Mercado de trabalho

Habilidades interpessoais estão sendo mais valorizadas

Saiba por que essas competências — criatividade, resiliência, flexibilidade, capacidade de aprendizagem contínua, liderança e pensamento analítico — estão sendo mais valorizadas no mercado de trabalho

EuEstudante
postado em 21/09/2025 06:00 / atualizado em 21/09/2025 06:00
. -  (crédito: Divulgação / Instituto Ayrton Senna)
. - (crédito: Divulgação / Instituto Ayrton Senna)

Entrevista | FILIP DE FRUYT | pesquisador internacional

O pesquisador internacional Filip De Fruyt, referência  mundial em competências  socioemocionais, conversou com o Correio sobre como essas habilidade se conectam com à saúde mental dos estudantes e à empregabilidade. “Com a automação e a inteligência artificial assumindo determinadas funções, as habilidades interpessoais também serão ainda mais valorizadas: olhar para os problemas sob diferentes ângulos, comunicar-se, construir consensos, confiar, lidar com opiniões divergentes. É improvável que chatbots substituam todos os trabalhos que exigem contato humano. Ao contrário, este é um campo em que sempre faremos a diferença, então precisamos investir em boas competências interpessoais”, disse Filip De Fruyt, que é professor de psicologia diferencial e avaliação da personalidade na Universidade de Ghent, na Bélgica. Ele foi cofundador do eduLab21 do Instituto Ayrton Senna e membro de seu conselho científico. Sua pesquisa foca no desenvolvimento de competências para a educação e o mercado de trabalho, com publicações em periódicos acadêmicos, além de palestras e workshops aplicados.  

