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Conheça a astrofísica brasileira que descobriu estrelas fora da galáxia

A cientista Duília de Mello coleciona um universo de conquistas: é uma das mais renomadas astrônomas do mundo e administra a maior biblioteca sobre o Brasil fora do país

Correio Braziliense
postado em 31/03/2024 06:00 / atualizado em 01/04/2024 15:14
Duíla de Mello no laboratório da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), onde realizou uma de suas palestras
 -  (crédito: Arquivo Pessoal)
Duíla de Mello no laboratório da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), onde realizou uma de suas palestras - (crédito: Arquivo Pessoal)
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Fabíola Góis, especial para o Correio — Como quase toda criança, Duília de Mello, aos 11 anos, se encantou pelo espaço. Curiosa, vivia fazendo perguntas à mãe sobre as estrelas, a lua, o sol e os planetas. Queria saber sempre mais sobre o universo. Com o tempo, a paixão virou algo sério, que ela transformou em muito estudo e trabalho. Em 14 de janeiro de 1997, foi a primeira cientista a ver o nascimento da estrela SN1997D, que explodiu em uma outra galáxia, a mais de 50 milhões de anos-luz de distância.

Neste dia, ela conferia o mapa do céu em um observatório no Chile, quando avistou uma supernova. A descoberta movimentou outros observatórios no mundo todo, que também começaram a mapear a estrela.

E ela não parou mais. A curiosa menina, nascida em Jundiaí, no interior de São Paulo, e criada no Rio de Janeiro, mais tarde, também descobriu as bolhas azuis, estrelas que nascem fora das galáxias, o que lhe rendeu o apelido de "mulher das estrelas". Astrofísica, astrônoma, escritora e uma das mais renomadas autoridades brasileiras no estudo de galáxias em colisão, explosões estelares e galáxias distantes, Duília tem, hoje, 60 anos.

Mais conhecida no exterior do que no Brasil, além de ganhar destaque como pesquisadora associada do Goddard Space Flight Center da NASA, foi reconhecida por várias premiações. Em 2014, ganhou o I Prêmio de Profissional do Ano, concedido pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE). Em 2022, foi listada pela revista Forbes Brasil como uma das 50 pessoas com mais de 50 anos capazes de se reinventar.

Sua influência chegou à Casa Branca. Este ano, a pesquisadora foi convidada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, para um brunch, em que estavam presentes líderes do mundo todo, além de autoridades americanas.

Para garantir que outras meninas também possam sonhar com um futuro assim, brilhante, Duília criou e coordena, desde 2016, o projeto Mulher das Estrelas, que promove a divulgação científica e incentiva meninas a seguirem carreiras na área e assumir cargos de poder. "O mundo precisa de mais mulheres fazendo ciência. E cabe à sociedade lembrar disso sempre", afirma Duília.

Duilia também se dedica à divulgação da astronomia e em promover, em especial, o interesse de meninas pela ciência
Duilia também se dedica à divulgação da astronomia e em promover, em especial, o interesse de meninas pela ciência (foto: Arquivo Pessoal)

Casa brasileira

A maior parte da formação da astrofísica foi feita no Brasil. Graduou-se em astronomia pela Universidade do Rio de Janeiro (UFRJ), fez mestrado em radioastronomia no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), outro mestrado em astronomia na Universidade do Alabama (EUA), e o doutorado em astrofísica na Universidade de São Paulo (USP).

O pós-doutorado foi no Observatório Interamericano Cerro Tololo, no Chile, onde também conheceu seu marido, o astrônomo sueco Tommy Wiklind. De lá, ela passou pelo Observatório Nacional, no Rio de Janeiro, antes de ir trabalhar com o famoso Hubble, no instituto do telescópio espacial, nos Estados Unidos. Atualmente, é professora e vice-reitora da Universidade Católica da América, em Washington, uma das mais renomadas da capital americana.

Mas a dedicação ao Brasil segue guiando sua trajetória. A mulher das estrelas dedica parte de seu dia movimentado para dirigir a Biblioteca Oliveira Lima, uma relíquia dentro da universidade que guarda o maior acervo de publicações, documentos e materiais de estudo sobre o Brasil fora do país.

Doada por Manoel de Oliveira Lima, embaixador e jornalista pernambucano, em 1916, em maio deste ano, o acervo celebra seus 100 anos na mesma data em que é comemorado o bicentenário das relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos. Para Duília, o espaço é "a casa do Brasil em Washington". Na biblioteca, a astrofísica deixa de lado as galáxias para ser uma verdadeira guardiã da literatura e da história brasileira.

Sala nobre da Biblioteca Oliveira Lima, onde é possível encontrar relíquias como um busto original de Dom Pedro I
Sala nobre da Biblioteca Oliveira Lima, em Washington, nos EUA (foto: Fabíola Góis)

Nos arquivos da biblioteca, que têm mais de 50 mil itens, é possível consultar 16 exemplares dos sermões de Padre Antônio Vieira, o primeiro livro publicado sobre a Revolução Pernambucana de 1817, cartas entre Oliveira Lima, Machado de Assis e Gilberto Freyre, um busto original de Dom Pedro I, entre outras relíquias.

Assim como Duília, o embaixador brasileiro lecionou na Universidade Católica da América, o que motivou sua doação. Quando morreu, sua esposa Flora Oliveira Lima se encarregou de cuidar da biblioteca.

Duília faz questão de ressaltar a importância de Flora para a conservação da memória nacional por meio do acervo que administra. Por isso, se encarregou de produzir no Brasil uma foto ampliada da benfeitora para ser colocada em uma moldura especial e a pendurou em uma das salas mais nobres da biblioteca.

"Dizem que Flora era muito culta e teve papel fundamental para Oliveira Lima brilhar no mundo acadêmico e no serviço exterior", diz a cientista. "Mas, como acontecia com a maior parte das mulheres da época que tinham projeção intelectual, Flora não é citada nos livros de história."

Recentemente, a astrofísica esteve no palco da Campus Party e falou sobre as diferenças dos telescópios espaciais Hubble e James Webb.

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