Coluna Saber

O fracasso de ser feliz no trabalho

Não é o mercado de trabalho que precisa mudar (sua natureza não é nos realizar), mas sim as nossas expectativas sobre o papel da carreira em nossas vidas

Ana Machado
colunista
postado em 09/11/2025 06:00 / atualizado em 09/11/2025 06:00
TRA-0911-colunasaber -  (crédito: maurenilson)
TRA-0911-colunasaber - (crédito: maurenilson)
 
E se a promessa de ser feliz no trabalho for uma armadilha moderna? Não se realizar plenamente por meio da profissão não é sinal de fracasso ou inadequação — é, na verdade, o que a maioria de nós encontrará no mercado de trabalho. 
Há um senso comum, e verdadeiro, de que a satisfação é o resultado da realidade menos a expectativa. Quanto maiores são os nossos anseios e o que esperamos receber de algo ou alguém, maiores também são as chances de frustração. O que vem acontecendo com a nossa vida profissional nos últimos anos é exatamente isso: as expectativas cresceram, mas a realidade do mercado de trabalho não acompanhou o mesmo ritmo. 
Os meus avós, e até os meus pais, esperavam um trabalho que permitisse pagar as contas e sustentar a família, exercendo uma função condizente com seu conhecimento e experiência. Para além disso, não havia grandes anseios sobre o papel da profissão em suas vidas. 
Já a minha geração cresceu com outra narrativa. Fomos ensinados de forma explícita — e, às vezes, implícita — que o trabalho deveria proporcionar independência financeira, sucesso, realização pessoal e expressão individual. Mais tarde, adicionamos novas camadas a essa equação: ele também deveria ter propósito, causar impacto positivo no mundo e ser satisfatório em cada etapa da jornada, não apenas no resultado final. 
Resumindo, esperamos amar o que fazemos, com quem fazemos, ganhar bem, causar impacto e ainda sentir prazer no processo — de preferência antes dos 40 anos. Mas será que o trabalho, que nunca existiu para nos fazer felizes, pode realmente nos entregar tudo isso? E, se puder, é possível obter todos esses elementos ao mesmo tempo? 
Vivemos uma ilusão de que encontraremos um cargo “perfeito”, capaz de equilibrar dimensões complexas e mutáveis da nossa identidade: como gostamos de trabalhar, com quem queremos colaborar, o que queremos fazer, como desejamos contribuir e quanto queremos ganhar. Pela minha experiência pessoal — e observando amigos e colegas com boa formação e bons salários — percebo que não é o mercado de trabalho que precisa mudar, (sua natureza não é nos realizar), mas sim, as nossas expectativas sobre o papel da carreira em nossas vidas. 
Podemos dividir a satisfação profissional em quatro dimensões principais: realização material (ganhos financeiros), reconhecimento profissional, propósito (contribuição com o mundo) e satisfação pessoal (gostar do que se faz e com quem se faz). 
Encontrar as quatro em um mesmo trabalho, na medida certa, é uma busca fadada à frustração. Às vezes, conseguimos reunir a maior parte desses elementos; outras vezes, apenas um ou dois. E tudo bem. A sabedoria está em escolher conscientemente o foco de cada fase da vida — entendendo o preço de cada escolha. 
Os caminhos para lidar com a frustração são múltiplos. O primeiro é ajustar as expectativas, tendo clareza sobre as possibilidades e limitações de um cargo. 
O segundo é canalizar nossos anseios para diferentes esferas: o propósito pode vir de um trabalho voluntário; o prazer, de um hobby; a estabilidade, de um emprego menos inspirador, mas mais previsível. 
Esses novos equilíbrios nos mantêm conectados com quem realmente somos. Também precisamos de uma mudança de paradigma: dar menos importância ao que fazemos para ganhar a vida e mais ao que fazemos para viver.
Sonhos, vínculos e prazeres, muitas vezes, florescem fora do expediente. Valorizar momentos com a família, os amigos, o ócio e as pequenas alegrias cotidianas pode ser o gesto mais revolucionário — e necessário — para aumentar a satisfação não apenas com o trabalho, mas com a vida como um todo. 

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