De Taguatinga para os EUA: sonho que virou luta e conquistas
De uma pequena empresa no centro de Taguatinga, hoje, com o marido Leandro Vale e três filhos, Luciana Alves torna-se empresária de sucesso e com condecorações em Orlando, nos Estados Unidos. "O meu coração e a minha intuição nunca falharam."
postado em 07/09/2025 06:00 / atualizado em 07/09/2025 06:00
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em Orlando, nos Estados Unidos. - (crédito: Carol Rodrigues)
Marcelo Abreu — Especial para o Correio - O cheiro do tíner que exalava na serigrafia dos pais, em Taguatinga, está tatuado no melhor das suas memórias de infância. “Gosto até hoje”, diz. Ela contava 6 anos. O cheiro se transformou em destino, caminhada, mudança de vida, E um voo bem longe da cidade onde cresceu, estudou, casou-se e teve os dois primeiros filhos.
Essa é a história de Luciana Alves, hoje com 41 anos. Há sete anos, ela, o marido e agora os três filhos moram em Orlando, Estados Unidos. É ali que o cheiro que sempre a impregnou deu-lhe a certeza de que poderiam ficar e provar que imigrante, sobretudo latino, pode ser honesto, produzir, dar empregos e prosperar.
Em Taguatinga, a primeira gráfica
(foto: Arquivo Pessoal)
Para entender toda essa história, é preciso voltar no tempo. Os pais de Luciana sempre foram gráficos. Ela os acompanhava, enquanto eles trabalhavam. Curiosa, prestava atenção em tudo, de cada processo, mesmo sem entender muita coisa. Em princípio, tudo era lúdico para a menina curiosa. Até o barulho das máquinas produzindo.
A menina cresceu. Virou adolescente. Aos 14 anos, todo fim de ano, como a produção na serigrafia aumenta em razão de muitos pedidos, como embalar canetas e colocar nas caixinhas, ela chamava os amigos da escola onde estudava em Taguatinga. Luciana estudou em escolas públicas e apenas no ensino médio foi para uma privada, em Taguatinga mesmo.
“A gente fazia a maior farra. Era tudo muito gostoso quando nos reuníamos para ajudar os meus país. Ninguém tinha compromisso, era só diversão. Ia uma galera”, lembra. O lanche gostoso, certamente, era o que mais atraía aqueles adolescentes. E foi exatamente no ensino médio que toda essa história ganhou mais um capítulo. Lá, conheceu o parceiro que seguiu com ela nessa mudança de vida. Pai dos três filhos, Leandro Vale é o parceiro e sócio dela em todo o trabalho. Ali também descobriram que haviam estudado juntos na mesma escola, no ensino fundamental, mas não eram amigos. Mais: ele, criança, acompanhava o pai, gráfico na Impressa Nacional. E ficava impressionado com a impressão do Diário Oficial. Era mais uma das coincidências do jovem casal.
Mãe adolescente
Luciana foi criada em meio ao barulho e aos cheiros da gráfica dos pais. Aos 18 anos, tinha o próprio negócio. Hoje, aos 41, com o marido, tornou-se referência no segmento nos Estados Unidos
(foto: Carol Rodrigues)
Veio o ensino médio. Luciana, 15 anos, segundo ano; Leandro, 14, primeiro ano. O namoro ficou cada vez mais sério. Aos 16, ela engravidou. Ele, aos 15, seria pai. Os pais de Luciana decidiram que, por obrigação, ela não teria que se casar. Mas o namoro não se desfez. Cada um na sua casa. Ela, com os pais, em Taguatinga. Ele, em Ceilândia. “Ele me acompanhava nas consultas, ficou comigo o tempo todo”. Leandro estudava durante o dia e, à noite, ajudava o irmão num trailer de cachorro-quente em Taguatinga.
Nasceu o primeiro filho, Deram-lhe o nome de Lucas, para honrar a letra inicial dos pais. Aí, resolveram morar juntos. Com ajuda das famílias, alugaram um quarto dos fundos em Taguatinga. Ali, foram os primeiros meses de Lucas e dos pais adolescentes.
Capa da revista Brazil, em Orlando (EUA)
(foto: Arquivo Pessoal)
Aos 18, Luciana foi trabalhar, agora com horário para cumprir, deveres e direitos, na serigrafia dos pais dela. Ficava no setor de vendas. Leandro também, no mesmo setor. À noite, ele seguia no cachorro-quente do irmão. A adolescência logo teve que dar lugar à completa responsabilidade. Afinal, não eram mais dois. Agora, eles eram uma família. Aprenderam o suficiente para, logo, abrirem o próprio negócio.
