EDUCAÇÃO

Maioria dos cientistas brasileiros em Portugal é de mulheres e ganha até 1.500 euros

Mapeamento da Diáspora Científica Brasileira, executado pela professora Andrea Oltramari, identifica um público altamente qualificado, mas que enfrenta sérias barreiras como imigrante.

Público Brasil
postado em 26/12/2025 11:07
A maior parte dos cientistas brasileiros em Portugal é da área de Ciências da Saúde. Entre eles, há queixas diante das dificuldades para revalidação de diplomas  -  (crédito: Rui Gaudêncio)
A maior parte dos cientistas brasileiros em Portugal é da área de Ciências da Saúde. Entre eles, há queixas diante das dificuldades para revalidação de diplomas - (crédito: Rui Gaudêncio)

A comunidade científica brasileira em Portugal é feminina, altamente qualificada, está, em maioria, empregada, atuando nas áreas de formação e, em boa parte, ganha entre 500 e 1.500 euros por mês. Esse retrato foi traçado por meio de uma pesquisa — Mapeamento da Diáspora Científica Brasileira em Portugal —, realizada entre agosto de 2024 e fevereiro de 2025, executado pela professora Andrea Oltramari, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), doutora pela Universidade de Lisboa, em parceria com a Universidade do Minho.


Segundo a professora, a ideia do levantamento surgiu em 2023, durante um congresso sobre imigração em Braga, Norte de Portugal. Como coordenadora do Grupo de Trabalho da Área de Imigração e Trabalho da UFRGS, ela foi contactada por integrantes da Embaixada do Brasil em Portugal, instituição que se mostrou disposta a apoiar a pesquisa por meio do Programa da Diplomacia da Inovação (PDI), devido ao grande número de brasileiros presentes nas universidades portuguesas, da graduação ao pós-doutorado.

A professora Andrea Oltramari executou o Mapeamento da Diáspora Científica Brasileira em Portugal, que identificou um público altamente qualificado
A professora Andrea Oltramari executou o Mapeamento da Diáspora Científica Brasileira em Portugal, que identificou um público altamente qualificado (foto: Jair Rattner)

"Estudo carreiras e mobilidade há pelo menos 25 anos. E eles me falaram que havia o Programa da Diplomacia da Inovação e me apresentaram um mapeamento da imigração qualificada. Com a coordenação da Embaixada do Brasil, ampliamos o tema com o apoio de uma equipe com a qual trabalho na universidade, de pelo menos 10 pessoas, mestrandos e doutorandos, que eu oriento, e bolsistas de iniciação científica", diz.

Para chegar ao Mapeamento da Diáspora Científica Brasileira em Portugal, Andrea definiu duas técnicas de pesquisa — uma, qualitativa, com grupos focais (público alvo do estudo); outra, quantitativa, com entrevistas pela internet. "Definimos cinco grupos focais, cada um com 47 pesquisadores a serem ouvidos. Fomos a campo e conseguimos gravar mais de 200 páginas de entrevistas. Esses grupos focais foram essenciais para entendermos os consensos e dissensos entre os imigrantes", relata. No total, 385 pessoas responderam aos questionamentos.

Quem são os cientistas brasileiros em Portugal?

A pesquisa foi feita entre os anos de 2024 e 2025 e obteveum total de 385 respostas. cada pergunta deu origem a um universo de respostas diferentes
A pesquisa foi feita entre os anos de 2024 e 2025 e obteveum total de 385 respostas. cada pergunta deu origem a um universo de respostas diferentes (foto: Relatório executivio)

Nessas conversas, acrescenta a professora, ficou claro que as pessoas que se dispuseram a participar do levantamento tinham necessidade de contar as trajetórias delas enquanto pesquisadoras. "Elas queriam falar do conhecimento que adquiriram e de como aproveitá-lo no retorno ao Brasil, por mais que não tivessem vontade de voltar. Mas o consenso era ajudar o Brasil", acrescenta a doutora, lembrando que várias das pessoas ouvidas tiveram dificuldades para se inserirem no mercado de trabalho de Portugal.

Na avaliação de Andrea, outro ponto importante de consenso que surgiu nos grupos focais foi o de ter de lidar com alguns preconceitos no trabalho e na vida pessoal. "Diziam que era muito cansativo, que exigia uma inteligência laboral duplicada, no sentido de fazer o trabalho e ainda ter que encontrar estratégias de defesa frente ao preconceito por ser brasileiro e, por vezes, por ter o seu conhecimento e suas capacidades não reconhecidos em Portugal. Um grupo extremamente qualificado, que, por vezes, tinha que ocupar muito do seu tempo de estudo e de trabalho para vencer as barreiras burocráticas", detalha.

