O livro revela nove perfis inspiradores de gestores de grandes empresas brasileira, além de propor estratégias para presença e permanência de profissionais negros em espaço de poder
postado em 02/11/2025 06:00 / atualizado em 02/11/2025 06:00
Talita Matos e
Eliezer Leal: autores
- (crédito: Fotos: Divulgação/Singuê)
Ao apresentarem o livro Carreiras Negras: estratégias para construir presença, poder e permanência, Talita Matos, 41 anos, e Eliezer Leal, 46, dois executivos negros que conquistaram posições estratégicas no espaço corporativo, declararam: “Dedicamos este livro aos que vieram antes de nós, àqueles que lançaram nesta terra suas mãos, sua força, sua criatividade e suas inteligências. Com elas, construíram as bases deste país, mesmo quando não lhes foi permitida a autoria”
A dedicatória do livro Carreiras negras: estratégias para construir presença, poder e permanência é a abertura, em tom forte e com teor histórico, de uma obra que, por meio de uma análise histórica e social, retrata a história de homens e mulheres que romperam uma lógica corporativa que limita o progresso de profissionais a partir de características raciais. O casal de empresários atua há cerca de quatro anos no ramo da consultoria estratégica, atendendo empresas que buscam desenvolver o tema da equidade por meio do desenvolvimento de soluções que tornam a inclusão, o pertencimento e o impacto social partes essenciais das decisões organizacionais.
Eliezer conta que, ao longo do funcionamento da consultoria, aberta em 2021, eles foram percebendo que apenas contratar profissionais já não fazia mais sentido. Apesar da importância, queriam pensar em soluções de desenvolvimento das empresas para que pensassem na transformação cultural do ambiente por meio de uma cultura antirracista, da promoção de equidade racial, da inclusã. “Ao mesmo tempo, queríamos que a chegada fosse permanente, que pudessem chegar e construir um espaço”, completa Talita.
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(foto: Divulgação/ Singuê)
Carreiras Negras: estratégias para construir presença, poder e permanência Editora:Jandaíra Número de páginas: 152 Preço: 60
As experiências sustentam as páginas do Carreira negras, que conta, ainda, com nove relatos de executivos e executivas negras de grandes corporações. “Escrevemos sobre o que acontece quando um número maior de pessoas negras tem acesso ao ensino superior, entra no mercado no mercado corporativo, começa a receber e a ter acesso a novos níveis salariais e começa a ter um espaço de participação dessas empresas cada vez mais robusto”, resume a escritora.
Para trabalhar o prefácio, escolheram o escritor e professor de filosofia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Renato Nogueira, que foi professor de mestrado de Talita. Nogueira descreve o livro como “uma cartografia para a travessia profissional da população negra em territórios hostis de racismo estrutural”, além de sugerir ao leitor que não se trata de um manual de carreira, linear e progressivo, mas, sim, de “um rito” e “um ritual de passagem que entrelaça memória e futuro”.
Um sonho de se tornar caminhoneiro
Claudionor Alves, diretor executivo de equidade racial, relações institucionais e inclusão &diversidade no Carrefour Brasil
(foto: Divulgação/ Singuê)
Pioneiro em muitos aspectos da sua vida, no que se refere a família, Claudionor Alves foi o primeiro a aprender inglês, conquistar um diploma universitário, ter uma carreira executiva e viajar para o exterior. O homem que hoje ocupa a posição de diretor executivo de equidade racial, relações institucionais e inclusão & diversidade no Carrefour Brasil saiu da Bahia ainda jovem e apenas com os quatro primeiros anos do fundamental completos com destino a São Paulo.
No trecho que conta a respeito da vida e do que passou até chegar ao cargo atual. Ele morava em um sítio e sonhou em se tornar caminhoneiro. Dessa forma, iniciou no mundo do trabalho como cobrador de ônibus, pensando em se tornar motorista para com o intuito de realizar o sonho. Claudionor conta que essa não foi uma tentativa bem-sucedida e, logo após, pensou em se tornar policial, para isso resolveu concluir os estudos, mas a ideia também não foi pra frente. Até que passou a ser vigilante em uma multinacional, e foi lá que abriu os olhos para o mundo corporativo após receber uma proposta de promoção de cargo. Então, começou aos 35 anos a faculdade de administração e, aos 39, havia concluído e já estava em um cargo de liderança dentro de uma grande empresa.
Ao revelar as estratégias utilizadas para o sucesso profissional, Claudionor cita a persistência e resiliência diante das negativas, a importância de verbalizar os objetivos de carreira em alto e bom som, a construção do legado para o impacto intergeracional, a ocupação política de espaços corporativos e a necessidade de cultivar uma rede de apoio tanto fora quanto dentro da corporação.
