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Distrito Federal sofre com falta de profissionais de TI

Brasília é o terceiro maior mercado de tecnologia do país e oferece cerca de 30,3 mil postos de trabalho na área, mas os recrutadores têm dificuldade em contratar empregados para atividades mais simples

Laura Jovchelovitch Noleto*
postado em 04/10/2021 18:19 / atualizado em 06/10/2021 19:52
Raphael Pires de Mello, 27 anos, é formado em engenharia de redes de comunicação na Universidade de Brasília -  (crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press)
Raphael Pires de Mello, 27 anos, é formado em engenharia de redes de comunicação na Universidade de Brasília - (crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press)

Enquanto o Brasil tem hoje cerca de 14 milhões de desempregados, no setor de Tecnologia da Informação, continuam sobrando vagas e faltando candidatos. De acordo com o Sindicato das Indústrias da Informação do DF (Sinfor-DF), o Distrito Federal é o terceiro maior mercado de TI do Brasil e oferece em torno de 30,3 mil postos de trabalho nas áreas de tecnologia da informação e comunicação. Além disso, ressalta o Sindicato das Empresas de Serviços de Informática do Distrito Federal (Sindesei-DF), na pandemia, foram abertas 2 mil empresas de informática e de tecnologia da informação. Apesar do crescente número de vagas disponíveis, o setor sofre com a falta de mão de obra qualificada para preenchê-las.

O país tem um deficit, até 2022, de 408 mil profissionais. Segundo Ricardo Caldas, presidente do Sindicato das Indústrias da Informação do DF (Sinfor-DF), “os empresários têm relatado dificuldade para preencher rapidamente todas as vagas que eles desejam”. Mas não há pesquisa para quantificar o apagão de profissionais no DF.

Ravy Dourado diz que a pandemia acelerou o processo de transformação digital
Ravy Dourado diz que a pandemia acelerou o processo de transformação digital (foto: Arquivo Pessoal)

Ravy Dourado, gerente de serviços compartilhados da Central IT Tecnologia em Negócios, explica que, devido ao trabalho remoto, a pandemia exigiu a digitalização dos serviços. Por esse motivo, tanto os negócios locais quanto as empresas multinacionais precisaram acelerar o processo de transformação digital. “Todo esse movimento exige não somente a aquisição de software e equipamentos, mas também mão de obra especializada para desenvolver, implementar e operar essas tecnologias”, afirma.

Analista de suporte mainframe da Caixa Econômica Federal, Isabel Bendahan trabalha na área há mais de trinta anos e percebe o problema da falta de mão de obra na sua rotina. Ela conta que poucas pessoas têm se capacitado para trabalhar com mainstream, área que lida com computadores de grande porte, usados por bancos e seguradoras. “A minha equipe é toda mais velha. Tenho muitos colegas acima de 60 anos. Eles trabalham porque querem, mas também por necessidade das empresas, porque faltam pessoas”, observa.

Ensino superior

Markus Endler, professor associado do Departamento de Informática da PUC-Rio, acredita na importância do ensino superior para capacitar os profissionais. A gerente de atendimento e desenvolvimento da King Host, Priscilla Karolczak, concorda. Ela acredita que esse problema não está presente apenas no mercado de TI. É um problema que afeta todo o mercado de trabalho brasileiro. “Ainda faltam investimentos na educação”, afirma.

Muitas empresas exigem que o candidato à vaga tenha certificações nos softwares que ela utiliza. Segundo Ravy, os profissionais que estão se formando hoje ainda precisam de treinamento focado nas tecnologias mais utilizadas no mercado. No entanto, Markus Endler defende que, apesar de as empresas estarem interessadas em profissionais que já conheçam determinada tecnologia, se o aluno não tiver boa formação, não vai ter essa capacitação. “A gente não ensina os comandos todos de uma ferramenta. Muito mais importante é você mudar a cabeça do jovem de forma que ele tenha senso crítico”, avalia. Endler explica que quando o profissional domina a base, aprende a definir qual a ferramenta ideal para cada trabalho e é capaz de aprender novas tecnologias por conta própria.

Para o professor da PUC, os principais cursos na área de TI são ciência da computação, engenharia da computação, ciência de dados e sistemas de informação. No entanto, os estudantes enfrentam desafios para concluírem os cursos. Ele explica que o aproveitamento do aluno depende da formação que teve na escola. “São cursos pesados. Se o curso de graduação for bom, ele é difícil", acrescenta. Também conta que, na PUC-Rio, aqueles que têm média 7,5 são considerados bons alunos.

