Neurocientista

Mau uso da internet e tecnologia pode afetar anatomia do cérebro

Em entrevista exclusiva ao Correio, o neurocientista Fabiano de Abreu diz que o mau uso da internet provoca traumas emocionais ou psicológicos entre os jovens nos ambientes corporativos e de estudo

Millena Gomes*
postado em 10/04/2022 06:00 / atualizado em 10/04/2022 06:00
Dr. Fabiano de Abreu, palestra sobre o mau uso da internet -  (crédito: MFPress Global)
Dr. Fabiano de Abreu, palestra sobre o mau uso da internet - (crédito: MFPress Global)

A quarta edição da Campus Party Brasília (CPBSB4) trouxe uma programação intensa e encantadora aos olhos de quem é apaixonado por tecnologia. O evento, que ocorreu em março, contou com a presença do palestrante neurocientista Fabiano de Abreu, especialista em desenvolvimento humano. Ele foi convidado a palestrar sobre diversos assuntos, entre eles, o mau uso da internet e sobre como a tecnologia pode afetar o futuro e também provocar traumas emocionais ou psicológicos entre os jovens nos ambientes corporativos e de estudo.

Com quociente de inteligência (QI) superior a 180, Abreu faz parte da International High IQ, Mensa International e Intertel, sociedades voltadas para pessoas de alto QI. Em janeiro deste ano, ele entrou para a Triple Nine Society (TNS), conhecida por ser bastante restrita e aprovar somente quem tiver QI superior a 99.9 pontos percentuais ou 155.Com dupla cidadania, portuguesa e brasileira, o carioca é considerado uma das pessoas mais inteligentes do mundo. Ph.D. em neurociências, também doutor e mestre em ciências da saúde nas áreas de neurociências e psicologia, licenciado em biologia e história.

O seu percurso na neurociência fica marcado pela descoberta da Inteligência DWRI, sendo que Abreu foi o precursor no conceito de que a internet está deixando as pessoas menos inteligentes. Além disso, o professor foi responsável por desvendar o comportamento da sociedade brasileira como um coletivo de transtornos dramáticos não generalizados, criando duas terapias, entre outros conceitos. É membro da Society for Neuroscience, maior sociedade de neurociências do mundo sediada nos Estados Unidos e da Redilat, rede de investigadores para América Latina. Confira a entrevista concedida por ele ao Correio:


A internet está passando pela maior revolução desde sua criação - metaverso, blockchain, cripto.. -, uma revolução na forma que usamos a rede mundial de computadores. Como isso pode afetar o trabalho?

Pode afetar o psicológico. O virtual tem limites, nosso cérebro não se adaptaria a ele da maneira como se imagina. A morte é real e a ansiedade está relacionada ao instinto para sobrevivermos. Logo, essa vida virtual sem medida, sem equilíbrio, vai causar mais impacto mental do que as redes sociais vêm causando, já que estamos condicionados ao real.

Como os profissionais poderão se preparar para encarar a Web 3.0?

Há um potencial de fornecer utilidade e autonomia. Mas toda melhoria também tem como propósito prender a atenção do usuário. Temos que conseguir formatar uma cultura em que as pessoas saibam medir, diferenciar e regular o tempo de uso da internet para uma melhor saúde mental. Não somos androides, somos orgânicos, temos necessidades reais, entre elas, de suprirmos o que está determinado em nosso código genético.

Quais os riscos das redes sociais para a inteligência, de transtornos e de doenças mentais?

As redes sociais causam hiperatividade em regiões do cérebro, diminuindo sua anatomia. Os transtornos estão relacionados a essa mudança anatômica. Também há risco de depressão. A cultura das redes sociais formata uma personalidade que é semântica ao virtual, mas nosso organismo não está preparado para isso.

Como o senhor avalia, como neurocientista, o impacto da pandemia sobre os trabalhadores?

A pandemia aumentou a ansiedade e os fatores desse aumento estão de acordo com a mudança da rotina. Provocou a sensação de dependência, de estar faltando alguma coisa. As pessoas não estão acostumadas a mudar o hábito. Por mais que tentem ser negacionistas, a própria covid-19 é uma razão. A pressão no trabalho aumenta para recuperar o tempo perdido. As empresas fazem uma pressão maior em cérebros que estão ansiosos demais. Ou seja, isso atrapalha. Pode resultar numa síndrome de Burnout, por exemplo.

Como a tecnologia pode afetar ou auxiliar na saúde mental dos trabalhadores?

A tecnologia tem relação com o mau uso da internet. Se você usa a tecnologia para acessar as redes sociais para poder entrar em um ciclo de recompensa, vai aumentar a ansiedade. Tudo é a maneira como se utiliza a tecnologia. O software que o trabalhador usa precisa ser feito também pensando nas condições de trabalho dessa pessoa, como ela o opera e as chances que tem de acessar outras páginas que vão afetar a saúde mental.

