Mercado de trabalho

Apagão na área de TI: sobram vagas, mas falta mão de obra

Pesquisa da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação (Brasscom) revela que o setor deve contratar cerca de 420 mil profissionais até 2024

Mateus Salomão*
postado em 23/05/2021 17:21 / atualizado em 23/05/2021 18:18
O coordenador dos cursos de pós-graduação em inteligência artificial e aplicativos móveis do Centro Universitário Iesb, Alexandre Loureiro
 -  (crédito: Reprodução)
O coordenador dos cursos de pós-graduação em inteligência artificial e aplicativos móveis do Centro Universitário Iesb, Alexandre Loureiro - (crédito: Reprodução)

De acordo com relatório da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), a área de Tecnologia da Informação (TI) demandará cerca de 420 mil profissionais até 2024. O número, porém, se contrapõe à baixa quantidade de formação de mão de obra anual e desperta um alerta para o risco de um apagão de profissionais qualificados para ocupar os postos vagos.

O coordenador dos cursos de pós-graduação em inteligência artificial e aplicativos móveis do Centro Universitário Iesb, Alexandre Loureiro, descreve que as profissões de TI englobam as carreiras como de desenvolvedores de software, engenheiros de redes, software e telecomunicações, cientistas de dados, segurança da informação e privacidade de dados

Anualmente, o Brasil capacita 46 mil pessoas com perfil tecnológico aptas à área de TI. No entanto, a projeção da Brasscom aponta que serão necessários cerca de 70 mil profissionais ao ano para que as vagas sejam completamente ocupadas. Segundo especialistas, empresas terão que tornar as oportunidades mais atrativas para não ficarem para trás. Além disso, é momento de investir em educação tecnológica.

O docente do Iesb afirma que o apagão não se trata somente de uma projeção para o futuro, mas é uma realidade com a qual “os profissionais de Recursos Humanos que contratam profissionais de TI estão desesperados”. “A quantidade de vagas abertas para área de TI é maior do que a quantidade de profissionais disponíveis no mercado”, pontua.

Segundo ele, as empresas estão tendo que identificar bons profissionais entre os recém-formados ou mesmo ainda nos cursos de formação, para que consigam contratá-los antes da concorrência.


"Os profissionais de Recursos Humanos que contratam profissionais de TI estão desesperados”

Alexandre Loureiro, coordenador de cursos de pós-graduação do Iesb

Empresas tradicionais na disputa

Hugo Giallanza é presidente da Brasil Startups e coordenador do Startup Brasília 2030
Hugo Giallanza é presidente da Brasil Startups e coordenador do Startup Brasília 2030 (foto: Reprodução)

Hugo Giallanza, presidente da Brasil Startups e coordenador do Startup Brasília 2030, também observa que o cenário é favorável para novas oportunidades de emprego relacionadas à área de TI. Ele ressalta que, inclusive, áreas correlatas, como vendas e design, quando ligadas aos negócios digitais, acompanharam o crescimento.

O apagão nas profissões do futuro, no entanto, atinge aquelas empresas relacionadas ao mundo digital e tecnológico. Como observa Hugo Giallanza, com a adoção do distanciamento social em consequência da pandemia de covid-19 e de modelos de trabalho remoto, as empresas tradicionais também entraramna disputa pelos profissionais de TI.

“Foi mais uma demanda, porque esses negócios precisaram se adequar à realidade digital. Então, naturalmente, as vagas para profissionais do digital surgiriam também em empresas que não tinham esses profissionais no seu quadro efetivo”, considera.

Setor se reergueu

A pandemia da covid-19 conseguiu alterar, igualmente, os setores da economia, em especial, o mercado de trabalho da área de tecnologia da informação. Apesar do decréscimo entre os meses de março e maio de 2020, o macrossetor de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) terminou o ano com número de empregos com saldo acumulado positivo: aumento de 59.153 postos.

“A demanda por serviços digitais, conectividade em banda larga, home office… Tudo isto fez explodir a demanda”, exemplifica o docente do Iesb Alexandre Loureiro. Além disso, destaca que, com a adoção do modelo de teletrabalho, os profissionais de TI no Brasil estão sendo procurados por empresas estrangeiras para trabalhar em home office no Brasil, mas ganhando em dólar.

O professor defende que se deve investir em treinamento dos profissionais para mantê-los em seus postos. “Têm de ter mais iniciativas de capacitação pelas empresas públicas e privadas”, acrescenta. Além da formação de colaboradores, o docente lembra que empresas têm apostado em cursos de graça para o público em geral com o objetivo de descobrir talentos e aumentar a quantidade de profissionais.