Conforme o professor, muitos alunos não aguentam a pressão e a demanda dos cursos. Um fator agrava essa situação: há alunos que entram com a perspectiva de ganhar logo um emprego e são chamados para estágios que demandam tempo e energia: “Os alunos em período avançado aparecem pouco e fazem os trabalhos de forma rasteira, porque estão muito envolvidos com o estágio”. Markus Endler afirma que, nessas empresas, os estagiários trabalham muito mais do que deveriam e, por isso, acabam desprezando a faculdade. Se isso prejudicar os estudos a ponto de o aluno ser reprovado várias vezes na mesma disciplina, ele é jubilado.

A fuga de brasileiros

Ricardo Caldas: "Os empresários têm relatado dificuldade para preencher rapidamente todas as vagas que eles desejam"
Ricardo Caldas: "Os empresários têm relatado dificuldade para preencher rapidamente todas as vagas que eles desejam" (foto: Arquivo Pessoal)

Outro motivo de sobrarem vagas no mercado brasileiro de Tecnologia da Informação (TI) é o fato de que profissionais brasileiros estão sendo contratados no exterior. “A forte adoção do teletrabalho derrubou as barreiras de localização desses profissionais; hoje, os profissionais brasileiros estão sendo requisitados por países da Europa e da América do Norte, por exemplo”, explica Ravy Dourado, gerete de serviços compartilhados da Central IT Tecnologia em Negócios. “Pessoas que estariam disponíveis para as empresas de Brasília são contratadas por outras”, diz Ricardo Caldas. Ele também analisa que competir com empresas estrangeiras que pagam em moedas fortes é complicado.

Essa perda de trabalhadores locais também ocorre dentro do Brasil. Com o trabalho remoto, é possível morar em uma cidade com custo de vida e salários baixos e trabalhar em outra, com custo de vida e salários altos. É o que explica Priscilla Karolczak,gerente de atendimento e desenvolvimento da KingHost: “As empresas de TI não precisam se tornar competitivas apenas para os clientes, elas precisam se manter competitivas também pensando na manutenção dos seus profissionais. Talvez deixe de existir “salários de São Paulo” ou “salários do Rio de Janeiro”, para começar a se pensar em “salários nível Brasil””.

 

O que dizem os profissionais de TI sobre o apagão de mão de obra

Crítica ao ensino

"Senti que estavam transformando a gente em pesquisadores, e não em profissionais de atuação", afirma Raphael Pires
"Senti que estavam transformando a gente em pesquisadores, e não em profissionais de atuação", afirma Raphael Pires (foto: Carlos Vieira/CB/D.A Press)

Raphael Pires de Mello, 27 anos, é formado em engenharia de redes de comunicação na Universidade de Brasília (UnB e trabalha como analista de tecnologia. Ele se interessou pela área durante a convivência com o padrasto. Com o apoio dele, fez cursinho por seis meses, passou no vestibular e, ainda, durante a faculdade, começou a trabalhar.


Entretanto, a trajetória até a formatura não foi simples: “Muita conta, muita teoria, muita fórmula, achei difícil”, diz. Ele conta que, logo que entrou no curso, a faculdade fez uma longa apresentação sobre o currículo acadêmico e as possíveis áreas de atuação. Ele ficou feliz, mas, com o passar do tempo, sentiu que o curso “deixava a desejar”. Segundo Raphael, os três primeiros semestres são muito parecidos: “A gente vê muita matemática, muita física. Então, é difícil ver qual é o conteúdo do curso em si”.

Ele também sentiu falta de conhecimento prático na formação. “Eu e meus colegas começamos a perceber que estava sendo um curso muito teórico. Senti que estavam transformando a gente em pesquisadores, e não em profissionais de atuação”, relata.

Depois que começou a trabalhar na área, em um cargo inicial de suporte, sentiu dificuldade de conciliar o trabalho com os estudos. Por esse motivo, demorou um ano a mais para se formar, mas reconhece que a experiência profissional foi importante e que foi bom ter contato com pessoas formadas.

Foi atrás de um emprego e conseguiu três oportunidades

"Cada vez mais, o mercado exige que você seja mais qualificado em coisas muito específicas" Rodrigo Proença, 55 anos, engenheiro mecânico
"Cada vez mais, o mercado exige que você seja mais qualificado em coisas muito específicas" Rodrigo Proença, 55 anos, engenheiro mecânico (foto: Arquivo Pessoal)

Rodrigo Proença, 55 anos, é engenheiro mecânico de formação, mas trabalha na área de TI. Ele conta que, por não ter formação superior em um curso de tecnologia, não pode se inscrever em concursos públicos para vagas de TI, e isso dificulta sua busca por emprego. Por outro lado, como a área não é regulamentada, as empresas não exigem diploma de nível superior em um curso específico.

