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Inclusão produtiva: caminhos para uma economia sustentável

Agenda ambiental e empregabilidade da população vulnerável devem ser prioridades, aponta estudo

Júlia Giusti
postado em 05/05/2024 06:00 / atualizado em 05/05/2024 06:00
Vahíd Vahdat, diretor-executivo do Instituto Veredas, argumenta que, para avançar nos debates climáticos e impulsionar a economia brasileira, é preciso dar atenção à dimensão social, construindo políticas eficientes 
e criando oportunidades
 -  (crédito: Júlia Giusti)
Vahíd Vahdat, diretor-executivo do Instituto Veredas, argumenta que, para avançar nos debates climáticos e impulsionar a economia brasileira, é preciso dar atenção à dimensão social, construindo políticas eficientes e criando oportunidades - (crédito: Júlia Giusti)

Quando o assunto é sustentabilidade, a pauta da inclusão produtiva — ou seja, de pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica — no mundo do trabalho ainda é pouco explorada. Muito se fala na formulação de políticas de redução da emissão de gases poluentes, transição energética e adoção de práticas sustentáveis em empresas. Porém, a falta de um olhar mais atento sobre os recursos humanos envolvidos e as desigualdades sociais cria lacunas de conhecimento e limitações para a promoção da sustentabilidade, explica Vivianne Naigeborin, superintendente da Fundação Arymax, instituição que atua em defesa da inclusão produtiva e uma das realizadoras do estudo Inclusão Produtiva e Transição para a Sustentabilidade: Oportunidades para o Brasil.

“Esse estudo surgiu do incômodo de observar que a transição para a sustentabilidade e o debate sobre as mudanças climáticas cresciam, ano a ano, mas que a população em vulnerabilidade social não estava incluída nesse debate, ou as soluções, nem sempre, consideravam os efeitos ambientais para essas populações”, afirma Vivianne. Pensando nisso, a pesquisa, lançada na última terçafeira (30/4), em São Paulo, traça caminhos para conciliar agenda ambiental, combate a desigualdades e inserção produtiva.

Realizado de julho a dezembro de 2023, o estudo envolveu revisão de mais de 700 materiais, oficinas e entrevistas com especialistas. Alguns dos principais eixos econômicos abordados são: uso da terra, mudanças climáticas, energia e infraestrutura. O objetivo é trazer para o debate público abordagens que considerem não só mudanças na estrutura ambiental, mas também ações que deem voz para questões sociais na busca pela sustentabilidade, com geração de empregos, renda e oportunidades no trabalho.

Como destaca Vivianne Naigeborin: “Não existe transição para a sustentabilidade sem pensar na inclusão produtiva, com visão sobre as pessoas e as desigualdades sociais”. Em conjunto com a Fundação Arymax, viabilizaram o estudo a B3 Social e os institutos Golden Tree e Itaúsa, que buscam soluções sustentáveis para o ambiente e a sociedade. A execução ocorreu pelo institutos Veredas e Cíclica, responsáveis pela promoção sustentável para formular políticas públicas.

Baixa qualidade

A economia brasileira é focada na exploração de commodities para exportação, como minério de ferro, soja e carne. De acordo com o perfil de emissões do Brasil por setores, do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), o desmatamento e a agropecuária têm grande participação na emissão de poluentes, contribuindo para o agravamento da crise climática. Além disso, processos produtivos envolvidos nesses setores são concentrados nas mãos de grandes empresas, como aponta o diretor executivo do Instituto Veredas, Vahíd Vahdat.

“Nossa estrutura produtiva ainda é pouco intensiva em mão de obra, sendo extremamente heterogênea e com brechas de produtividade. Ao se comparar América Latina e União Europeia, as microempresas daqui ocupam só 6% dos processos produtivos, enquanto, na União Europeia, têm participação de quase 50%. O avanço tecnológico também torna as grandes empresas mais produtivas, mas não chega nas pequenas. A maior parte dos empregos nelas são de baixa qualidade e, enquanto a gente não superar esse problema, haverá desigualdades”, pontua.

Racismo ambiental

Representantes da Fundação Arymax, B3 Social, Golden Tree e Instituto Itaúsa debatem inclusão produtiva para promover sustentabilidade
Empresas defendem participação social em pautas ambientais e no combate à desigualdade (foto: Júlia Giusti)

Em 2023, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua mostrou que 64 milhões de pessoas viviam em insegurança alimentar, condição que envolve incerteza quanto ao acesso de alimentos e fome. Em relação à rede de abastecimento, 44% da população não é atendida por rede de esgoto, enquanto 15% não têm acesso à água tratada, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), em 2021. No mesmo ano, o deficit habitacional atingiu quase seis milhões de brasileiros, o que inclui domicílios precários e alto custo de aluguéis.

