Júlia Christine*
postado em 22/06/2025 06:00 / atualizado em 22/06/2025 06:00

Diretor do CEMI do Gama, Lafaiete Formiga, e o aluno Daniel Carvalho: aulas de empreendedorismo durante o ensino médio
- (crédito: Arquivo Pessoal)
Desde 2012, a participação dos jovens no empreendedorismo brasileiro tem crescido de forma expressiva. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de Donos de Negócio (DN) com idade entre 18 e 29 anos passou de 3,9 milhões, em 2012, para 4,9 milhões no fim de 2024.
Com um aumento de 25% no período, esse grupo representa, atualmente, 16% de todos os empreendedores do país. Em 2024, eles, também, alcançaram o maior rendimento médio da série histórica: R$ 2.567 mensais. Embora ainda recebam menos que os adultos e empreendedores mais experientes, os jovens DN têm diminuído essa diferença.
No último ano, a renda média dos jovens foi 26,2% inferior à média geral dos Donos de Negócio, que ficou em R$ 3.477. Ainda assim, o ritmo de crescimento é acelerado. Desde 2021, os rendimentos dos jovens aumentaram 25,4%, enquanto a média nacional subiu 22,9%. Esse progresso reflete um cenário mais propício à atuação empreendedora entre os mais novos.
Ensino
Com o passar dos anos, começou a se falar do mindset empreendedor, ou seja, uma forma de pensar que caracteriza os profissionais da área. Pensar assim envolve criatividade, resiliência e motivação para inovar. Hoje, instituições educacionais atuam no desenvolvimento dessa mentalidade entre os estudantes.
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César Lorenzetti de Carvalho, 47 anos, leciona disciplinas empreendedoras no Colégio Marista de Brasília. Na instituição desde 2005, o professor adota uma dinâmica que simula o mercado de trabalho: rápida e inteligente. “Passo duas aulas explicando a metodologia e a criação de um negócio. Na semana seguinte, os alunos devem chegar com o projeto pronto para discutirmos”, diz o professor
A didática prepara os estudantes para a vida fora da escola. Além do ensino metodológico, os jovens treinam oratória, para que estejam prontos para apresentar suas ideias quando surgir a oportunidade. “Quando ela bater à porta, é necessário colocar suas criações para fora. Em qualquer lugar, seja no mercado ou no elevador. Tem que ser ousado”, comenta.
“Quando estamos no ensino médio, nosso desejo é terminar rápido e entrar na faculdade. Nem todos os alunos gostam da ideia de empreender. Entretanto, nas aulas, trabalhamos as diversas possibilidades do mercado”, conta Carvalho. Seja qual for o curso escolhido futuramente, os alunos desenvolvem perseverança e força de vontade.
Jovens em prática
Aos 17 anos, Giovana Queiroz põe em prática os ensinamentos da disciplina. A jovem, que aprendeu desde cedo a conquistar seu próprio dinheiro, já tem seu negócio: uma loja de velas aromáticas. “Meus pais não me deram mesada. Desde cedo, me incentivaram a correr atrás das minhas economias”, assegura.
“Desenvolver habilidades comunicativas e financeiras é muito importante. Para quem deseja seguir no ramo empreendedor, as aulas são fundamentais. Com todos esses aprendizados, sairemos da escola com uma grande vantagem”, comenta. Na rede Marista desde o nono ano, Giovana conta com o apoio da instituição para o crescimento do seu comércio.
Empreender
Inconformado com a rotina e em busca de algo que traga mais sentido, o empreendedorismo não é um privilégio de poucos, mas, sim, um estilo de vida acessível a quem deseja ir além. No Centro de Ensino Médio Integrado à Educação Profissional do Gama (CEMI), os alunos têm aulas obrigatórias de empreendedorismo na grade curricular.
Nos dois primeiros anos do ensino médio, os estudantes, duas vezes por semana, aprendem sobre a importância global, cultural e social do empreendedorismo. No terceiro ano, desenvolvem, na prática, um projeto de software para a empresa que criaram, aprimorando habilidades técnicas na administração do negócio.
Na gestão escolar há 14 anos, Carlos Lafaiete Formiga, 53, destaca a importância do ensino empreendedor na instituição: “Atualmente, o mercado está cada vez mais difícil. Com o avanço da Inteligência Artificial, os jovens devem receber uma qualificação profissional de prestígio, para que consigam um espaço assertivo no mercado de trabalho”, afirma.
No terceiro ano do ensino médio, Daniel Carvalho de Oliveira, 17, define o empreendedorismo como uma ideia voltada para ajudar o próximo. O estudante recebe apoio intelectual da instituição para, assim que concluir os estudos, tocar o negócio da família.
