências, mas ouviu novamente que eram “coisas de criança”, segundo o que ela relata. O episódio seguinte, porém, mudou tudo.


Na manhã de 10 de novembro, cerca de uma hora e meia após deixar o filho na escola, Nivia recebeu telefonema de uma professora. Havia ocorrido um “acidente”, disse a docente, explicando que José teria “apertado o dedo na porta”. Ao chegar à escola, Nivia encontrou o filho no colo de uma funcionária, chorando, ensanguentado e com a mão enfaixada. “A professora repetia: ‘foi uma brincadeira’. E meu filho gritava de dor”, lembra ela de novo.


Segundo o relato feito pelo menino à mãe, ele havia descido para o recreio e feito uma breve parada no banheiro, para urinar. Dois colegas o seguiram. Eles teriam tentado trancá-lo no local para assustá-lo, quando sua mão ficou no vão da porta. Quando a fecharam, com força, dois dedos de José foram decepados.


“Ele me disse: ‘Mãe, eu pensei que ia morrer de hemorragia. Eu sangrei muito pela escola”, conta Nivia. “Comecei a gritar, sangrar muito no banheiro. Não sei quanto tempo fiquei lá, até meu corpo ter a ideia de passar por baixo (da porta). Sangrei fora de onde fica o vaso sanitário, sangrei no corredor para buscar ajuda e, quando encontrei uma senhora, que é auxiliar, ela passou mal e teve que chamar outra auxiliar para ajudá-la a fazer os primeiros socorros”.


No caminho para o Hospital São João, no Porto, dentro da ambulância, Nivia viveu o choque maior. O bombeiro segurava uma luva. Ao entregar o objeto para ela, disse: "Leve isso. Pode ser que consigam colocar no lugar”. Dentro da luva, estava um dos dedos amputados. “Foi quando percebi que ele realmente tinha perdido os dedos. Eu só queria gritar, mas precisava ficar calma por ele”, relata. José passou por uma cirurgia de mais de três horas. A mão esquerda do garoto ficará com dois dedos mais curtos que os da mão direita, informa a mãe.


Escola não deu apoio psicológico, segundo mãe do menino


Segundo Nivia, uma professora da escola tratou o caso como “brincadeira que deu mal (errado)”. Diz ela que não recebeu qualquer acompanhamento psicológico da escola. E ela afirma que o filho agora sente “medo de tudo”. A médica que o avaliou recomendou afastamento escolar até a avaliação psicológica.


“Se ele tiver que perder o ano escolar, isso não é o importante agora. O que importa é a saúde física e mental dele”, disse a médica, segundo Nivia. A família já o transferiu para um agrupamento escolar de Santa Maria da Feira. Foi “aberto um inquérito interno, dando cumprimento à legislação em vigor", segundo nota enviada ao PÚBLICO Brasil por Carlos Silveira, diretor do Agrupamento de Escolas de Souselo, localidade onde fica a Escola Básica de Fonte Coberta, em Cinfães, Viseu, Centro de Portugal, onde José foi agredido. O caso também foi comunicado à Polícia de Segurança Pública. A Inspeção-Geral da Educação também anunciou que vai averiguar o que aconteceu nesse caso.


Além do transtorno causado pela amputação dos dedos do filho, Nivia conta sofrer ataques nas redes sociais. “Há pessoas dizendo que merecemos ser deportados, que meu filho não deve ter justiça porque somos brasileiros”, relata. Por outro lado, há apoio: “Uma senhora me reconheceu no hospital, disse que era portuguesa e que o que aconteceu com meu filho era inaceitável. Foi solidária e isso foi reconfortante”.


Questionado pelo PÚBLICO Brasil sobre as afirmações de Nivia de que José não tinha recebido apoio psicológico e a respeito do motivo por que isso não teria acontecido, o Complexo de Escolas da Fonte Coberta não respondeu ao e-mail. O espaço encontra-se aberto para que esta se manifeste.


Mobilização online e apoio jurídico


Nivia tornou público o caso após postar um desabafo nas redes sociais. Em minutos, recebeu centenas de mensagens de solidariedade e de profissionais oferecendo ajuda. A advogada brasileira Catarina Zuccaro entrou em contato com ela e assumiu o apoio jurídico. Um grupo formado por 18 advogados brasileiros também forneceu suporte à família do menino. José completou 10 anos no dia 20 de novembro, dez dias após o episódio. Ainda faz curativos três vezes por semana e aguarda a avaliação psicológica que decidirá quando vai retornar à escola. Nivia, aos 27 anos, grávida e emocionalmente abalada, resume seu sentimento: “Espero que a justiça seja feita.”

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