Andréia Louback, diretora-executiva do Centro Brasileiro de Justiça Climática (CBJC), explica que as mudanças climáticas afetam, principalmente, minorias sociais, como pessoas pretas e pardas, que são quase 56% da população brasileira, de acordo com o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para ela, o racismo ambiental provoca alta ocupação de pessoas de cor em zonas de sacrifício, áreas ambientalmente prejudicadas, seja pela exploração econômica, seja por falta de investimentos.

Andréia defende a necessidade de ouvir as diferentes narrativas no combate às injustiças climáticas: “A gente fala de desigualdade de raça, de gênero e de crise habitacional associada ao clima. Essa agenda é complexa e sempre deve ser tratada no plural. Na transição para a sustentabilidade, é preciso ouvir as realidades de vida, pois o meio ambiente é a última fronteira dos direitos humanos”.

Energia e infraestrutura

Representantes da Fundação Arymax, B3 Social, Golden Tree e Instituto Itaúsa debatem inclusão produtiva para promover sustentabilidade
(Da esquerda para direita) Marcelo Furtado, Fabiana Prianti, Yael Sandberg e Vivianne Naigeborin (foto: Júlia Giusti)

O Brasil tem ampla utilização de fontes renováveis na matriz energética, porém os combustíveis fósseis ainda predominam. O índice chega a quase 51%, segundo o Balanço Energético de 2023, do Ministério de Minas e Energia, agravando o efeito estufa e a crise climática. Com isso, cresce a urgência de se pensar políticas de redução da emissão de gases poluentes, o que envolve, também, questões sociais e de infraestrutura.

“A produção de energia eólica é uma estratégia importante para reduzir a nossa dependência de fontes fósseis, mas a implantação de hélices tem gerado questionamentos sobre saúde pública local e questões econômicas. Além disso, contratos entre empresas e produtores são extremamente desvantajosos, com baixas remunerações e aumento do custo de vida para a população vulnerável. Por isso, é preciso dar atenção maior para a dimensão social, para que tenhamos parques eólicos que criem oportunidades e se conectem com a região”, declara Vahíd Vahdat.

Para o diretor do Instituto Itaúsa, Marcelo Furtado, mitigar as emissões de poluentes passa pelo combate às desigualdades, considerando sustentabilidade e inclusão produtiva para adaptação às mudanças climáticas: “Quais são os empregos e as oportunidades que vão surgir nas indústrias e nos postos de atuação? Quais são os elementos para promover adaptação? Investimentos devem combinar políticas públicas inteligentes, ação do setor privado e guiadas pelo interesse público”

Agenda produtiva

Sérgio Leitão, advogado de temas socioambientais e fundador do Instituto Escolhas, que realiza pesquisas para o desenvolvimento sustentável, acredita que há um “deficit de democracia”, devido a lacunas na formação ambiental das pessoas. Com isso, o meio ambiente funciona como “moeda de troca” no debate eleitoral.

Segundo ele, a falta de políticas mais específicas voltadas ao setor desmotiva as pessoas a participar do debate ambiental, pois entendem que todas as políticas servem para cercear suas oportunidades de desenvolvimento. Assim, ele classifica como “imprescindível discutir a partir da necessidade de ganhar tempo, até que soluções duradouras sejam capazes de gerar empregos e oportunidades”.

Fabiana Prianti, head da B3 Social, pede por mais recursos na filantropia, concentrando diversos atores e viabilizando a sustentabilidade ambiental e combate às desigualdades sociais. Para ela, o caminho para uma economia verde também é por meio da educação: “A produção de conhecimento é essencial para qualificar o debate. As oportunidades vêm com o realinhamento da formação de profissionais, com olhar integrado sobre a janela de oportunidades da educação profissional tecnológica e o ensino superior”.

Além da conciliação entre as agendas ambiental e social, é importante destacar a “indissociabilidade entre dignidade humana e inclusão produtiva”, como diz a diretora executiva do Golden Tree, Yael Sandberg. Ela expõe: “Falar de desenvolvimento econômico, emprego, trabalho e educação tem como objetivo promover o bem-estar do ser humano, com respeito à diversidade e aos direitos”.

 

*Estagiária sob a supervisão de Marina Rodrigues

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