No centro de Taguatinga, nasceu a Grafi Brindes, que executava serviços de papelaria, impressão digital, banner e adesivos. Lucas, o filho, deu os primeiros passos, literalmente, na empresa dos jovens pais. Luciana e Leandro seguiam trabalhando e fazendo planos. Dez anos depois, a família aumentou. Veio o segundo filho, Luan. E assim seguiram com mais responsabilidade. Havia, agora, mais uma criança para criar, prover e educar.
Início da mudança
Os filhos cresciam. A gráfica seguia com os seus trabalhos. Em férias, Luciana e Leandro resolveram fazer um cruzeiro de 10 dias pelo Caribe. Visitaram Miami e Orlando. Foi ali que a chave da mudança girou. Eles não viram nenhuma gráfica física. Tudo em Orlando, todos os serviços que eles executavam aqui, lá é feito pela internet. Ou seja, não havia um atendimento presencial, uma empresa física com portas abertas.
“A gente viu que poderia ser possível”, conta, Luciana. Mesmo um contador brasileiro, que vive em Orlando, a quem consultaram, ter lhes dito que o negócio que pensavam abrir por lá não teria sucesso.
Com Leandro no tempo de colégio: início de toda história
(foto: Arquivo Pessoal)
Decididos, abriram uma empresa apenas no papel. Lá, essas formalizações são menos burocráticas e mais rápidas do que no Brasil. Feito isso, regressaram. Certos de que daria certo, em 2018, Luciana levou os dois filhos à Disney. Juntaram todas as economias aqui e partiram. Leandro ficou trabalhando na gráfica em Taguatinga. Era preciso prover a família.
Com Leandro no tempo de colégio: início de toda história
(foto: Arquivo Pessoal)
Luciana, então, em Orlando, cidade com cerca de 300 mil habitantes, comprou um terreno por U$ 4 mil. Cinco anos depois, vendeu por U$ 27 mil. Com o dinheiro, alugou uma sala numa das melhores avenidas de Orlando. Mas, pelas leis americanas, seguia ainda como investidora. Em 2019, finalmente, Leandro também partiu. E se juntou a ela nesses investimentos.
Em 2023, finalmente, inauguraram a própria empresa, a Speed Max. Compraram equipamentos, aos poucos. Hoje, no total, são 16 máquinas, entre elas uma Mimaki, impressora japonesa, cujo investimento foi de U$ 27 mil, e uma impressora DTF. Esse conjunto maquinário executa vários tipos de serviços, como impressão em lonas, fachadas de prédios, laminação para adesivos de carros, corte a laser de MDF para painel, corte em metal e acrílico, gravações em acrílico, copos, impressão de banner e camisetas.
Loja Speed Max, em Orlando: sede própria
(foto: Carol Rodrigues)
Hoje, a Speed Max emprega cinco pessoas diretamente: um venezuelano, um cubano e três brasileiros. E mais 10 empregos indiretos. Além de contarem com duas outras empresas, que trabalharam em parcerias com eles. Tudo isso para atender a cerca de 75 clientes mensais, com vendas de 350 produtos, a um valor médio de U$ 310 cada. Entre esses clientes, estão empresas e cidadãos americanos e trabalhos para imigrantes como eles, que tentam a vida de forma honesta em Orlando. Há entre os seus muitos clientes, até o Parque da Disney, como trabalhos de adesivos, impressão para eventos e placas de sinalização para lanchonetes.
Mais filhos
Luciana, Leandro e os filhos Leon, Luan e Lucas: família cresceu
(foto: Arquico Pessoal)
Em Orlando, chegou o terceiro filho, Leon, hoje com cinco anos. E a família segue nos Estados Unidos, cada vez mais unida. Eles estão em situação regular de permanência, ou seja, o primeiro passo foi efetivado: o processo imigratório, que envolve toda a documentação necessária.
“Contratamos um advogado e enviamos a documentação necessária para a obtenção do Green Card, que é o segundo passo, o que permite um estrangeiro viver e trabalhar nos Estados Unidos. Essa etapa pode durar de três a seis anos”, explica Luciana. O terceiro e definitivo passo é a cidadania, que inclui provas de geografia dos Estados Unidos e língua inglesa.
Luciana e Leandro seguem trabalhando dia após dia em Orlando. Fazem planos, pretendem crescer mais ainda e provaram, a si mesmos, que poderiam ir além, como imigrantes, nestes tempos tão difíceis no mundo, sobretudo nos Estados Unidos.
