O impacto da convivência ética

Escolas podem ajudar a criar ambientes e relacionamentos mais saudáveis com projetos e disciplinas que estimulem a interação e o debate sobre temas da atualidade, além de dilemas da adolescência e do bem-estar psicológico

* Colaborou Thays Martins, estagiária sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

Disciplina obrigatória para alunos do 6º ao 9º ano tem gerado ricas discussões



A saúde mental é alvo de iniciativas em escolas das redes pública e particular de ensino. Promover rodas de conversa foi a forma que o Centro Educacional Sigma encontrou de lidar com conflitos dentro da escola. As aulas de convivência ética se tornaram obrigatórias para os 2.700 alunos do 6º ao 9º ano do ensino fundamental das cinco unidades do colégio. A ação começou em 2017, depois que a instituição enfrentou uma situação delicada: uma aluna namorava alguém de fora da escola, e isso foi parar nas redes sociais de forma deturpada. Pouco mais de um ano depois, a iniciativa faz sucesso entre os estudantes e tem surtido efeitos. A matéria é, antes de tudo, uma oportunidade para os adolescentes se abrirem. "Podemos conversar sobre assuntos dos quais não costumamos falar, tópicos polêmicos, sem ter interrupções e livremente", ressalta Alice Campos, 14 anos, aluna do 9º ano. A colega Luisa Chalita, 14, concorda. "Damos nossa opinião ao discutir temas como feminismo, machismo e aborto, podemos chegar a consensos e sair com o pensamento diferente", explica.

Encontros são em formato de debate



"Quando falamos sobre homofobia, vários alunos demonstraram ser homofóbicos, mas, depois da conversa, muitos passaram a ter postura de aceitação", conta Luisa. "Várias rodas foram muito boas, principalmente as que trataram de temas que não são tão discutidos no dia a dia. Muitas pessoas não entendem muito problemas como homofobia e machismo, e as rodas ajudam a conscientizar sobre isso, e todo mundo melhora um pouco", acrescenta Lorenzo Turazzi, 14. As aulas funcionam assim: cada bimestre é desenvolvido em torno de um tema macro, trabalhado quinzenalmente. Nas semanas que sobram, os alunos montam um mural e debatem assuntos escolhidos por eles, que variam desde preconceito musical, estupro e racismo à necessidade de fechar as janelas das salas de aula para impedir a entrada de macacos na unidade da 912 Sul. "Ás vezes, há rodas muito conturbadas, eles não resolvem a questão e continuam a discuti-la na semana seguinte", ressalta Marlon Meira, historiador e um dos professores responsáveis pela disciplina.

O professor de história Marlon Meira é um dos responsáveis pela disciplina



A ideia, ele explica, é de que não haja muita intervenção docente durante os debates, para que os jovens possam resolver os conflitos sozinhos. Os encontros proporcionam a chance de a escola conhecer melhor os alunos de um modo que não é possível em disciplinas tradicionais, quando, em geral, os professores passam matérias para turmas grandes, sem muito espaço de fala para os estudantes. Nas aulas de convivência ética, são os adolescentes que têm a palavra. Assim, é possível ainda identificar comportamentos e, em caso de posturas preocupantes, tomar ação de modo mais rápido. Vários alunos choram, pedem socorro, ás vezes, escrevem. O emocional sempre aparece. E quando os colegas sabem de um problema que alguém está passando, colocam o tema no mural para ser discutido, aponta o professor Marlon. Quando se percebe uma questão mais delicada, primeiro, existe uma tentativa de resolver em sala de aula; quando necessário, há encaminhamento para a orientação escolar.

Alice, Lorenzo, Luiza e José, alunos do 9º ano, aprovam a iniciativa



A saúde mental é trabalhada dessa maneira e também é tema de diálogos. "Achei muito importante a aula em que falamos sobre depressão porque acho que conseguimos ajudar pessoas que passam por isso de alguma forma. Era um assunto de que tínhamos de falar", comenta a estudante Luisa. "As pessoas que tiveram depressão puderam desabafar, sendo apoiadas por todo mundo", conta José Ladir, 14. "Graças a ocasiões como essa, a pessoa que está passando por uma dificuldade entende que estamos ali por ela e que ela pode falar", aponta Alice. "Nas aulas, falamos sobre suicídio, o desafio da baleia azul, a série 13 reasons why. Percebemos que é um tema pesado, mas que, ao mesmo tempo, é importante falar sobre isso para entender e saber o que fazer. Uma vida vale muito e, se alguém está passando por isso, deveria procurar ajuda", reflete a moça.