Necessidade de investir em qualificação

“Hoje, as empresas que não conseguem mão de obra (no Brasil) estão ampliando seu RH para o mundo”, afirma Hugo Giallanza, presidente da Brasil Startups, Ele lamenta a situação diante do fato de que o país acumula muitos desempregados, que poderiam migrar para o mundo digital e serem absorvidos pelas profissões do futuro.

“A gente sabe também que, além desse apagão em decorrência de um número de demandas que têm no setor, existe também a extinção de profissões e mercados de trabalho tradicionais. Então, isso é também uma visão de política pública e de entender que algo tem que ser feito para migrar e incluir essas pessoas dentro desse mercado”, pontua.

O presidente da Brasil Startups considera que é de amplo conhecimento a necessidade de investir em mão de obra. A iniciativa pode gerar inclusão de profissionais no mercado na velocidade que as empresas estão demandando.

Currículos precisam de adaptação

Rodrigo Terron, COO (diretor de operações) da Rocketseat
Rodrigo Terron, COO (diretor de operações) da Rocketseat (foto: Reprodução)

Rodrigo Terron, diretor de operações da Rocketseat, destaca que falta base para muitos profissionais, algo que deveria vir, principalmente, da graduação. “A gente tem muita dificuldade não porque não existe graduação técnica, mas porque hoje o processo de atualização de uma grade de ensino numa universidade leva aproximadamente dois anos”, pondera.

“A tecnologia que é utilizada hoje pode, daqui a dois anos, ser obsoleta”, alerta. Ele aponta que as instituições de ensino superior, por vezes, formam profissionais que não estão preparados para o mercado. Dessa forma, assim que pegam o diploma, estão com conhecimento desatualizados.

Pandemia acelerou processo e mudou dinâmica

“Não é necessariamente um apagão, onde as pessoas desapareceram, mas uma aceleração do processo de digitalização das empresas”, explica Rodrigo Terron, diretor de operações da Rocketseat. Ele observa, no entanto, que o processo é resultado de um histórico de digitalização das empresas brasileiras ocorrido nos últimos anos.

Entre 2014 a 2016, segundo ele, houve o auge das áreas de digitalização, transformação digital e criação dos departamentos de inovação das empresas. “Como todo processo, tem um tempo de maturação. Então, quando você coloca 2017, 2018 e 2019, as empresas estavam acelerando seus processos, criando novos serviços digitais, melhorando as ferramentas”, afirma.

Além disso, o cenário promissor teve incremento devido à necessidade de digitalização da pandemia da covid-19. A dinâmica de contratação também mudou com a possibilidade de reter profissionais de outros estados, até mesmo de outros países.

“As oportunidades mudaram e empresas de todos os lugares do mundo começaram a contratar pessoas de todos os lugares do mundo. E a nossa moeda está no momento muito desvalorizada, e o Brasil é reconhecido como um bom espaço de formação de talentos de tecnologia”, observa.

A realidade foi sentida pela empresa Governança Brasil (GOVBR), que, somente este ano, contratou cerca de 80 profissionais, mas ainda tem cerca de 60 vagas abertas e com grande dificuldade para ocupá-las. "Mesmo a gente pagando salários, muitas vezes, acima da média de mercado, e salários acima do que é praticado normalmente em outras áreas também", aponta o presidente da empresa Marcelo Lima.

Ele observa que a dificuldade não é só de conseguir os talentos, mas, também, retê-los. "A escassez de mão de obra no setor de TI sempre existiu. Mas a gente nunca havia vivido uma realidade como a atual. A pandemia acelerou o processo da transformação digital nas empresas, trouxe uma realidade do trabalho híbrido e, com isso, a quebra da barreira física para contratação", pondera.

Perspectivas promissoras

Felipe Ferreira Lima e Lima é estudante do 3° semestre do curso de ciências da computação
Felipe Ferreira Lima e Lima é estudante do 3° semestre do curso de ciências da computação (foto: Arquivo Pessoal)

Para o estudante do 3° semestre do curso de ciências da computação do Ceub Felipe Ferreira Lima e Lima, 38 anos, a expectativa para depois de formado é ser rapidamente integrado ao mercado de trabalho. “A realidade hoje é que vários alunos, antes mesmo de se formarem, já conseguem ser empregados”, observa.

Ele descreve que as perspectivas para a área já eram altas antes mesmo da pandemia. No entanto, o cenário de digitalização ampliado pela situação de emergência de saúde pública trouxe a ele uma expectativa otimista de conseguir construir uma boa carreira tanto no lado profissional quanto no financeiro.

