Eu, Estudante

ARTIGO

Mulheres negras são 29% da população brasileira, mas apenas 3% da liderança corporativa

Entre o que fomos e o que somos, ecoa uma pergunta incômoda e necessária: o que mudou e o que seguimos fingindo que mudou?

Por Liliane Rocha*

Segundo o estudo Diversidade, Representatividade e Percepção – Censo Multissetorial da Gestão Kairós, ainda que mulheres negras representem 29% da população brasileira, elas ocupam apenas 3% dos cargos de liderança nas empresas, do nível de gerência e acima. Esse dado escancara um abismo estrutural que persiste mesmo em tempos de discursos sobre equidade, ESG (ambiental, social e governança) e responsabilidade social.

No Brasil, a data ganhou reconhecimento oficial em 2014, com a inclusão do Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra no calendário brasileiro. Tereza foi uma liderança quilombola do século 18, que comandou o Quilombo do Quariterê em Mato Grosso após a morte de seu companheiro. Sob sua liderança, negros e indígenas resistiram à escravidão por décadas.  
Embora a história de Tereza tenha sido silenciada e apagada, ao menos uma vez por ano conseguimos parar e reforçar o papel da mulher negra como líder e estrategista. Um papel que é até hoje subtraído do campo simbólico da população brasileira, de tal forma que mulheres negras que chegam à liderança são raras Mulheres negras são 29% da população brasileira, mas apenas 3% da liderança corporativa Entre o que fomos e o que somos, ecoa uma pergunta incômoda e necessária: o que mudou e o que seguimos fingindo que mudou? ARTIGO Por Liliane Rocha, CEO e fundadora da Gestão Kairós e autoria do livro Como ser uma liderança inclusva e ainda tratadas como fenômeno. Mas nossa discussão não se encerra em um dia do ano. 
Se, por exemplo, eu lhe perguntar o nome de uma mulher negra CEO (Chief Executive Officer), em grandes empresas com faturamento acima de 1 bilhão, você provavelmente terá muita dificuldade de mencionar sequer uma, seja no Brasil, seja globalmente. Eu sempre gosto de lembrar da Taciana Medeiros, CEO do Banco do Brasil. 
Nesse cenário marcado pela invisibilidade, a pesquisa “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil” revela dados alarmantes: entre 2024 e 2025, 21,4 milhões de brasileiras foram vítimas de algum tipo de violência. Entre elas, 37,2% das mulheres negras. 
Aonde quero chegar com esse paralelo? Há uma constatação fundamental:  a violência contra a mulher constitui qualquer ação ou conduta que cause danos baseada no gênero, seja pela supressão de oportunidades no mercado de trabalho, seja pela negação de segurança física, psicológica ou financeira. E há, nesse cenário, um recorte racial que não pode ser ignorado. 
A boa notícia é que temos avançado! Este mês, tive a honra de participar de um painel da Vivo, empresa de telefonia, com foco no Julho das Pretas, no qual a liderança teve uma ideia inusitada: o auditório seria todo composto por uma plateia de mulheres negras, profissionais da empresa. A situação foi completamente inusitada para mim. Em 20 anos de carreira, sempre que falo sobre diversidade e inclusão em grandes empresas, a plateia é majoritariamente composta por pessoas brancas, e em geral por homens. Nunca havia tido a oportunidade, reforço, dentro de grandes empresas, de falar com uma plateia tão feminina e tão preta. 
Esse momento foi um símbolo poderoso de que estamos, embora não em todas as empresas, mas em muitas delas, no caminho certo, pensando em diversidade e inclusão como justiça social, mas também como estratégia de negócio. Afinal, se 29% da população é composta por mulheres negras e, segundo estudo da Locomotiva, a população negra tem um potencial de consumo estimado em R$ 1,9 trilhão por ano, é coerente presumir que ter profissionais negros dentro das empresas, construindo a sua estratégia de negócios e cultura corporativa, é um aspecto de inteligência de mercado.