De acordo com André Barretto, coordenador do ensino fundamental II da unidade da 912 Sul, apesar de o projeto ainda estar no início, é possível notar a diferença. "Nós percebemos a necessidade de ouvir os nossos alunos e dar voz a eles. E, com isso, eles estão se sentindo muito mais à vontade para compartilhar o que os incomoda. Há mais procura pela orientação", explica. "Nós somos uma escola reconhecida pelo desempenho acadêmico, mas não somos apenas isso. Hoje, temos uma atuação bem mais presente junto ao aluno, acompanhando de perto", explica. Todos os professores do colégio, inclusive os que não lecionam a disciplina, passaram por uma formação do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral da Universidade Estadual de Campinas (Gepem/Unicamp), de modo a se prepararem para os debates. A matéria convivência ética é um componente curricular sem nota, mas os professores avaliam os estudantes por meio de dois métodos: autoavaliação e produção de portfólio.

Jurisprudência

Avanços legais no bullying

O combate ao bullying tem avançado, inclusive na esfera judicial e em termos de responsabilização. Uma adolescente de 15 anos foi condenada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo por ofensas no Whatsapp. A ré criou um grupo de mensagens que promovia ofensas a colegas. Ela foi enquadrada no Artigo 186 do Código Civil, que determina que quem, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. As ofensas não eram praticadas apenas pela criadora do grupo, mas ela foi responsabilizada por ser a administradora e, como tal, poderia ter excluído os ofensores ou encerrado o grupo. Em determinado momento, a adolescente até excluiu o grupo, mas criou outro com o mesmo teor. Eram três vítimas, e a ré teve de pagar R$ 1.000 para cada uma, totalizando R$ 3.000. Os valores foram mais baixos por causa da idade da ré. É importante que os pais reforcem orientações concretas sérias e recorrentes para seus filhos no tocante à responsabilidade de respeitar direitos de terceiros no ambiente virtual. Muitos jovens acreditam que a lei erroneamente não se aplica ali, ou que se acontecer algo, não podem ser responsabilizados. Este julgamento aponta justamente o contrário.

Fonte: Lélio Braga Calhau, promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais, psicólogo pela Universidade Vale do Rio Doce (Univale), mestre em direito do Estado e cidadania pela Universidade Gama Filho, autor do livro Diário de uma vítima de bullying

Projeto universitário

Levantamento em colégios do PR

A Universidade Federal do Paraná (UFPR) fez um levantamento sobre clima escolar com 22.385 alunos de 117 escolas públicas e particulares da região metropolitana de Curitiba. A ação faz parte do projeto Aprendendo a Conviver, iniciado em março e, graças a ela, as instituições recebem relatórios individualizados sobre a percepção dos estudantes sobre bullying e segurança escolar. O objetivo é dar ás escolas elementos que permitam trabalhar a melhoria das relações interpessoais e a administração de conflitos. Entre os respondentes, 22,4% dos alunos admitiram ter usado a internet para espalhar fofocas ou mentiras; 26,5% disseram ter sido alvo de colegas que falaram coisas sobre eles para fazer outros rirem; e 23,6% informaram que foram xingados na escola.

Indagados se foram agredidos ou chutados no ambiente escolar, 12,5% informaram que sim; 9,8% receberam ameaças de agressão. O questionário também abordou a percepção dos estudantes sobre o apoio recebido na escola diante de situações de bullyng. A maioria (73,4%) afirmou que os professores tentam parar o bullying; 30,4% avaliam que os próprios estudantes tentam parar o bullying; e 56,3% afirmam que podem contar com o apoio de alguém na escola caso sofram bullying. A sala de aula foi citada como local onde os alunos se sentem mais seguros (79,7%); em seguida aparecem o refeitório (70%), os corredores (67%), a comunidade e a vizinhança (61,1%), o espaço do recreio (56,2%), o banheiro da escola (53,4%) e o caminho de ida e volta para a escola (41,6%).

Saiba mais sobre o projeto Aprendendo a Conviver em sembullying.com