A não romantização do mundo corporativo
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(foto: Divulgação/ Singuê)
Aline Lima, head de diversidade, equidade e inclusão para a América Latina em uma multinacional de bens de consumo, afirma ter tido, no início da carreira, um “chá revelação” de consciência racial. Antes disso, diz, “era muito infeliz porque falavam mal da minha cor, do meu cabelo, do meu nariz. E odiava ser uma mulher negra”.
Filha de metalúrgico do ABC Paulista e militante, nunca pensou em seguir o mesmo caminho, mas, com o AVC do seu pai, precisou abandonar a carreira consolidada no interior de São Paulo para estar perto e cuidar dele. Foi ai que Aline passou a atuar como advogada trabalhista no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e expandiu a mente sobre assuntos de cunho social e racial.
O “chá revelação” acontece em um momento em que Aline percebe que quando atuava no escritório de advocacia, mesmo que seu trabalho fosse reconhecido, diversas vezes foi chamada para mudar o corte de cabelo, rever os tons das roupas que usava e graças a isso, se sentia inadequada para o local, mas quando fez a transição para o sindicato, começou a lidar com grupos representativos de minorias, pessoas ligadas aos direitos humanos, uma nova realidade se descortinou e mudou as perspectivas.
Entre suas estratégias apresentadas para garantia do sucesso em grandes empresas estão: entregar muito para receber ainda mais, gestão da energia emocional, alianças inter-raciais e um ponto ideal entre a ancestralidade e o perfil pessoal.
Local de privilégios a superação dos preconceitos
Roberta Anchieta
(foto: Divulgação/ Singuê)
Diferentemente de Claudionor, Roberta Anchieta, diretora no Itaú Unibanco, cresceu em uma família bem sucedida, em que seu pai tinha três graduações, mestrado e doutorado em econometria, além de trabalhar em um grande banco. Roberta sempre quis atuar no mercado financeiro, estudou em boas escolas e, aos 8 anos, já fazia aulas de inglês.
Desde jovem, foi encorajada a seguir a carreira que a fizesse feliz e viveu em ambientes elitizados. Apesar da boa vida, ela e Claudionor enfrentaram um inimigo em comum: o preconceito racial. Rebeca deixa claro, em seu relato, que, apesar dos privilégios que a cercavam em sua infância, também teve que enfrentar muitas barreiras impostas pelo racismo.
Os preconceitos não foram suficientes para impedir Roberta de chegar ao cargo de diretora em uma grande empresa. Desse modo, ela sugere que estratégias como foco ininterrupto na formação, resiliência diante do racismo, responsabilidade coletiva, autoconfiança inabalável e aceitar os feedbacks que levam a evolução são a chave para a evolução profissional.
Furando a bolha da desigualdade
Welligton Silvério
(foto: Divulgação/ Singuê)
O diretor sênior de recursos humanos na John Deere, Wellington Silvério, para conquistar seu espaço profissional, tomou desde a faculdade de psicologia algumas atitudes que se diferenciavam dos demais estudantes. Segundo ele, não tinha a mesma consciência racial que hoje, mas, ao iniciar o curso, em salas de 120 alunos, percebeu que havia apenas seis estudantes negros em cada turma. Com isso, resolveu iniciar os estágios logo cedo para adquirir experiência profissional e se destacar em meio aos demais.
Para que se destacasse, o diretor tem como dicas estratégicas a intuição e a razão atuando juntas nas decisões, um posicionamento como igual, uma leitura de ambiente e jogo político com elegância e querer sempre mais na carreira.
Com essas dicas, dedicação e desempenho, Wellington logo tornou-se uma figura de grande valor nas organizações para humanizar processos e espaços. Foi indicado a se tornar gerente jurídico de recursos humanos em uma pequena empresa italiana com 900 funcionários, onde conseguiu colocar em prática muitos de seus objetivos como gestor de RH.
Enquanto atuava na empresa italiana, houve uma fusão entre empresas com uma grande multinacional, segundo ele, esse momento foi crucial para perceber que seu papel era fazer com que os funcionários, que seriam demitidos ou transferidos para uma cidade do interior paulista paulista, fossem acolhidos, bem-informados e apoiados pela empresa. O modo como trabalhava chamou atenção de alguém do alto escalão, a partir disso, foi agraciado com aulas de inglês, pagas pela própria empresa, e enviado aos Estados Unidos para conhecer mais da firma e aprimorar a língua estrangeira. Segundo ele, foi assim que sua carreira “decolou”
Apesar do sucesso, Wellington não ficou isento dos preconceitos, cita inclusive uma situação em que em uma premiação que estava representando a empresa, seguranças o retiraram da fila de agraciados, segundo ele, por não o acharem capaz de estar ali na figura que representa uma grande empresa americana.
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