Diversidade prevalece


Segundo a professora, embora no mapeamento a ideia fosse privilegiar mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos, outros profissionais apareceram nos grupos focais, o que, no entender dela, abrilhantou ainda mais os grupos ao ampliar a diversidade. "Entre os profissionais que apareceram estava uma psicóloga, advogados, um engenheiro civil e uma arquiteta", conta. "Os grupos focais começaram em setembro de 2023 e terminaram em março de 2024. Testamos a pesquisa de março a julho. Validamos ao longo desses meses e largamos o inquérito em outubro deste ano", ressalta.

O que fazem os cientistas brasileiros em Portugal?

A pesquisa foi feita entre os anos de 2024 e 2025 e obteveum total de 385 respostas. cada pergunta deu origem a um universo de respostas diferentes
A pesquisa foi feita entre os anos de 2024 e 2025 e obteveum total de 385 respostas. cada pergunta deu origem a um universo de respostas diferentes (foto: Relatório executivio)

Pelo levantamento, a maior parte dos entrevistados (70,5%) são mulheres, a maior fatia idades entre 30 e 44 anos, o que, na visão da professora, reforça o que se chama de "feminização" da imigração brasileira. "A ideia da maioria dessas mulheres é um novo projeto migratório, no caso de o atual não dar certo. Elas não pensam em voltar para o Brasil", frisa Andrea. Mais: 74,3% dos participantes da pesquisa autodeclaram-se brancos, 43% nasceram na Região Sudeste e 49,2% vivem em Portugal entre um e cinco anos — uma migração recente.

O nível de escolaridade é elevadíssimo: dos ouvidos pela equipe da professora Andrea, 43 têm pós-doutorado completo, 114 estão fazendo pós-doutorado, 30 têm doutorado completo e 59, mestrado completo. Quanto à área de formação, 64 dos entrevistados são de ciências da saúde; 55, de administração de negócios; 52, de ciências humanas e sociais; e 47, de engenharia e arquitetura. Outro ponto relevante: nove em cada 10 dos participantes do levantamento atuam com pesquisas, sendo mais da metade (59,9%) em pesquisa aplicada, para a resolução de problemas concretos, desenvolvimento tecnológico e inovação e práticas voltadas para o mercado ou políticas públicas.

Onde estão e quanto tempo estão os cientistas brasileiros em Portugal?

A pesquisa foi feita entre os anos de 2024 e 2025 e obteveum total de 385 respostas. cada pergunta deu origem a um universo de respostas diferentes
A pesquisa foi feita entre os anos de 2024 e 2025 e obteveum total de 385 respostas. cada pergunta deu origem a um universo de respostas diferentes (foto: Relatório executivio)

Barreiras aos diplomas


A pesquisa constatou que 170 pesquisadores têm emprego remunerado em Portugal e 37, no Brasil, e 87 são bolsistas. O trabalho em campo realizado pela professora Andrea apontou que, entre aqueles que não têm remuneração, houve queixas em relação às exigências regulatórias em Portugal, em especial, às barreiras para reavaliação de diplomas brasileiros. Esses entraves também são apontados por aqueles que têm salários, mas não conseguem trabalhar nas áreas de formação (são 42% dos entrevistados).

Isso quer dizer, no entender da professora, que há imigrantes altamente qualificados trabalhando na informalidade ou como autônomos. Dos 151 cientistas que revalidaram o diploma, 100 atuam na área de formação. Entre os 206 que não conseguiram ter a formação reconhecida em Portugal, apenas 81 (39%) estão nos segmentos de formação. "A revalidação do diploma aumenta significativamente as chances de inserção no mercado de trabalho qualificado", constata o estudo.

Para que as barreiras que atravancam a revalidação dos diplomas sejam superadas, o mapeamento constatou que, além da redução da burocracia, é preciso ampliar os acordos entre Brasil e Portugal para o reconhecimento automático das formações de seus pesquisadores e, ao mesmo tempo, é necessário que haja apoios específicos para profissionais que estão em transição de carreira ou que necessitam de complementação acadêmica para revalidação, especialmente em áreas estratégicas como saúde, educação, engenharia e tecnologia.

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