Quais são as habilidades que o senhor considera essenciais atualmente para quem busca se destacar no mercado de trabalho?
Hoje, os empregadores precisam avaliar suas equipes em quatro indicadores principais: 
» desempenho em tarefas: a pessoa consegue realizar o que está na descrição do cargo?; 
» desempenho contextual (interpessoal): como ela funciona em equipe e colabora com os outros?; 
» desempenho adaptativo: quão flexível ela é quando a situação muda (por exemplo, chega um novo supervisor, surgem novos clientes, é necessário trabalhar de casa etc.) 
» desempenho em aprendizagem: o que as equipes aprendem e como expandem suas habilidades para garantir sua empregabilidade? 
Durante muito tempo os empregadores focaram apenas no desempenho em tarefas. Diante da realidade socioeconômica em rápida transformação, fica claro que é necessário ampliar esse escopo, refletindo as novas exigências que existem para quem se aproxima do mercado de trabalho. Hoje, raramente alguém é demitido por não conseguir cumprir as tarefas, mas sim por problemas relacionados ao desempenho interpessoal e adaptativo. O desempenho em aprendizagem é o item mais recente na agenda. 
É evidente que as habilidades socioemocionais são fundamentais para os quatro tipos de desempenho. Conectar-se com os outros, ter empatia e confiança são cruciais para o desempenho interpessoal. Curiosidade para aprender e persistência são ingredientes necessários para o desempenho em aprendizagem. Ter mente aberta e saber gerenciar as emoções é essencial para lidar com mudanças e adaptações. Se você for fechado e dominado pela ansiedade quando a situação muda, estará perdido. 
Olhando para frente, quais competências ganharão mais relevância no futuro próximo? 
Dada a velocidade das mudanças e dos desafios, todas as competências ligadas à adaptação e à aprendizagem se tornarão ainda mais importantes, além da familiaridade com tecnologias e TI. Para se adaptar, é preciso primeiro regular as emoções. Se você entra em pânico quando algo muda no trabalho (reestruturação, novo CEO, nova máquina para operar etc.), ficará travado. Depois disso, precisa de curiosidade e criatividade para explorar opções e oportunidades, além de persistência para aprender e se adaptar. Adaptação não acontece sem esforço. 
Com a automação e a inteligência artificial assumindo determinadas funções, as habilidades interpessoais também serão ainda mais valorizadas: olhar para os problemas sob diferentes ângulos, comunicar-se, construir consensos, confiar, lidar com opiniões divergentes. É improvável que chatbots substituam todos os trabalhos que exigem contato humano. Ao contrário, este é um campo em que sempre faremos a diferença, então precisamos investir em boas competências interpessoais. 
Como a educação pode preparar os jovens para desenvolver essas competências de forma consistente? E qual o papel do Brasil nesse movimento? 
As salas de aula são ambientes socioemocionais, então este é o lugar ideal para praticar e desenvolver esse repertório. Há três pontos principais: 
Os estudantes precisam ter mais consciência sobre suas próprias competências, e isso começa com um vocabulário que permita nomear e identificar o que está em jogo. Sem linguagem construída, não se aprende nem se comunica sobre pontos fortes e aspectos a desenvolver 
É necessário prática e apoio. Isso pode vir de mini-intervenções ou de atividades cotidianas em sala de aula, desde que de modo estruturado e intencionalmente planejadas para esse fim. 
Problemas sempre podem acontecer e fazem parte da vida, portanto é benéfico que os estudantes tenham oportunidades para aprender sobre como superar seus desafios. Se alguém te deixa desconfortável em alguma situação, é preciso ativar o senso de respeito e assertividade para agir e/ou buscar ajuda, se necessário. 
O currículo deve contemplar esse conjunto de habilidades, para que os estudantes saiam da escola com uma espécie de “caixa de ferramentas” bem equipada, de forma que as tenham em mãos em diferentes contextos caso queiram lançar mão delas. A BNCC inclui várias dessas competências, o que é um grande avanço. Parabéns, Brasil! 
Muitos jovens relatam dificuldades em manter a persistência e lidar com situações de estresse. O que escolas e empresas podem fazer para apoiar esse desenvolvimento? 
Não tenho certeza se há uma grande diferença geracional nesses aspectos. O que mudou é que hoje as pessoas falam mais abertamente sobre isso. Não é incomum ver alguém no LinkedIn ou em uma entrevista de emprego comentar sobre burnout ou bore out — algo impensável cinco ou 10 anos atrás. Claro que também estamos em um ambiente com muito mais estímulos e distrações, como redes sociais e uso indiscriminado dos celulares. 
O que escolas e empresas podem fazer? 
Redesenhar ambientes para reduzir estímulos e facilitar a concentração. Na minha universidade, por exemplo, há espaços designados para estudo sem celular, e algumas empresas criam áreas silenciosas de trabalho. Jovens também precisam de apoio para estruturar melhor seus estudos em casa. Muitos superestimam o tempo dedicado. Pensam que estudaram duas horas, mas na prática gastaram metade desse tempo com distrações. 
Apoiar adolescentes no gerenciamento das emoções. Nossos estudos mostram que meninas estão em situação mais crítica em relação a isso, refletida nos muitos casos de transtornos alimentares e automutilação. Habilidades de regulação emocional são primordiais. Sem bem-estar, não há aprendizado eficiente. 
O senhor vê diferenças entre as competências mais valorizadas no Brasil e na Europa, ou estamos caminhando na mesma direção? 
Há diferenças, mas também muitos pontos em comum. Diferenças: 
A situação do mercado de trabalho é bem distinta. Na Bélgica, 75% das pessoas de 25 a 64 anos estão empregadas, contra 56% no Brasil. O desemprego é de 3-4% na Bélgica e 8% no Brasil. Além disso, 21% das pessoas entre 25-64 anos na Bélgica são inativas (cronicamente doentes, cuidando dos filhos, em trabalho parcial etc.), enquanto no Brasil são 36%. Na Bélgica, empregadores precisam ativar inativos. No Brasil, ainda é possível ser mais seletivo. O grande desafio brasileiro está no contingente de cerca de 40 milhões de pessoas entre 50 e 67 anos, cuja formação ocorreu há 30 anos, mas que ainda precisam se manter ativas. Como prepará-las? Essa é uma questão crucial para formuladores de políticas públicas 
Semelhanças: 
Em uma economia global, precisamos de uma base comum de competências. Nosso trabalho com a OCDE e o Instituto Ayrton Senna ajudou a consolidar essa visão. Importante: não se trata de substituir conhecimento por competências, mas de combinar ambos. 
Outro desafio global é preparar pessoas para carreiras que podem durar 45 anos ou mais. Essa é talvez a maior questão de todas. Manter a empregabilidade sustentável exigirá grandes esforços conjuntos de escolas e organizações. 
Um outro desafio, em todo o mundo, diz respeito à aprendizagem ao longo da vida e ao desenvolvimento contínuo de novas habilidades (reskilling e upskilling) como eixo central, à inevitabilidade de trajetórias de carreira não lineares, à importância de que as pessoas cuidem do próprio bem-estar e propósito — e não apenas da empregabilidade (uma mudança de sistema de crenças) —, bem como à transformação sistêmica em que a empregabilidade passa a depender da adaptabilidade, e não apenas da resistência ou da permanência. Tudo isso requer esforços da educação e das organizações. 
Como a saúde mental se conecta ao tema das competências do futuro? Que espaço deve ocupar nas agendas de empresas e escolas? 
Bem-estar e saúde mental são pré-condições para aprender ou trabalhar bem. A “caixa de ferramentas” que defendemos inclui habilidades para lidar melhor com emoções. Enfrentar frustrações, perdas e inseguranças é parte essencial da vida. Precisamos preparar os estudantes para isso, em vez de impedir que eles sejam expostos a desafios – desde que com o devido apoio. 
Se tivesse que apostar em uma única competência decisiva para jovens que ingressarão no mercado em 2030, qual seria e por quê? 
Seria imprudente escolher apenas uma. Situações mudam abruptamente: pandemia, guerras, crises econômicas. O melhor caminho é um conjunto amplo e diversificado de competências. Se apenas uma fosse decisiva, viveríamos em uma sociedade assustadora e pouco adaptável. A diversidade de habilidades é a chave.  

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