“Cada vez mais, o mercado exige que você seja mais qualificado em coisas muito específicas”, afirma. Segundo Rodrigo, as tecnologias mudam com frequência. Ele percebe essa mudança em comparação à época em que se formou: “Se você sabia mexer no Excel, você era o papa do assunto”. Hoje, ele explica que existem muitas especializações e, por isso, o mercado exige que os profissionais se mantenham atualizados: “A gente tem que estar sempre se renovando, e, na minha idade, isso é difícil”.

No início da pandemia, Rodrigo não estava trabalhando. Mas a dificuldade inicial para conseguir emprego, logo se reverteu. Ele atualizou seus perfis nas redes sociais, falou com amigos e, devido aos seus esforços e habilidades de comunicação, conseguiu três oportunidades. “Networking é uma das coisas mais importantes que se tem no mercado”, analisa.

Dicas do professor Markus Endler para quem quer se capacitar na área

» Estude matemática — Seja no ensino fundamental seja no médio ou superior, o aluno não deve bobear. Isso porque a matemática molda o raciocínio do estudante. Ele precisa da base para entender as matérias mais complexas que virão em seguida. A álgebra, ele destaca, trabalha com abstração, e isso é essencial para os profissionais de informática.

» Leia muito — Devore todos os livros que você encontrar e encontre os estilos dos quais você gosta. “A capacidade de se expressar em uma língua é fundamental. Recomendo que os alunos estudem português e leiam bastante”, afirma. Isso ajuda a entender as linguagens de computação. A leitura melhora a concentração e ajuda a aumentar o tempo de foco em uma atividade: “É uma musculação do cérebro”.

» Escreva — Ter o hábito de escrever um diário é saudável. Ao escrever, você relembra o que já aprendeu, formula novos pensamentos e abstrai o que não acrescenta: “É um exercício muito bom”.

Dica da Isabel Bendahan
Aprenda inglês - os textos teóricos da área de TI costumam estar escritos nessa língua.

Como é a seleção
Segundo Ravy Dourado, a contratação dos profissionais de TI costuma ser feita em duas etapas:

» Captação e entrevista comportamental: Os profissionais de RH recebem as candidaturas e fazem procuras ativas por sites de vagas e redes sociais profissionais (LinkedIn). Na etapa de entrevista comportamental, são analisadas as habilidades comportamentais e fit cultural com a empresa, por exemplo;

» Testes técnicos: É realizada uma prova ou conversa técnica onde são avaliadas a proficiência técnica para a vaga em questão e a capacidade de solução de problemas práticos.

» Após ser aprovado nessas etapas, o profissional segue para contratação, integração e treinamento junto ao time.

FIQUE LIGADO

Take Blip oferece 10 mil bolsas de estudo gratuitas para formação de desenvolvedores

» Take Blip, em parceria com o Órbi Academy Techboost — um dos maiores programas de bolsas de estudo em tecnologia no Brasil, idealizado pelo hub de inovação Órbi Conecta — juntamente com a Digital Innovation One, plataforma de educação em tecnologia, acabam de anunciar a abertura das inscrições para a segunda edição do bootcamp Take Blip Fullstack Developer, que vai oferecer uma nova trilha de formação com 10 mil bolsas de estudo gratuitas para formar pessoas desenvolvedoras.

» O objetivo é impactar desenvolvedores nível júnior e profissionais que estão iniciando carreira na área de tecnologia. Este 2º bootcamp de Take Blip vai abordar as tecnologias .Net, C#, JavaScript e React, em uma imersão de mais de 90 horas que devem ser concluídas em até 75 dias após a inscrição, com acesso a cursos, desafios de códigos e projetos práticos de desenvolvimento.

» O programa contará, ainda, com mentorias exclusivas guiadas por profissionais experientes que já atuam em Take Blip.

» As inscrições para o bootcamp Take Blip Fullstack Developer #2 já estão abertas e encerram em 17 de outubro. Até lá, os interessados podem garantir uma vaga shorturl.at/cqES9.


PUC do Paraná disponibiliza cinco cursos on-line totalmente gratuitos

» Escola Politécnica da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) está disponibilizando
cinco cursos on-line totalmente gratuitos, de curta duração, focados em várias áreas da TI. As aulas serão ao vivo, de maneira remota, com professores da instituição.

» São cinco cursos: desbravando e criando websites reais, inteligência artificial aplicada, usabilidade e interação — como desenvolver apps atrativos e eficazes, cybersecurity — capture the flag (ctf), game programming bootcamp — criação de jogos com unity. Cada curso tem duração de quatro aulas e fornece certificado após a conclusão.

» As inscrições estão abertas e, para participar dos cursos, basta ter um computador com acesso à internet. Mesmo as inscrições sendo gratuitas, as vagas são limitadas. Caso o número de inscritos seja maior, o critério de seleção será por ordem de chegada e será mantida uma fila de espera para que sejam chamados para os próximos cursos.

Mais informações no site.

 

Sob a supervisão de Ana Sá

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