Carreira

Área de compliance enfrenta escassez de profissionais qualificados

Especialistas e profissionais explicam sobre o funcionamento da carreira, que visa a organização de um programa estruturado nas empresas, promovendo ética, transparência e prevenção de riscos

Lara Costa*
postado em 15/06/2025 06:00
. -  (crédito: Divulgação)
. - (crédito: Divulgação)

No Brasil, muitas empresas têm adotado o compliance, serviço que adota procedimentos internos por meio de um programa estruturado. O objetivo é fazer com que a organização esteja seguindo as leis e normas vigentes, como regulamentos internos, o código de ética e de conduta, por exemplo.

A palavra compliance vem do inglês, proveniente do verbo "to comply", que significa estar em conformidade com alguma coisa. Nesse sentido, o trabalho envolve a detecção, prevenção e mitigação de riscos à empresa, inclusive, no que se refere à relação com clientes, colaboradores, parceiros, fornecedores, investidores e demais partes interessadas; além da implementação de políticas internas que promovem a ética e a transparência em todos os níveis da organização. 

No entanto, o compliance ganhou força no Brasil a partir de 2013, quando foi lançada a lei anti-corrupção, a Lei nº 12.846/2013, e foi feita uma estruturação para combater a corrupção de forma efetiva nas empresas. Foram aplicadas sanções severas, como multas de até 20% do faturamento bruto e dissolução compulsória da empresa.

Existe outra legislação que também definiu o funcionamento do serviço, que é a Lei nº 13.709/2018, a Lei Geral de Proteção de dados (LGPD) , que tem como função, proteger os dados pessoais de todos os cidadãos brasileiros. A lei foi publicada em 2018, mas entrou em vigor em 2021. 

Além da segurança

Victor Sancho: garantia de ambiente de trabalho seguro
Victor Sancho: garantia de ambiente de trabalho seguro (foto: Divulgação)

Para Victor Sancho da Silva Cotrim, gerente de compliance da empresa Sonda do Brasil, a estrutura ajuda na garantia de um ambiente de trabalho seguro e no esclarecimento das pessoas sobre comportamento. "O ser humano não nasce com com todas as informações. Então, tem questões que todo o mundo precisa aprender, e uma delas é o bom-senso, que para cada pessoa funciona de uma maneira diferente."

Ele também acredita que o compliance pode funcionar como uma área consultiva diante de alguns fenômenos, como profissionais da nova geração entrando no mercado com novos conceitos e visões diferentes das gerações antigas e contexto geopolítico. "A profissão se torna um braço direito do diretor, ou do conselho de uma empresa, pois tem esse olhar mais independente de dentro da própria organização, do mercado e dos impactos que os relacionamentos podem vir a influenciar no trabalho", explica.

Victor acredita que o serviço também é importante para outros aspectos, como o negócio das empresas. "Porque quando você observa que havendo práticas de ética, de comportamento e de combate à corrupção, há redução de uma série de riscos à empresa, evitando penalizações de multas e sanções, seja junto ao setor público ou a outras empresas", defende.

Nesse contexto, Camila Catino, que trabalha na área há quatro anos, acredita que o setor é um viabilizador estratégico, pois pode ajudar a companhia a fechar bons negócios de forma ética, íntegra e sustentável. "Quando conseguimos implementar uma cultura organizacional baseada em transparência e responsabilidade, os resultados vão além da conformidade legal, porque há ganho real em produtividade das equipes, redução de custos operacionais e regulatórios e, principalmente, proteção da reputação, que é, ao lado das pessoas, o maior ativo de qualquer empresa", explica.

A coordenadora de compliance da empresa Acura capital relata que ouviu que esse trabalho prejudica os negócios da empresa, mas acredita que a ausência do serviço pode levar a consequências, como crises reputacionais e até mesmo a sobrevivência do negócio. "Como se diz frequentemente no nosso meio: 'Se compliance parece caro, experimente não ter um'." 