“Por um lado, é um grande problema, poderemos enfrentar um colapso nas áreas de TI e inovação devido à falta de mão de obra qualificada, e por outro, o profissional recebe um reconhecimento maior por meio de melhor salário”, pondera. “Dizemos que hoje o profissional entra no mercado de trabalho como júnior, recebe como pleno e acha que é um sênior devido à grande disputa por eles entre as empresas.”

Alexandre Morais é estudante do 7° semestre de ciências da computação
Alexandre Morais é estudante do 7° semestre de ciências da computação (foto: Arquivo Pessoal)

E para quem já está inserido no mercado de trabalho a situação é ainda mais confortável. O estudante do 7° semestre de ciências da computação do Ceub Alexandre Morais, 22, está empregado na área de TI com carteira assinada.

Três perguntas para / Cristiane Pereira

Vice-presidente de apoio e fomento a startups brasileiras da Rede Brasileira de Cidades Inteligentes e Humanas, vice-presidente de transformação digital da Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação (Assespro-DF), consultora credenciada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e gestora do Espaço Multiplicidade Escritório Colaborativo.

Cristiane Pereira é também gestora do Espaço Multiplicidade Escritório Colaborativo
Cristiane Pereira é também gestora do Espaço Multiplicidade Escritório Colaborativo (foto: Arquivo Pessoal)

Como a pandemia alterou esse cenário para a área de TI? Podemos falar em uma aceleração de uma tendência já existente?
A pandemia fez com que o mercado de Brasília, Brasil e mundo virasse global, então, hoje, um profissional não precisa necessariamente morar em Brasília para atuar tecnicamente e profissionalmente numa empresa de Brasília, por exemplo. As empresas têm um alcance mundial de mão de obra qualificada. E, sim, a pandemia veio para acelerar esta tendência.

Na sua visão, falta investimento no ensino da área no Brasil? E, especificamente, na capital federal?
Meu ponto de vista sobre o ensino no Brasil, e, especificamente, em Brasília é de que não estamos de olho no futuro. Precisamos começar a trabalhar na base, jovens das escolas precisam começar a entrar neste mundo de startups, tecnologia, empreendedorismo. Precisamos alterar nossa grade curricular da base da universidade pensando nesse futuro que hoje já é presente. E o investimento deve ser destinado a isto. O incentivo de acesso a tecnologias por todos.

Qual conselho a senhora daria para quem ainda sonha com uma oportunidade na área e se capacitar adequadamente?
Meu conselho é que pesquisem adequadamente na internet, não fiquem apenas navegando em redes sociais, busquem conhecimento. Hoje, temos muitas qualificações "0800" na internet para quem quer se tornar um desenvolvedor de software, games, aplicativos mobile, design, dentre tantas outras profissões. Precisamos fazer com que nossos jovens usem melhor o seu tempo. Cursos gratuitos e de qualidade são inúmeros, o que é necessário hoje é dedicação e interesse. Mas, também acho que falta uma política pública adequada para condensar estas informações em algum local, dando facilidade de acesso aos que mais precisam e, por vezes, não sabem onde procurar.

Instituições oferecem capacitação no DF

As possibilidades de capacitação para a área de TI são múltiplas no Distrito Federal, englobando modalidades como cursos livres, técnicos e ensino superior. O Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e o Instituto Federal de Brasília (IFB) são algumas delas. Confira algumas oportunidades:

IFB

» Programador de dispositivos móveis (200 horas): oferecido pelo câmpus São Sebastião na modalidade on-line. As inscrições podem ser feitas por formulário on-line de segunda-feira (24/5) até 4 de junho de 2021. Para mais informações, acesse: www.ifb.edu.br/

Senac

» Administrador de banco de dados (200 horas): oferecido pela unidade Senac Jessé Freire (SCS) na modalidade presencial. A formação ocorrerá de 14 de junho a 20 de agosto e o investimento é de R$ 1.035,15.

» Construção de websites com PHP e MYSQL (60 horas): oferecido pela unidade Senac Taguatinga na modalidade on-line e presencial. A formação ocorrerá de 1° a 30 de junho e de 21 de junho a 23 de julho. O investimento é de R$ 412.

» FRONT-END HTML, CSS, BOOTSTRAP, JS E JQUERY (100 horas): oferecido pela unidade Senac Taguatinga na modalidade on-line e presencial. A formação ocorrerá de 7 de junho a 19 de julho e o investimento é de R$ 1.030.

» Técnico em informática (1.200 horas): oferecido pela unidade Senac Jessé Freire na modalidade presencial. A formação ocorrerá de 21 de junho a 30 de dezembro e o investimento é de R$ 6.216,05.

Para saber mais e conhecer todas as formações oferecidas, acesse: www.df.senac.br.


*Estagiário sob supervisão de Ana Sá

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