Ser mãe sempre foi o sonho de Silvânia Castro, de 55 anos, moradora da Ceilândia, DF. No entanto, a prioridade era concluir os estudos. E assim o fez: em 2006, após se formar em administração, aos 39 anos, ela deu à luz a Erasmo Joaquim, que se tornou seu maior companheiro de jornada.
Ela conta que Erasmo teve uma convulsão aos 2 anos e, a partir dos 5, passou a manifestar diferenças no comportamento. As avaliações e os exames confirmaram um quadro de deficit de atenção e um atraso cognitivo moderado, que afetaram o desempenho dele nas atividades escolares.
"De lá para cá, as lutas são constantes, mas melhorou bastante depois que ele começou a fazer acompanhamento com equipes multidisciplinares. É uma demanda bem grande, pois além de trabalhar, tenho que ajudar com os estudos, cuidados de casa, alimentação", compartilha.
Ancestralidade
Além dos cuidados especiais com o filho, Silvânia se dedica à mãe, dona Jesuíta, de 78 anos. "Eu tive a sorte de ter uma mãe forte como a minha. Costureira, ela me criou numa época em que as possibilidades para nós, negros, eram escassas. Então ela batalhou muito e sempre estimulou o estudo. A minha avó, inclusive, foi escrava. Estamos tentando saber mais sobre a história dela, e tenho muito orgulho da linhagem de mulheres fortes da qual eu venho. Não poderia deixar de cuidar da minha mãe, já idosa."
Preconceitos
Antes do atual emprego, ela diz que já perdeu oportunidades, principalmente ao falar das necessidades do filho especial, e que sofreu com a inflexibilidade no trabalho. "Uma vez eu chorei por não conseguir sair para ver a apresentação dele de Dia das Mães, para uma reunião de pais. E isso me cortava o coração. Eu via outras mães, brancas, sendo liberadas, mas eu não", relembra.
Ela também foi vítima de preconceito étnico-racial: "Eu usava acessórios típicos da cultura afrodescendente. Meus cordões afro, meus brincos grandes. E recebi comentários negativos, principalmente de mulheres. As críticas surgiram também por ter que me ausentar do trabalho para acompanhar meu filho nas atividades que ele precisava".
Atualmente, Silvânia trabalha como assistente administrativa na rede Sarah Kubitschek, em Brasília, onde foi realizado o primeiro atendimento de Erasmo. "Agora nós temos plano de saúde, que ajuda bastante nos atendimentos dele, um benefício para as mães. Fora a equipe de atendimento específico, com vários profissionais que me ajudaram bastante quando eu estava sem saber o que ele tinha", conta, grata.
Independência
Mesmo com a correria, Silvânia faz questão de acompanhar de perto o processo educacional de Erasmo, e está investindo em pequenos passos para a independência dele. Agora, com 16 anos, ele já volta da escola sozinho e recebe aulas de reforço na unidade de ensino da Ceilândia, graças aos esforços da mãe.
Como não há atendimento especial na escola, ela diz que utiliza a lei do autismo (Lei nº 12.764/2012) para exigir o mínimo de acessibilidade para o filho. "Todos os professores já me conhecem e sabem o quanto eu luto pelos direitos do Erasmo, pela educação dele. E o que me motiva é ver a evolução dele ao longo dos anos."
Sonhos
A administradora concilia a rotina com muito planejamento, e não deixa de ter sonhos para ela e para o filho. "Não é fácil o processo, mas é algo muito gratificante. Mulher preta, humilde. Meu pai, descendente de negro; minha mãe, de indígena. E penso em ver meu filho formado, em sempre dar o melhor para ele. Então eu preciso continuar na batalha. Penso em voltar a estudar, a fazer cursos, por mim também. E vejo que todo o meu esforço está valendo a pena."
Mas ser forte o tempo todo também tem um preço. Ela conta que desenvolveu uma ansiedade após a pandemia de covid-19, mas que hoje faz acompanhamento com psicólogo e psiquiatra, mantém uma rotina de exercícios físicos e vai a consultas regulares para monitorar a saúde. Aos 55 anos, Silvânia pensa em fazer biomedicina, trabalhar na área de estética e abrir seu próprio negócio. "Quando passei a ter essa autoestima, comecei a confiar em mim como mulher, como mãe e como profissional."