Além disso, ela aponta para algumas lacunas relacionadas a profissão, como a falta de recursos humanos e tecnológicos, além do  engajamento da alta liderança. "É um trabalho que exige resiliência, comunicação clara e muita diplomacia, pois, frequentemente, lidamos com resistências culturais."

Evolução da carreira

José Carlos: Rio e São Paulo têm profisionais bem formados
José Carlos: Rio e São Paulo têm profisionais bem formados (foto: Arquivo Pessoal)

Segundo levantamento Integridade Corporativa no Brasil: evolução do compliance e das boas práticas empresariais nos últimos anos , revelou que, em 2024, 73% das 113 empresas entrevistadas planejam investir em treinamentos voltados à conformidade legal até o fim do ano. 

Fundador da empresa de consultoria Compliance Brazil, José Carlos Carvalho, 38 anos, trabalha no ramo há 15 anos e acredita que ocorreram mudanças significativas na profissão. "O que ocorre é a mudança no mercado, porque antes o compliance era mais voltado para o mercado financeiro e com o passar do tempo isso foi expandindo para praticamente todos os segmentos empresariais", explica.

Para o empresário, houve expansão da carreira, o que leva a empresas de grande porte e institutos governamentais a adotarem o serviço. "Antes era restrito a alguns mercados específicos, hoje, na verdade, houve uma pulverização. Então, essa é grande mudança."

Ele também acredita que o crescimento do serviço evidencia amadurecimento por parte das empresas, com cuidado maior sobre vários assuntos. "Tem empresas e pessoas que são preocupadas em combater problemas internos, não querem ser envolvidas em escândalos de corrupção, lavagem de dinheiro, ou em qualquer outro crime", descreve.

Paralelo a isso, o consultor enxerga que a profissão enfrenta obstáculos relacionados a empregabilidade, como a escassez de mão de obra específica. "É muito difícil encontrar profissionais bem formados fora do eixo Rio-São Paulo, que é onde o mercado é mais concetrado. Por mais que as pessoas façam cursos e tenham mais acesso ao serviço é difícil de achar profissional bem qualificado".

Como profissional e empresário da área, ele acredita que há falta de prática dos profissionais. "Mesmo na consultoria, eu achei difícil encontrar pessoas com conhecimento prático, porque não tem. Já contratei pessoas que tinham pós-graduação e diploma em compliance, mas como ela não tem a parte prática, não adianta."

Desafios

A advogada Patrícia Punder trabalha no setor desde 2008
A advogada Patrícia Punder trabalha no setor desde 2008 (foto: Divulgação)

Para a advogada Patrícia Punder, que trabalha com compliance desde 2008 quando o conceito já existia nos Estados Unidos, a carreira melhorou em comparação com 17 anos atrás, mas ainda tem desafios, como a aplicação equivocada do serviço em algumas organizações. "Tem muitas empresas que não querem investir em compliance e transferem a responsabilidade para a área jurídica." 

Ela acredita que o investimento no compliance deve ser de forma orgânica, com a consideração das políticas da empresa, como missão, visão e valores, como também da cultura organizacional. "As pessoas têm que abraçar isso e entender que essa prática é boa para a empregabilidade delas, mas também para a empresa e o lucro, de forma que ela tenha perenidade." 

Além desses desafios, Patrícia acrescenta a necessidade de aproximar os conceitos originais do compliance para a realidade brasileira. Ela explica que "se usa muitos termos em inglês, corporativos, então o trabalho não é feito de forma assertiva, ao que é o serviço, como por exemplo, o que são controles internos, o que é uma comunicação interna ou uma cultura organizacional."

