Ciência, tecnologia e inovação: o novo alicerce da educação brasileira

Consulta pública do CNE pode redefinir o futuro da educação ao incluir inovação como eixo estruturante

Correio Braziliense
postado em 20/08/2025 18:11 / atualizado em 20/08/2025 19:05
Membros da comissão de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) -  (crédito: Divulgação/CNE)
Membros da comissão de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) - (crédito: Divulgação/CNE)

Por Paulo Fossatti, Celso Niskier, Diego Menezes e Max Damas

A consolidação de uma educação comprometida com o presente e preparada para o futuro exige um novo olhar sobre os fundamentos que a sustentam. Em um cenário marcado pela aceleração das transformações tecnológicas, pela complexidade dos problemas sociais e pela interdependência entre os saberes, torna-se inadiável reconhecer a ciência, a tecnologia e a inovação (CT&I) como dimensões estruturantes da formação educacional, tanto na educação básica quanto na educação superior. 

O desafio posto às instituições de ensino não se resume à incorporação de tecnologias digitais ou à modernização de equipamentos. Trata-se de uma mudança mais profunda, que redefine a forma como concebemos o papel da educação em uma sociedade que demanda pensamento crítico, capacidade de resolver problemas complexos, competência científica e responsabilidade cidadã. No caso brasileiro, essa mudança exige atenção especial às desigualdades estruturais que ainda limitam o acesso equitativo ao conhecimento científico, especialmente em comunidades rurais,regiões periféricas e territórios historicamente vulnerabilizados.

Nesse contexto, as Diretrizes Orientadoras para a Integração da CT&I na Educação Brasileira, atualmente em processo de consulta pública no Conselho Nacional de Educação (CNE), representam um marco essencial para alinhar o sistema educacional às necessidades contemporâneas. A proposta, construída de forma coletiva e articulada entre os níveis básico e superior, visa consolidar políticas educacionais mais integradas, equitativas e voltadas àinovação com sentido público. O texto preliminar já está disponível para consulta pública no link: https://x.gd/0mZKz.

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Ao estabelecer quatro eixos estruturantes — ciência como direito, formação docente para a cultura científica, inovação como prática pedagógica e articulação com ecossistemas de inovação — a proposta reafirma que a CT&I não pode ser acessório ou complemento. Deve ser incorporada desde os primeiros anos escolares até a formação universitária, presente nos currículos, nas práticas pedagógicas, na formação dos profissionais da educação e nas estratégias institucionais de desenvolvimento. Para isso, é necessário reconhecer as assimetrias regionais do país e criar mecanismos que garantam condições mínimas de infraestrutura, conectividade e formação para todas as redes, públicas e privadas, urbanas e do campo.

A valorização da formação docente é central nesse processo. Não haverá transformação possível sem professores preparados para mediar a investigação, utilizar tecnologias com intencionalidade pedagógica, atuar de forma interdisciplinar e conectar o conhecimento escolar com os desafios da realidade. É preciso garantir formação inicial e continuada de qualidade, infraestrutura adequada e reconhecimento institucional para sustentar essa atuação. Essa necessidade é ainda mais evidente quando observamos a carência de profissionais com domínio da cultura digital e científica em muitas licenciaturas brasileiras, especialmente nas áreas de ciências da natureza, matemática e tecnologia.

Por outro lado, inovar na educação não é apenas introduzir novas ferramentas. É reconfigurar espaços, tempos, metodologias e vínculos, em direção a ambientes de aprendizagem mais abertos, colaborativos e conectados com os territórios. A escola e a universidade devem ser lugares de criação, onde estudantes possam exercer protagonismo, experimentar soluções, desenvolver projetos e se reconhecer como autores do conhecimento. Essa perspectiva exige políticas de apoio técnico e financeiro especialmente voltadas às redes públicas, garantindo que a inovação educacional seja uma política de Estado e não apenas uma prática pontual de algumas instituições com melhores condições.

A proposta de diretrizes também destaca a importância de integrar a educação aos ecossistemas de inovação — centros de pesquisa, instituições de ciência e tecnologia, arranjos produtivos locais, organizações sociais e políticas públicas territoriais. Essa articulação é condição necessária para que o conhecimento produzido nas instituições educacionais tenha impacto real na vida das pessoas e nos processos de desenvolvimento local e nacional. No Brasil, onde coexistem excelência científica e carência de acesso à cultura científica, fomentar essas redes significa construir caminhos concretos para a superação das desigualdades educacionais, produtivas e tecnológicas entre as diferentes regiões.

Trata-se, portanto, de uma agenda estratégica, que conecta a garantia do direito à educação com o direito à ciência e à inovação. Uma agenda que não admite mais a fragmentação entre ensino, pesquisa e tecnologia. Que rompe com a ideia de que a produção científica deve estar distante do cotidiano escolar. E que reafirma o compromisso com uma educação capaz de formar sujeitos críticos, criativos, solidários e preparados para atuar com responsabilidade no enfrentamento dos desafios contemporâneos — entre eles, a inclusão digital, a transição energética, a sustentabilidade ambiental e a construção de uma democracia mais participativa.

O futuro da educação brasileira depende da coragem com que enfrentarmos esse momento. As diretrizes em discussão oferecem um caminho viável, coerente e fundamentado para promover a integração da CT&I como elemento central de um projeto educacional mais justo, democrático e transformador — da educação básica à superior. Cabe agora ao conjunto da sociedade, aos sistemas de ensino, às instituições formadoras e aos educadores fortalecer esse movimento. O tempo de agir é agora.

Quem são os autores:

Paulo Fossatti– Presidente da Comissão de CT&I do CNE e Conselheiro do Conselho Nacional de Educação (CNE)

Celso Niskier– Relator da Comissão de CT&I e Conselheiro do ConselhoNacional de Educação (CNE)

Diego Menezes– Membro Externo da Comissão de CT&I e Presidente da Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica e Inovação

Max Damas– Pesquisador Externo da Comissão de CT&I e Assessor da Presidência do SEMERJ e da Fundação Oswalo Aranha.



  • Diego Menezes – Membro Externo da Comissão de CT&I e Presidente da Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica e Inovação
    Diego Menezes – Membro Externo da Comissão de CT&I e Presidente da Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica e Inovação Foto: arquivo pessoal
  • Paulo Fossatti – Presidente da Comissão de CT&I do CNE e Conselheiro do Conselho Nacional de Educação (CNE)
    Paulo Fossatti – Presidente da Comissão de CT&I do CNE e Conselheiro do Conselho Nacional de Educação (CNE) Foto: arquivo pessoal
  • Max Damas – Pesquisador Externo da Comissão de CT&I e Assessor da Presidência do SEMERJ e da Fundação Oswalo Aranha.
    Max Damas – Pesquisador Externo da Comissão de CT&I e Assessor da Presidência do SEMERJ e da Fundação Oswalo Aranha. Foto: arquivo pessoal
  • Celso Niskier – Relator da Comissão de CT&I e Conselheiro do Conselho Nacional de Educação (CNE)
    Celso Niskier – Relator da Comissão de CT&I e Conselheiro do Conselho Nacional de Educação (CNE) Foto: arquivo pessoal
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