Funcionários Javier Henrique, Leonardo Deyber, Andre Quirino, Leandro Vale, Luciana Alves, Nina Teotonio e Roberta Vilhena
(foto: Carol Rodrigues)
Em sete anos, só no ano passado, voltaram pela primeira vez ao Brasil. Vieram com os filhos e trouxeram Leon, para que a família o conhecesse. Reviveram histórias, andaram por Taguatinga, sentiram sabores, passaram pela porta da antiga empresa. E um filme de boas lembranças, o começo de tudo, povoou as lembranças deles.
E quando bate a saudade? “Muitas vezes, principalmente das festas juninas, mas aqui, num rancho perto, a comunidade brasileira se reúne para tentar matar a saudade da data”, conta ela. A speed Max, inclusive, ajuda no patrocínio. “O coração também aperta de saudade da família”, continua. Mas a internet e as redes sociais deixam tudo mais fácil de suportar.
E, assim, a saudade se ajeita da forma que pode. Pensa numa volta ao Brasil, definitivamente? “Não, voltar não está nos nossos planos. O mundo é tão grande”, planeja a moça, que fez da coragem e determinação sua meta de vida. “No começo, com as muitas dificuldades que enfrentamos, algumas vezes pensamos em voltar”, confidencia Leandro, marido e pai dos três filhos, o parceiro e grande amigo desde os 14 anos. “Colocamos o orgulho no bolso e decidimos seguir aqui e lutar”, diz.
Leandro Vale e Luciana Alves: parceria na vida e no trabalho
(foto: Arquivo Pessoal)
Hoje, com uma cartela de clientes e o reconhecimento deles com os serviços prestados, Luciana Alves e Leandro Vale seguem expandindo os negócios, criando possibilidades e com a vontade de crescer mais ainda em Orlando, cidade onde existem cerca de 500 empresas geridas por brasileiros, cada um no seu ramo.
No dia 30 de agosto passado, no Hard Rock Café, na Times Square, em Nova York, Luciana recebeu o troféu de ouro na cerimônia Notáveis Awards, uma das principais premiações destinadas aos brasileiros que se destacam no exterior. A premiação contou com a presença da rainha consorte Angelique-Monet, da Nigéria, que nasceu nos Estados Unidos. “Me senti profundamente reconhecida. Cada luta e cada passo de determinação tornaram-se mais leves porque tive ao meu lado o companheirismo do meu marido, a base sólida que recebi dos meus pais e o apoio constante dos meus filhos”, reflete Luciana.
Bem antes, ela foi capa da revista Mulher Brazil, em julho de 2024, publicação destinada por brasileiros para brasileiros. Numa reportagem de cinco páginas, a história de luta, trabalho e sucesso. Com a família reunida, numa casa espaçosa, com quatros quartos, ainda alugada, cerca de 20 minutos da empresa, o casal segue lutando dia a dia. Lucas, o filho mais velho, está com 23 anos; Luan, 13, e Leon, nascido em Orlando, cinco. “O Lucas é gerente em uma empresa de itens retornáveis da Amazon. Fala inglês e espanhol fluentemente”, orgulha-se a mãe. Luan e Leon estudam e dominam bem o inglês. Luciana, inclusive, quando foi para os Estados Unidos, falava inglês, que começou a estudar desde cedo. Leandro ainda não fala com fluência em inglês, mas se vira bem no espanhol.
Intuição certeira
Luciana na premiação organizada pelo Brazilian Times Newspaper, no Hard Rock Café, na Times Square
(foto: Arquivo Pessoal)
Essa história é feita de sonhos. O sonho virou luta, não ficou sobre a cama. Ela anteviu. Ele a incentivou e segurou a mão dela o tempo todo. Deu-lhe asas. Ela voou. “Meu coração e minha intuição nunca falharam”, emociona-se Luciana. Leandro aproveita para dar um conselho a quem pretende fazer hoje o mesmo nos Estados Unidos: “Planejar que tipo de negócio, pesquisar bem, esperar e vir no momento certo. Viemos ainda a tempo, hoje a economia não está favorável”
No fim da entrevista, indago se Luciana tem a noção de quão corajosa ela foi por ter deixado toda uma vida construída aqui, ir na frente, com os dois filhos, e começado tudo novo num país que não é seu. Normalmente, via de regra, a mulher fica e o marido vai primeiro. Ela pensou e refletiu: “Você me fez pensar numa coisa que nunca tinha me dado conta. Realmente, foi muita coragem”. Histórias também são feitas de coragem. Às vezes, muita.
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