Com os ensinamentos sobre proatividade empresarial, atitude empreendedora e gestão de negócio, o jovem hoje se sente confiante para seguir com o restaurante e a lanchonete dos pais. “Durante as aulas, aprendi muito e acredito que, agora, estou pronto para ajudar meus companheiros de vida”, acredita.
Desafios iniciais
Além de instituições de ensino básico, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) oferece ampla variedade de cursos voltados a novos empreendedores e também àqueles que se dedicam ao ensino da formação empreendedora. As opções incluem formato presencial, a distância e até mesmo por WhatsApp.
Há mais de duas décadas, André Silva Spínola, 49, atua como gerente nacional de estratégia e transformação no Sebrae. Advogado e mestre em desenvolvimento econômico, ele afirma que os desafios enfrentados pelos jovens no mercado de trabalho se assemelham aos dos empreendedores em geral, mas com algumas particularidades, entre elas, a obtenção de financiamento inicial.
“Para os jovens, conseguir um financiamento e manter o capital de giro pode ser mais complicado devido aos critérios exigidos pelos agentes financeiros e à necessidade de garantias, que muitos ainda não têm”, explica.
Spínola destaca que o mercado é altamente competitivo e exige mais do que boas ideias e disposição. “É preciso se diferenciar, oferecer produtos e serviços de qualidade, ter um atendimento exemplar e construir uma relação de confiança com clientes, funcionários e parceiros”, afirma.
Ao contrário das gerações anteriores, que valorizavam a estabilidade e buscavam carreiras longas em uma mesma empresa, os jovens de hoje desejam independência e liberdade. Para muitos, o empreendedorismo é o caminho para essa realização. “Com uma economia mais estável, eles se sentem mais seguros para investir e apostar no futuro”, conclui.
Como conselho, André reflete que a insegurança está presente em empreendedores de todas as idades, e a chave é a preparação. “Conhecer suas motivações, manter uma boa gestão financeira, buscar conhecimento, aprender com os erros e estar pronto para os desafios é, sem dúvida, o caminho mais seguro.”
Referência no mercado
Referência no setor de negócios, Ricardo Rodante Sechis, 28, começou a inovar cedo. Ainda criança, colhia frutas do quintal de casa para vender. Durante a adolescência, comercializava estalinhos em festas juninas e, mais tarde, suplementos.
Ricardo carrega no sangue o dom de empreender. Mais novo de três irmãos, o brasiliense tem como grande referência o pai, Antônio Ricardo Sechis, engenheiro, pecuarista e presidente da Beef Passion, boutique de carnes reconhecida pela sustentabilidade no Brasil.
Durante o ensino médio, Sechis participou de um curso extracurricular sobre empreendedorismo. A formação o inspirou a vender espetinhos na porta do colégio. “Aprendemos a criar um negócio do zero e fazê-lo funcionar. Com os ensinamentos, comecei a vender espetinho em frente ao colégio. Foi um sucesso”, relata.
Desde então, Ricardo colhe os frutos da coragem e inovação. Hoje, é cofundador e diretor da Ricco Burguer, eleita a melhor hamburgueria de Brasília (Encontro Gastrô & Veja — 2024). Seu desempenho o levou à lista Forbes Under 30, que destaca jovens de até 30 anos com destaque em suas áreas no último ano.
Após vencer a vergonha, o medo e os julgamentos, Ricardo encontrou no empreendedorismo a arte de tirar uma ideia do abstrato e transformá-la em algo concreto, viável economicamente para o ser humano, os trabalhadores e o planeta.
Saiba mais
Da Revolução Industrial às salas de aula
A palavra “empreendedorismo” deriva da expressão inglesa entrepreneurship, que, por sua vez, vem do francês entrepreneur, significando “aquele que assume riscos e começa algo novo”. A prática do empreendedorismo surgiu com a Revolução Industrial, quando os primeiros empreendedores modernos começaram a organizar fábricas, contratar operários e investir em inovação.
Nos tempos antigos, a produção era essencialmente artesanal e de pequena escala. Com a industrialização, o empreendedor se tornou peça-chave no processo produtivo, liderando o desenvolvimento econômico.
Hoje, o empreendedorismo é parte dos temas transversais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), abordado de forma integrada em matérias como matemática, ciências humanas e linguagem. Em algumas redes de ensino, no entanto, o tema é tratado de forma específica, com a criação de disciplinas voltadas para o desenvolvimento de habilidades empreendedoras.
Vale destacar que, embora o tema esteja presente no currículo escolar, a forma de ensino do empreendedorismo varia de uma escola para outra, dependendo de recursos, abordagem pedagógica e autorização dos conselhos de educação locais.