5 dicas para começar uma carreira em compliance

Jefferson Kiyohara, Diretor de compliance, sustentabilidade| ESG, governança e educação da Protiviti, professor da FIA Business School
Jefferson Kiyohara, Diretor de compliance, sustentabilidade| ESG, governança e educação da Protiviti, professor da FIA Business School (foto: Arquivo Pessoal)

Uma área de atuação que atrai o interesse de muitos profissionais é o compliance. Numa época em que se fala de propósito e valores, capitalismo de stakeholders, atendimento às regulações brasileiras e internacionais, há uma demanda contínua das empresas de especialistas para implantar, operar e aprimorar programas de compliance. 
Trata-se de uma área eclética, na qual você encontra profissionais do direito, de administração e engenharia, e também da psicologia, tecnologia, contabilidade e outras. Isso porque um bom time de compliance é multidisciplinar e sabe como lidar com dados e ferramentas tecnológicas, engajar e conscientizar pessoas, aplicar regras, comunicar e investigar e atuar em todos os pilares. 
E sendo tão plural, é comum ter dúvidas de como desenvolver uma carreira nesta temática e ter sucesso. Por isso, pensei em cinco dicas atualizadas para apoiar quem tem interesse em trabalhar com compliance: 
1 Prepare-se! Estude e conquiste credenciais técnicas: há muita sopções de cursos no mercado. Algumas dicas de cursos gratuitos podem ser encontradas num artigo que publiquei no Linkedin1. Acompanhe webinars, podcasts e perfis especializados nas redes sociais, vá a eventos, leia artigos em páginas e blogs especializados. Participe de grupos no WhatsApp. Busque certificações e mantenha o currículo atualizado, inclusive, com as temáticas do momento: combate ao assédio, NR-01, ISO37.001, empresa Pró-Ética, CVM193, etc. E atentese para a relevância cada vez maior da análise de dados e conhecimento de uso aplicado de IA. 
2 Estruture sua rede de contatos qualificados: busque conexões e acompanhe profissionais que sejam reconhecidos no tema compliance para para ficar por dentro das principais novidades. Participar de grupo sem redes sociais e em aplicativos também é uma estratégia para conhecer mais sobre esse universo. Além disso, a interação com profissionais admirados ou que já atuam na área são caminhos para se manter em evidência, bem como solicitar dicas profissionais. Faça cursos que permitam a interação entre alunos e também com os professores. 
3 Procure oportunidades onde você já trabalha ou se interessa em trabalhar: conhecer a empresa e a equipe, a cultura organizacional e entender do negócio podem ser um diferencial na disputa por uma vaga. Busque informações sobre a possibilidade de migrar de área ou de apoiar a criação  dela na empresa em que hoje trabalha. Se o seu sonho é trabalhar numa empresa específica, acompanhe ela nas redes e no noticiário, busque conhecer as pessoas chaves e os requisitos típicos das vagas, prepare-se e deixe claro o seu interesse. Atue para ser lembrado de uma forma positiva e quando uma vaga surgir.
4 Monitore as vagas: nos grupos e em sites especializados, há diversas vagas sendo divulgadas. É fundamental estar preparado para aplicar a essas oportunidades. Tenha um perfil no Linkedin e um currículo base atualizados. Personalize em cada aplicação. Entenda os requisitos desse mercado e tenha um plano para adquirir conhecimentos técnicos, habilidades comportamentais e experiências necessárias.
5 Busque experiência prática: em trabalhos temporários ou voluntários, é possível ganhar experiência para apresentar nos processos seletivos. Aproveite-se de experiências que conversam com os pilares do programa de compliance. Se você sabe como elaborar políticas, mapear riscos, aplicar treinamentos e realizar apurações, por exemplo, destaque isso. E avalie como consegue contribuir com o programa de compliance mesmo em seu cargo atual, atuando como embaixador ou ponto focal. Dados os primeiros passos, busque ampliar o grau de atuação. 1 Artigo Adquirindo novos conhecimentos para 2025 – Cursos gratuitos em Compliance e ESG no link: https://encurtador.com.br/sPSWY
 

*Estagiária sob supervisão de Ana Sá

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