Eu, Estudante

Superação

Após ficar em situação de rua, homem faz 920 pontos na redação do Enem

Alexandre Camilo também superou vício em drogas. Ele quer usar a nota do exame para tentar vaga no curso de letras e melhorar o português

“Eu tinha essa força de vontade de parar de usar drogas, mas sempre procurei ajuda para me manter na linha e me ajudar no meu propósito de mudar de vida”, conta Alexandre Camilo da Silva, 55 anos, ex-sem-teto. Ele garantiu 920 pontos na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2020.


Após superar a vida nas ruas e as drogas, Alexandre estabeleceu o objetivo de prestar o exame. Para se preparar, usou videoaulas no YouTube e um livro de gramática antigo da pastoral para moradores de rua em Teresina (PI), onde ele mora atualmente.


Nota alta na redação foi uma surpresa


Apesar do esforço com os estudos nos canais no YouTube e dando foco na dissertação do exame, Alexandre se surpreendeu: “não tinha noção que a nota seria tão boa”. A história ganhou repercussão e ele se dispôs a conceder entrevistas com o propósito de inspirar outras pessoas.


“Pode servir de exemplo para as pessoas que usam drogas ou estão em situação de rua que é possível mudar de vida, tem que querer mesmo, porque tem muita gente que quer sair e acha que não é possível, mas a pessoa tem que ter um objetivo na cabeça e procurar o melhor para ela”, ressalta.


Dependência química atrapalhou, mas não impediu primeira graduação


Alexandre é carioca e começou a usar drogas de forma recreativa ainda jovem durante a graduação em biologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A dependência química, contudo, não impediu que ele se formasse e até fizesse um mestrado em ecologia.


Segundo Alexandre, com o passar do tempo o consumo foi aumentando. “Acabei que não consegui mais trabalhar direito, não queria saber mais de trabalhar e me entreguei”, confessa. Ele já trabalhou como biólogo, pesquisador e também como professor.


Ele fez tratamentos, teve recaídas e ficou desempregado. Em 2016, um amigo conseguiu um emprego para ele no Nordeste na área do turismo. Apesar de estar empregado, voltou a usar drogas com mais frequência. O trabalho não deu certo e ele resolveu buscar ajuda em Fortaleza (CE), em 2018.


Alexandre procurou apoio da Prefeitura para dormir em albergues, mas não conseguiu emprego e chegou a dormir na rua por nove meses. Depois de uma noite na praia, sem chinelo e usando um saco plástico como cobertor, ele decidiu mudar de vida.

“Quando acordei, pensei: ‘A partir de hoje, não vou mais beber, não vou mais usar drogas e vou para Teresina’”, conta. O objetivo do bacharel em biologia era conhecer todas as capitais do Nordeste, mas, pela curiosidade, permaneceu na capital do Piauí.


Em Teresina, ele conheceu a Pastoral do Povo da Rua e começou a fazer trabalhos voluntários até ser contratado como monitor social. A entidade é credenciada à Coordenadoria Estadual de Enfrentamento às Drogas do Piauí (Cendrogas-PI).


Com o trabalho, conheceu a atual esposa. Ele também realizou o sonho de publicar os poemas que escreveu ao longo da vida. No final de 2020, Alexandre lançou o livro “Poesias” de maneira independente. A publicação deu força de vontade para que ele tentasse o Enem.

 

Arquivo Pessoal - Livro "Poesias" foi lançado em 2020


“Nesse processo, decidi que queria melhorar meu português. Até que eu escrevia razoavelmente bem, mas decidi me inscrever no Enem”, explica.


Segundo livro de poesias está no forno


Os próximos passos que Alexandre deseja fazer são se inscrever no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) para tentar uma vaga no curso de letras da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e conciliar a faculdade com o trabalho desempenhado na Pastoral. Além disso, ele tem material pronto para um segundo livro de poesias e espera conseguir algum patrocínio de gráficas ou editoras para a publicação.


O candidato do Enem 2020 também destaca a vontade em voltar a dar aula de biologia ou trabalhar como biólogo, mas sabe que depois de tanto tempo afastado do ramo, precisa se atualizar.


*Estagiária sob a supervisão da editora Ana Sá