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"O uso de palavras em inglês é inevitável", diz doutora em letras

Ana Márcia Martins, doutora em letras, explica que as línguas são dinâmicas e estão em constante contato

EuEstudante
postado em 07/11/2021 06:00 / atualizado em 07/11/2021 06:00
"As línguas são dinâmicas e estão em constante contato. É natural que sejam intercambiáveis", Ana Márcia Martins - (crédito: Arquivo pessoal)

Por preferências estéticas, vontade de demonstrar conhecimento e de pertencer ao mundo globalizado, algumas pessoas optam por usar palavras inglesas que têm tradução. Outras, ou não têm uma tradução exata no português ou demandariam muito mais do que apenas uma palavra para expressá-las. Essas são algumas das explicações dadas, nesta entrevista, por Ana Márcia Martins da Silva, 60 anos, doutora em letras e professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). "As línguas são dinâmicas e estão em constante contato. É natural que sejam intercambiáveis", afirma.


Qual a sua visão sobre o uso de palavras em inglês no ambiente de trabalho?

O uso de palavras em inglês no mercado de trabalho é inevitável. Por quê? Ora, associamos essa língua ao sucesso econômico. É a língua dos negócios no mundo todo. Segundo Pedro Garcez e Ana Maria Zilles, no artigo Estrangeirismos - desejos e ameaças, publicado no livro Estrangeirismos: guerras em torno da língua (2001), isso se deve ao sucesso da empresa imperial britânica e da norte-americana. É a primeira língua estrangeira cuja proficiência é exigida na maioria das entrevistas de emprego. Dominá-la abre muitas portas para aqueles que postulam vagas em grandes empresas, mas não apenas nelas.

Qual a causa da popularização dessas palavras?

Sem dúvida nenhuma, isso se deve ao processo de globalização que vivemos, que transforma nossas atividades iguais às de tantos outros pelo mundo, e denominá-las como eles o fazem nos inclui nesse processo. Passamos a fazer parte dele, dando-nos a sensação de também termos "o poder". Garcez e Zilles afirmam que "o apelo da máquina capitalista globalizante é forte demais para que a mídia da informação, do entretenimento e, principalmente, da publicidade possa ou queira deixar de explorar as associações semióticas entre a língua inglesa e o enorme repositório de recurso simbólicos, econômicos e sociais por ela mediados".

Além disso, o fenômeno das redes sociais, que é resultado dessa globalização, incorporou, naturalmente, ao nosso vocabulário as palavras que lhes são típicas e que, definitivamente, não pertencem à língua portuguesa.

É claro que, no nosso caso, os falantes em geral, esse desejo de "igualdade" é, na maioria das vezes, inconsciente.

Existe dificuldade de traduzir essas palavras ou elas poderiam ser substituídas por outras em português?

Algumas palavras podem ser traduzidas para o português, mas depende da intenção de quem as utilizou: preferiu usar for sale em vez de "à venda" por quê? Talvez, como eu disse anteriormente, para fazer parte de um processo maior, de globalização, de demonstração de conhecimento, de estética (partindo da concepção de que é "bonito, chique (este um aportuguesamento do francês)" utilizar palavras em inglês.

Algumas outras ou não têm uma tradução exata no português ou demandariam muito mais do que apenas uma palavra para expressá-las, como live, tão difundida neste período pandêmico. Teríamos de traduzi-la por "apresentação ao vivo", ou "ao vivo" simplesmente, mas, em ambos os casos, se perderia a economia da utilização de apenas um substantivo, mesmo que em inglês, para identificar a atividade.

Na verdade, o que acontece com boa parte delas é o aportuguesamento. É o caso, por exemplo, de football, que virou "futebol".

A senhora acredita que é possível reverter esse fenômeno? Como?

Não é possível reverter, nem há por que tentar fazê-lo. As línguas são dinâmicas e estão em constante contato. É natural que sejam intercambiáveis. O que se deve considerar é se, em determinados contextos, a utilização de palavra estrangeira é inevitável, mas, ainda assim, cabe ao falante a decisão de utilizá-la ou não.

