Preparação

Necromaquiagem: a carreira que cuida do morto para o funeral

Arlene Rosa dos Reis, 56 anos, trabalha com reconstrução facial e na preparação dos corpos em uma funerária de Valparaíso (GO). Ela conta detalhes da profissão e revela a paixão pela atividade e o respeito pela dor e o sofrimento da partida

Júlia Giusti*
postado em 29/06/2025 06:00 / atualizado em 29/06/2025 06:00
Arlene Rosa dos Reis:
Arlene Rosa dos Reis: "Não posso trazer a pessoa de volta, mas posso amenizar um pouco a dor e o sofrimento pela sua partida" - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

A tanatopraxia, ou necromaquiagem como é mais conhecida, é uma profissão delicada, mas que tem como propósito manter vivas as memórias de pessoas falecidas. A maquiagem é capaz de aproximar as famílias aos entes queridos, ajudando na forma como elas gostariam de se lembrar deles e trazendo dignidade ao momento difícil da despedida.

“Eu não posso trazer a pessoa de volta, mas posso amenizar um pouco a dor e o sofrimento da sua partida”, diz a profissional Arlene Rosa dos Reis, 56 anos, que trabalha como necromaquiadora há mais de cinco anos. Ela também atua na reconstrução facial e na preparação dos corpos para funerais, na funerária Serlluz de Valparaíso (GO), em regime de trabalho CLT. 
Técnica em tanatopraxia e necropsia e professora das áreas no Sim Profissões, instituição de ensino profissionalizante, dona Arlene conta que sempre teve interesse pelo campo do pós-morte. Aos 22 anos, ela se recorda de Davi, um garoto de apenas alguns meses de vida que faleceu no lote onde ela morava, em Ceilândia.  
“Na manhã seguinte, o paizinho dele estava desesperado, não sabia o que fazer. Eu peguei o menino, geladinho, enrolei-o e peguei o ônibus para registrar o óbito”, relata. A partir daquele momento, a profissional decidiu que seguiria carreira nesse ramo: “Não tenho medo de ficar próxima à morte, pelo contrário, quero arrumar o falecido. Apaixonei-me pelo trabalho”
  •  25/06/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Arlene Rosa dos Reis Necromaquiadora que trabalha na funerária Serlluz em Valparaíso.
    25/06/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Arlene Rosa dos Reis Necromaquiadora que trabalha na funerária Serlluz em Valparaíso. Minervino Júnior/CB
  •  25/06/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Arlene Rosa dos Reis Necromaquiadora que trabalha na funerária Serlluz em Valparaíso.
    25/06/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Arlene Rosa dos Reis Necromaquiadora que trabalha na funerária Serlluz em Valparaíso. Minervino Júnior/CB
  •  25/06/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Arlene Rosa dos Reis Necromaquiadora que trabalha na funerária Serlluz em Valparaíso.
    25/06/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Arlene Rosa dos Reis Necromaquiadora que trabalha na funerária Serlluz em Valparaíso. Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  •  25/06/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Arlene Rosa dos Reis Necromaquiadora que trabalha na funerária Serlluz em Valparaíso.
    25/06/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Arlene Rosa dos Reis Necromaquiadora que trabalha na funerária Serlluz em Valparaíso. Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  •  25/06/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Arlene Rosa dos Reis Necromaquiadora que trabalha na funerária Serlluz em Valparaíso.
    25/06/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Arlene Rosa dos Reis Necromaquiadora que trabalha na funerária Serlluz em Valparaíso. Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  •  25/06/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Arlene Rosa dos Reis Necromaquiadora que trabalha na funerária Serlluz em Valparaíso. Natanaelly Siqueira(morena) secretária administrativa.
    25/06/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Arlene Rosa dos Reis Necromaquiadora que trabalha na funerária Serlluz em Valparaíso. Natanaelly Siqueira(morena) secretária administrativa. Minervino Júnior/CB/D.A.Press

Etapas  

Em caso de morte violenta, como homicídio ou suicídio, os corpos são levados para o Instituto Médico Legal (IML), onde passam pela necrópsia. Quando se trata de morte por causas naturais, seja em residência, seja no hospital, quem atua são os profissionais do Serviço de Verificação de Óbitos (SVO). Após qualquer uma dessas etapas, a preparação dos mortos ocorre na clínica da funerária, onde passam por vários processos, como limpeza, tamponamento, vestimenta e maquiagem. Os serviços envolvem desde a remoção dos corpos e o acompanhamento da família no registro do óbito até a entrega dos falecidos ao cemitério.  
No primeiro momento, ocorre a higienização dos mortos. Arlene explica que, até quatro horas após o óbito, é normal que haja vazamento de fluidos corpóreos, por isso, os profissionais dão banho neles. Em seguida, fazem uma incisão para aplicação de formol, para impedir o enrijecimento dos membros. 
O próximo passo é o uso de uma bomba de sucção nas cavidades, como boca, nariz e umbigo, para retirar os líquidos internos, e o posterior tamponamento delas com algodão, para evitar vazamentos. Na boca, por exemplo, Arlene diz que faz uma pequena soltura e, entre os olhos, coloca um pedaço de papel molhado para mantê-los fechados. 
Após a limpeza, começa-se a preparação para vestimenta e maquiagem. Antes de serem vestidos, os corpos são isolados com material próprio, para impedir a sudorese. “As roupas são opção da família, se querem trazer de casa ou usar os conjuntos da funerária”, conta a tanatopraxista.  
Em relação à maquiagem, a profissional tem uma maleta grande e vários estojos nos quais carrega bases, pós, batons, rímel e sombras. “Às vezes, tem batom que eu ganho e não uso, aí guardo para maquiar mortos. Não é porque a pessoa já se foi que tem que usar produtos velhos”, defende, como forma de humanizar seu trabalho. 

