REALIZAÇÃO

Professora brasiliense abandona carreira para estudar medicina

O tratamento médico da filha e a falta de perspectiva na docência impulsionaram a biológa Paula Ramos, 34 anos a fazer o vestibular

Diogo Albuquerque*
postado em 19/03/2023 06:00 / atualizado em 19/03/2023 06:00
Tratamento médico da filha também impulsionou Paula Sicsú a abraçar a nova carreira -  (crédito: Mariana Lins/Esp.CB/D.A Press)
Tratamento médico da filha também impulsionou Paula Sicsú a abraçar a nova carreira - (crédito: Mariana Lins/Esp.CB/D.A Press)

Trabalhando como professora desde 2016, a bióloga Paula Ramos decidiu deixar a docência para estudar medicina. Aos 34 anos, um dos motivos que levaram Paula a fazer a escolha foi a insatisfação com as condições de trabalho de sua antiga profissão. "A longo prazo, a docência é exaustiva e a remuneração não é tão boa. Não sei se é uma profissão que quero seguir para o resto da vida", explica.

Formada em biologia e mestre em ecologia, ambas pela Universidade de Brasília (UnB), Paula chegou a iniciar doutorado nos Estados Unidos, mas não concluiu. "A área acadêmica no Brasil é muito sofrida. O doutorado nos torna muito especialistas em uma determinada área." Como professora, ela atuou de 2016 a 2022 em escolas particulares. Quando escolheu medicina, além da vontade de cuidar do próximo e da insatisfação com a docência, a experiência de Paula com a filha no sistema de saúde também foi um dos fatores decisivos.

"Precisei procurar atendimento para a minha filha e saí frustrada, porque percebi que alguns profissionais estavam desatualizados e não atendiam de forma adequada. A sensação é de que você não pode fazer nada, de impotência, porque você não é da área", explica.

Aprovação no curso

A bióloga conseguiu a aprovação no curso de medicina do Centro Universitário de Brasília (Ceub), após fazer o vestibular da instituição em maio de 2022. Como já tinha uma base considerável por dar aula e corrigir provas de alunos que estavam prestando vestibulares, Paula foi aprovada ainda na primeira tentativa. Hoje, ela está cursando o segundo período do curso. "Fiquei em choque com a aprovação. Não estava preparada para pedir demissão e tinha acabado de voltar da licença-maternidade, mas aproveitei a oportunidade", lembra.

Diferentemente de Janecleia, Paula não enfrentou preconceito por ter uma idade mais avançada que os colegas. Ela afirma ter sido bem acolhida pelos mais jovens e pelos veteranos do curso. "A minha turma é composta por várias pessoas mais velhas. Alguns dos meus colegas, inclusive, já foram meus alunos. Participo de todas as aulas e faço todas as atividades e, quando preciso cuidar da minha filha, os professores são bem compreensivos. É uma relação de muito respeito e carinho", pondera.

Para ela, a experiência de vida é um diferencial positivo na hora de estudar. "Temos mais maturidade para processar o conteúdo e a minha base em biologia me garante uma certa vantagem neste início. A experiência de vida contribui muito para ver o curso de uma forma mais otimizada. Em alguma medida, valorizamos mais todo o processo", relata.

Paula ainda não tem uma área definida para seguir na medicina depois de se formar e espera escolher ao longo do curso. "Apesar de ter uma certa proximidade com a área de infectologia, estou de coração aberto para qualquer possibilidade", finaliza

Mudança de carreira

A mudança de carreira é uma tendência que tem sido observada no Brasil. De acordo com uma pesquisa realizada pela empresa global de consultoria de recursos humanos Robert Half, 49% dos brasileiros atualmente empregados desejam buscar outro emprego em 2023. Desse percentual, 39% gostaria de trocar de área de atuação, segmento ou profissão. Segundo o levantamento, os principais motivos apontados que levam um profissional a mudar de carreira são a busca por salários mais altos (71%), maior qualidade de vida (51%) e realização pessoal (47%).

Para o biólogo, doutor em genética e tutor de medicina do Ceub Paulo Roberto Martins Queiroz, 51 anos, a formação em outra graduação e a mudança de carreira não gera um impacto para a contratação pelo mercado de trabalho, uma vez que essas pessoas podem ser mais estáveis em termos psicológicos e mais hábeis nas interações sociais. “Muitos que são mais velhos colecionam experiências e aprendizados que são úteis nas interações pessoais. Isso faz toda a diferença no trabalho. Até mesmo na hora de cursar, o aprendizado é mais objetivo e produtivo”, afirma.

Na sala de aula, o tutor enfatiza que o ambiente educacional mais etariamente diversificado é capaz de acrescentar novas habilidades tanto para os mais novos, quanto para os mais velhos. “Essa troca é sempre positiva. Enquanto os mais velhos podem ensinar aos jovens habilidades de liderança, os mais jovens podem proporcionar uma visão nova e diferente de mundo”, pondera.

Um dos principais benefícios de cursar a segunda graduação é a maturidade, diz o professor. “A maturidade ajuda a adquirir um aprendizado que seja mais significativo e objetivo.” O biólogo reforça que não há idade para começar a estudar. “Se o espírito é grande e humilde, não há limites para se fazer o que quer”, conclui.

Sobre o etarismo

Para os especialistas, é cada vez mais necessário que haja uma interação e troca entre as diferentes gerações. É o que diz Luiz Menezes, 23 anos, especialista em negócios e em consultoria para a geração Z. "Com a pandemia, ficou ainda mais nítido que as gerações precisam desse "intercâmbio geracional", de se entender e aprender uma com a outra", diz.

Apesar dessa necessidade, Menezes observa uma falta de políticas públicas para pessoas com idade mais avançada no mercado de trabalho. "Existe, de certa forma, um etarismo por parte das empresas, uma vez que há uma carência de políticas com vagas afirmativas para esse público mais experiente, que tem acima de 40 anos", diz.

O psicólogo, escritor e gestor de pessoas Luiz França afirma que, para a área da medicina, o mercado de trabalho é mais inclusivo. "A área da medicina costuma aceitar mais profissionais que têm acima de 30 anos por conta da bagagem e da experiência que possuem", diz. O psicólogo analisa que o mercado passa, atualmente, por uma transição. "Se antigamente as pessoas escolhiam uma carreira para seguir pelo resto da vida em uma ou várias empresas, hoje elas optam por escolher o que mais faz sentido para o momento particular de suas vidas", argumenta.

França frisa que a idade confere uma maior maturidade e critérios mais específicos na hora de fazer escolhas. Ele explica que, no ambiente de trabalho, pessoas mais velhas agregam com pontos de vista sistêmicos. "Esses profissionais trazem um ponto de vista diferenciado para a empresa. Em comparação àqueles que acabaram de ingressar no mercado, essa experiência de vida é um diferencial positivo", expõe.

*Estagiário sob supervisão de Ana Sá

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