Já houve a tentativa, em 1999, com o Projeto de Lei 1676, elaborado pelo deputado Aldo Rebelo, de tentar suprimir os estrangeirismos (não apenas do inglês) da língua portuguesa: "Art. 5° Toda e qualquer palavra ou expressão em língua estrangeira posta em uso no território nacional ou em repartição brasileira no exterior a partir da data da publicação desta lei, ressalvados os casos excepcionados nesta lei e na sua regulamentação, terá que ser substituída por palavra ou expressão equivalente em língua portuguesa no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data de registro da ocorrência. Parágrafo único. Para efeito do que dispõe o caput deste artigo, na inexistência de palavra ou expressão equivalente em língua portuguesa, admitir-se-á o aportuguesamento da palavra ou expressão em língua estrangeira ou o neologismo próprio que venha a ser criado."

É claro que não vingou, já que os protestos de linguistas e de muitos setores da sociedade foram muitos.

O livro que citei antes, "Estrangeirismos - guerras em torno da língua", organizado pelo linguista Carlos Alberto Faraco, da Universidade Federal do Paraná, e publicado pela Parábola Editorial, traz artigos que discutem exclusivamente esse "projeto de lei".

Para corroborar o fato de que "cabe ao falante a decisão de utilizar uma palavra estrangeira ou não", fecho minhas respostas citando, mais uma vez, Garcez e Zilles sobre o que eles chamam de "a força do desejo".

"A força desse desejo parece irrefreável. Dele resultam muitos empréstimos, desnecessários na sua maioria, de gosto duvidoso quase sempre (e gosto linguístico se discute, é claro). Ou seja: seriam imprescindíveis esses estrangeirismos? Não. Desejados? Sim, por muitos de nós. Fazem mal? Tanto quanto as ondas que vieram antes, como a dos galicismos — os empréstimos franceses do início do século XX — passageiros, na maior parte; incorporados sem cicatrizes, os mais úteis ou simpáticos. Reprimi-los por quê?" 

 

Conheça os significados das palavras inglesas mais usadas no mercado de trabalho

Networking – Literalmente “trabalho de rede”. Expansão e estabelecimento de ligações da rede de contatos para fins de carreira, negócios e produtividade em geral.

Budget – Orçamento, despesa: capital disponível para uma determinada atividade.

Feedback* – Retorno avaliativo e construtivo sobre um projeto ou entrega.

Background* – Literalmente “plano de fundo”. Refere-se a experiências, contextos e projetos anteriores que caracterizam uma pessoa ou organização.

Briefing* – Reunião ou ato em que são dadas informações e instruções breves e objetivas sobre uma tarefa.

CEO (Chief Executive Officer) – O diretor-geral, diretor executivo ou diretor presidente. É aquele que ocupa o cargo mais alto da hierarquia operacional da empresa. É responsável por executar as diretrizes propostas pelo conselho de administração.

CFO (Chief Financial Officer) – Diretor financeiro. É responsável pelo planejamento econômico e financeiro da empresa.

Freelance* – Trabalhador ou trabalho pontual, sem vínculo empregatício ou emprego fixo.

Startups – Empresas iniciantes, geralmente com ideias inovadoras e grande potencial de crescimento.

Coffee break – Literalmente “pausa para o café”. É o intervalo para refeições pequenas no meio de reuniões ou eventos corporativos.

Brand – A marca da empresa, em especial para fins de divulgação, reconhecimento e retenção de público.

Branding – É a gestão e formação de estratégias para o crescimento da marca.

Mailing – Lista de contatos que contém informações como e-mail e telefone. Também é o ato de enviar mensagens aos membros dessa lista.

Public relations – Relações públicas.

Media partner – Literalmente “parceiro de mídia”. É uma entidade associada a uma empresa com o objetivo de divulgar um determinado conteúdo.

Marketing* – Estratégia de mercado para influenciar consumidores ou divulgar um produto.

Social media – Refere-se às redes sociais de uma empresa ou organização, geralmente com foco informativo.


* – Termo já dicionarizado.

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