Cuidados 

Maleta de maquiagens de Arlene / Conjuntos masculinos da funerária
Maleta de maquiagens de Arlene / Conjuntos masculinos da funerária (foto: Júlia Giusti/ CB press)

Sombras para necromaquiagem / Arlene consulta a família sobre os procedimentos
Sombras para necromaquiagem / Arlene consulta a família sobre os procedimentos (foto: Júlia Giusti/ CB press)
A profissional expõe que a equipe, composta por cinco funcionários, tem o cuidado de consultar a família sobre quais orientações devem seguir, por exemplo, se desejam que tirem a barba, como desejam ou não a maquiagem. Ela diz que, muitas vezes, o óbito ocorre no hospital, deixando marcas de roxo na pele em razão dos procedimentos. Por isso, existe uma preocupação em tornar a aparência do morto o mais natural possível. Além dos cosméticos, Arlene dispõe de perfumes femininos, masculinos e para bebês. Quando necessário, inclusive, a equipe compra roupas e acessórios para atender às demandas da família. 
“Uma vez, a família trouxe tinta para pintar o cabelo do senhor, que ficou muito tempo internado e estava com os fios brancos. Outra vez, a mãe da menina pediu para pintarmos as unhas dela. Quando é mulher, perguntamos se ela costumava se maquiar, qual o tom do batom. Com a base, faço uma misturinha e testo na mão para depois passar no rosto. O que a família me pedir para usar, eu tenho”, descreve a necromaquiadora. 
Por lidarem com riscos biológicos de contaminação por doenças, como hepatite e HIV/ AIDS, os funcionários também trabalham com equipamentos de proteção individual (EPI), como luvas e máscaras, e são submetidos a exames constantes para verificar a saúde deles. 

Memória e respeito 

Para dona Arlene, a profissão é sua grande paixão, mas ao mesmo tempo, ver o sofrimento das famílias é difícil. Por isso, os funcionários passam por treinamentos constantes para lidar com a situação de forma humana e respeitosa. “Os médicos resgatam vidas; e nós, do pós-morte, resgatamos as memórias”, diz. Para ela, isso é essencial, pois “é muito triste a pessoa partir e não ser lembrada”. 
Serlluz, os profissionais também trabalham em regime de plantão, atendendo a chamados de remoção de corpos a qualquer hora do dia ou da noite. “Às vezes,  transladando um óbito de madrugada, publico que estou transportando o amor da vida de alguém”, compartilha a tanatopraxista, na tentativa de tornar a partida de um ente querido mais leve e menos dolorosa. 
Ela conta que sempre guia seu trabalho pelo respeito, desde a adoção de processos específicos a depender da religião das famílias até o cuidado com o posicionamento dos óbitos e a referência a eles pelo nome da pessoa. Arlene também costuma conversar com eles antes da preparação.  
“Não deixo ninguém bater com a cabeça do falecido na mesa nem fazer brincadeiras com sua morte, porque ali há um ser humano que partiu, mas que tem todo um legado”, destaca. Ela se recorda, com carinho, do relato de uma cliente que ficou tocada com os serviços prestados: “Eu não fiz nada, apenas dei-lhe atendimento humanizado e com respeito à morte do parente dela”. 

Casos marcantes 

Para dona Arlene, os casos mais complexos envolvem mortes por suicídio, pois deixam um clima pesado no ar. Além disso, ela considera como mais desafiadores aqueles em que as vítimas são crianças. Desses, ela destaca dois como mais marcantes em sua trajetória profissional: de um garoto de sete anos que faleceu de dengue hemorrágica e de uma menina de 12 anos que ficou três meses internada e não resistiu à covid-19.  
“Eu fiquei um bom tempo com os pais dele, porque é muito doído entregar uma criança. Já a menina, os pais nem podiam vê-la, porque, na época, a transmissão do vírus era alta e não se tinha muito conhecimento sobre a doença”, reflete, com pesar. Para a necromaquiadora, o que mais lhe marcou no segundo caso foi a barreira física: “O pai e a mãe ficaram abraçados no portão; não puderam entrar para o sepultamento” 
Em outras situações, a equipe se surpreende com a reação dos familiares ao luto, que trazem, por exemplo, meias e blusa de frio para vestir o falecido, que era “friorento”, ou pedem para colocar nele uma touca de que gostava. “O falecido não vai precisar disso, mas a gente cuida desses detalhes, porque a família não vai mais ver aquela pessoa. Então, que aquela lembrança se torne boa”, explica Arlene. 

Reconhecimento 

Apesar das histórias tristes e difíceis, a tanatopraxista percebe que seu trabalho é gratificante, enquanto meio de trazer conforto à perda de um ente querido. Porém, infelizmente, ela diz que a profissão não é regulamentada. Hoje, só existem formações técnicas na área, por isso, a profissional defende a criação de cursos superiores: “A teoria é simples, mas a prática, complexa”. Mesmo com esse empecilho, ela não vai desistir: “Gosto muito do que faço”. 
Estagiária sob supervisão de Ana Sá 

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