Para estudantes e professores, o resultado positivo de instituições de ensino superior públicas brasilienses no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) é resultado de um trabalho de excelência, visando formar os alunos de maneira integral, aliando teoria e prática. Existe o receio de que possíveis cortes no orçamento em 2021 e a dificuldade de adaptação ao ensino remoto durante a pandemia possam impactar negativamente o resultado das universidades públicas em próximas edições do Enade.
O Conceito Enade e o Indicador de Diferença entre os Desempenhos Esperado e Observado (IDD), divulgados na terça-feira (20/10), revelaram exemplos de excelência do ensino superior público. No Distrito Federal, os 11 cursos avaliados com conceito 5 são de instituições públicas: 10 são da Universidade de Brasília (UnB) e um é da Escola Superior de Ciências da Saúde (Escs).
Jean Vinícus Ocampo, 24 anos, é aluno do 10º semestre do curso de farmácia da UnB, um dos que recebeu conceito máximo. "Eu achei o resultado bem coerente", diz o estudante. Jean fez o Enade em 2019 e avalia que a prova estava em harmonia com o que aprendeu durante os cinco anos de formação. "Todos os conteúdos foram, de alguma forma, abordados pelos professores." Jean vê o preparo dos docentes e a estrutura que a universidade oferece como motivos para o êxito da graduação.
Carina Paiva, 25, é recém-formada em odontologia pela UnB, outra graduação de conceito 5. "É motivo de muito orgulho saber que me graduei em um curso de excelência", comemora. Ela também reconhece a importância de educadores de alto nível que conheceu na universidade. "Contamos com professores extremamente qualificados, que contornam problemas estruturais para proporcionar a melhor experiência para os alunos", diz.
"Durante os cinco anos de graduação, tive a oportunidade de efetivamente vivenciar o tripé ensino-pesquisa-extensão, proposto como eixo de formação pela UnB", afirma a odontóloga. Para a jovem, esse é "o reconhecimento de um trabalho em conjunto entre professores, alunos e técnicos". O resultado, defende Carina, demonstra a importância de investir nas universidades públicas.
Em entrevista ao Correio, na terça-feira (20/10), a reitora Márcia Abrahão afirmou que “um resultado positivo como esse significa retornar à sociedade o investimento que ela prestou no ensino”.
A prática aliada à teoria é o diferencial
O curso de enfermagem da Escs recebeu nota 5 no Enade. Para a professora Marcela Vilarim Muniz, que dá aula na instituição, a conquista mostra que a escola supera uma série de desafios. "Isso é um reconhecimento do trabalho que a gente desenvolve apesar de todas as precariedades que existem em termos de estrutura física. Essa nota do Enade reflete o trabalho desenvolvido não só pelos docentes, mas pela direção, pela equipe administrativa e pelos discentes", ressalta a professora de enfermagem.
Diante do comprometimento de toda a comunidade universitária, ela diz que o resultado não surpreende. "A Escs é uma escola diferenciada. A metodologia que a gente utiliza é ativa. Então, o próprio estudante busca o conhecimento, o que faz muita diferença. Outra questão é que os docentes são provenientes da Secretaria de Saúde, e a prática é muito ligada à teoria", explica.
O corte de recursos ameaça bons números
Edward Madureira, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), considera que não há grandes surpresas nos indicadores, uma vez que as instituições públicas federais e parte das estaduais confirmaram o desempenho superior à média. “As explicações para isso são diversas, incluindo a maior quantidade de professores em dedicação exclusiva e o fato de muitos cursos do ensino superior público serem consolidados”, elenca.
Edward considera que os bons indicadores do setor público podem estar ameaçados, já que o orçamento discricionário pode ser reduzido em 2021. Além de contas de água e luz, essa verba engloba as manutenções prediais e fornecimento de recursos para laboratórios, o que afeta diretamente o ensino. "Para o ano que vem, está previsto um corte de 17,5%, que o sistema não suporta. Se o corte se concretizar e perdurar, em um certo momento, vai haver queda nos indicadores, sim", alerta.
O representante avalia que a pandemia trará impacto negativo tanto para as instituições de ensino superior públicas quanto para as particulares. “Seguramente, boa parte dos cursos precisam de atividades presenciais. Então, o período de distanciamento trará consequências no resultado de um exame como o Enade”, afirma.
Comparação com o ensino particular
As universidades públicas (incluindo federais, estaduais e municipais) são responsáveis por 82% das notas máximas do Enade. Dos cursos com conceito 5, 18% são de instituições de ensino superior particulares, apesar de o ensino pago ser responsável pela maior parte dos universitários do país.
Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp, entidade que represente mantenedoras de ensino superior particular no Brasil, considera que os indicadores devem ser levados em conta com parcimônia. "O risco é de eles tomarem um protagonismo que não deveriam ter porque, no fundo, é uma prova de somente 40 questões para avaliar toda uma trajetória de quatro ou cinco anos do aluno numa graduação de nível superior", argumenta.
O diretor destaca que, avaliando a série histórica dos indicadores do Enade do ensino superior particular, é possível ver uma evolução constante e bastante sólida. Ele prevê uma mudança no quadro no próximo ciclo de avaliação, uma vez que o ensino pago foi mais rápido ao migrar para as aulas remotas. "Provavelmente haverá um prejuízo ao aluno do ensino público e, como a nota é comparativa, é capaz que o ensino privado tenha uma melhora com relação à rede pública", acredita sobre as próximas edições do exame. As provas do Enade 2020 foram adiadas para 2021 devido à pandemia.
*Estagiário sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa