Repercussão

"Apagamento das mulheres cientistas", diz professora da UnB sobre trabalho plagiado

Para Valeska Zanello é importante tirar o foco deste caso específico para pensar no machismo estrutural que é rotineiro na vida das mulheres

Camilla Germano
postado em 04/03/2022 22:55 / atualizado em 04/03/2022 23:01
 (crédito: Reprodução/Instagram @zanellovaleska)
(crédito: Reprodução/Instagram @zanellovaleska)

A notícia de que os textos do estudante de psicologia João Luiz Marques eram plagiados da professora da Universidade de Brasília (UnB) Valeska Zanello causou revolta nas redes sociais. Em entrevista ao Correio, Valeska relatou como se sentiu ao ver o trabalho dela “silenciado por um homem”.

Tudo começou em 2020, quando Valeska fez uma live no Instagram sobre masculinidade e misoginia em grupos de Whatsapp formados apenas por homens no Brasil. Após a live ter boa repercussão — ela chegou a dar entrevistas para vários jornais e canais de televisão — João fez uma postagem falando diretamente sobre a pesquisa da professora, mas não deu as devidas referências.

Valeska conta que várias seguidoras dela também eram seguidoras de João e o alertaram sobre a falta das citações na postagem, mas elas foram bloqueadas por ele em seguida.

O caso voltou à tona na última quarta-feira (2/3), quando ela recebeu um print de uma seguidora, novamente com falas dela em postagens de João. Segundo Valeska, a seguidora achou que os textos eram praticamente iguais, mas viu que João não seguia a professora e imaginou que não passava de uma coincidência. “E então eu tentei entrar na página e eu estava bloqueada”, relatou a professora da UnB. 

Na tentativa de ver a postagem, Valeska usou a conta do Instagram de uma amiga, e foi quando notou o plágio. “Tinha uma frase, por exemplo, do meu livro. Um livro que eu demorei 13 anos fazendo pesquisa. Que me deu um trabalho enorme, eu escrevi ele no meu pós-doutorado”.

Ela conta que de início sentiu raiva, mas depois foi tomada por uma tristeza. “É importante dizer: não é uma raiva só da pessoa que fez isso, mas é uma raiva a um machismo que é estrutural, porque o apagamento das mulheres, das ideias das mulheres cientistas, artistas, mulheres diretoras, enfim, é histórico”, disse ela.

Na sequência, ela ainda faz uma ponderação: “A gente precisa tirar o foco apenas deste homem que cometeu um plágio para pensarmos no machismo estrutural que chancela esse tipo de ato que é tão comum na vida das mulheres”.

 

Bropriating

Desde a noite de quinta-feira (3/3), Valeska tem recebido diversas mensagens com relatos de mulheres que passaram por situações parecidas. A partir disso, ela explica o termo “Bropriating”, que é quando um homem se apropria de ideias de mulheres, levando créditos no lugar delas. “Eu acho que grande parte da reação [nas redes sociais] na verdade teve a ver com o estado em que nós mulheres estamos, porque de certa maneira houve uma identificação”, explica ela.

“Por que é difícil ser mulher no Brasil, num país tão sexista e não ter sofrido sexismo e apagamento. Então eu acho que essa resposta seja a única coisa boa disso tudo. É uma pedagogia afetiva, não para esse rapaz, mas para os homens em geral”. Segundo a professora, é como se as mulheres estivessem dizendo um basta para esse tipo de comportamento em pleno século XXI.

Valeska destaca que também recebeu vários posts de apoio vindo de homens. “E uma coisa que me chamou a atenção, homens plagiando posts que mulheres feministas famosas fizeram me apoiando, como se fossem deles, para criticar o plágio de outro homem. O que mostra que os homens não entenderam nada”, ela afirmou.

“Então, a grande discussão não é sobre um ato específico de um homem, é sobre esse sistema que faz com que os homens apropriem do trabalho das mulheres na maior cara de pau e numa boa”, ponderou ela.

“Talvez um dos recados mais importantes para os homens é: aprendam a ouvir mulheres”, alerta ela.

Para Valeska, a discussão vai além do fato de João ter feito um post de retratação e de ter sido responsabilizado, o que a professora julga ser o certo a se fazer neste caso. Ela acredita que é importante localizar a discussão não neste ato, e sim no machismo estrutural e como ele faz parte do dia-a-dia das mulheres.


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