A possibilidade de cargos na área de tecnologia no mercado de trabalho é extensa. É possível que, daqui a alguns anos, esses cargos sejam extintos ou substituídos?

Tudo ao longo da vida muda. Para tudo existe uma adaptação. E o nosso desenvolvimento depende dessa adaptação. A teoria evolucionista tem questões que, no meu ponto de vista, são muito assertivas. Precisamos entender a que temos que nos adaptar, "dançar conforme a música". Hoje, um emprego na área de TI é um presente futuro. E as pessoas que estão na tecnologia acabam se adaptando. Hoje, você trabalha na tecnologia que pode ser útil. Amanhã, não mais. Por outro lado, você se adapta mais fácil à nova evolução. Trabalhar na tecnologia, hoje, é você prevenir o futuro.

Qual a sua maior preocupação, hoje, sobre a tecnologia e a nova geração?

Minha maior preocupação, hoje, é com o que está acontecendo. Nós temos dados científicos mostrando que há aumento do Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade, como escrevi no artigo científico: "Vivemos um coletivo de transtorno de personalidade dramática", publicado neste ano. Estamos vivendo esse coletivo que é comprovado nas próprias atitudes, no narcisismo, no vitimismo e no negacionismo. São comportamentos de pessoas que se enquadram nesses transtornos. O transtorno de narcisista, síndrome de Borderline, tem muito desse comportamento. Isso se acentuou por causa da pandemia, pois tem relação direta com a ansiedade.

Essas avaliações teriam relação com o metaverso de Zuckerberg?

Outra preocupação é justamente o metaverso. Eu falo que o Mark Zuckerberg passou dos limites. Ele não só está desesperado por causa da concorrência, como está agora propagando o metaverso. Isso vai prejudicar ainda mais o cérebro das pessoas. Não é que eu seja contra o metaverso, mas como ele vai ser usado. Essa ideia de vivermos uma vida inteira virtual não está de acordo com nosso próprio código genético, com o nosso instinto. Porque existe uma coisa que é real: a morte. O nosso instinto vai ser desde quando a morte é real. Ou seja, a gente se preocupa com coisas reais que possam nos matar. Então, o nosso cérebro nunca vai se adaptar à realidade, já que existe um instinto, que a morte é algo real. Isso vai causar o problema. Na internet, a rede social já está causando problemas.

Qual seria a saída para evitar que o pior aconteça?

A gente tem que, desde já, entrar com políticas em relação à educação em casa e na escola. Porque se tem um problema crônico em casa, já que os pais podem não contribuir com isso, deve-se aumentar o tempo, então, na escola. Não são apenas alimentação, sono, falta de exercício físico que fazem parte dessa cultura que estamos vivendo hoje, mas toda a atrofia que está acontecendo. Porque uma hiperatividade da amídala cerebral causa atrofia também no lóbulo central, que é a região da inteligência. O adulto só termina de desenvolver o lóbulo central aos 30 anos. Ou seja, está se moldando, antecipadamente, um cérebro que vai trazer problemas lá na frente. Doenças como a depressão e também o aumento das taxas de suicídio. Estamos falando também do aumento das doenças degenerativas. Temos que prevenir desde agora, porque nós teremos uma sociedade incoerente, uma sociedade sem iniciativa.

Como aproveitar a tecnologia sem substituir a cultura de ler um livro, de ter contato físico e aproveitar outros elementos que ainda fazem parte da cultura humana?

Os pais têm que fazer um controle parental. Seria interessante uma intervenção do governo, por exemplo, para trazer opções de tablet ou notebook que já venha com controle parental instalado. Porque, às vezes, não consegue instalar ou não tem vontade de fazer. Isso faz parte dessa cultura de internet, de rede social. E os pais ficam contaminados com isso. Mas tem que fazer. Assim como, por exemplo, levar a educação a distância às escolas, com aparelhos notebook que não permitam acesso a nenhum browser paralelo. Você liga e só tem a plataforma de ensino, mais nada.

Isso tem relação direta com a pandemia?

O problema da pandemia não foi software de ensino ou ensino a distância em si. Eram as crianças entrando em outras abas para acessar as redes sociais ou até pesquisando outras coisas. Porque o ensino a distância vai ser o futuro, e temos que nos preparar para o futuro. É mais barato, mais econômico, você pode ligar de qualquer lugar do mundo.

E sobre as crianças prodígio? Existe, atualmente, uma discussão sobre ser aprovado na universidade aos 13 anos, que geram comentários de internautas dizendo que não gostaria que o filho passasse no vestibular, assim, tão cedo. Isso pode, de fato, ser prejudicial à saúde mental do estudante?

Há uma moda um pouco perigosa em relação às crianças prodígios. Existem muitos pais que forçam a barra para que essas crianças sejam aprovadas. E não é assim que funciona. Então, tem que parar com a ideia de que o jovem tem que ser prodígio. Eu, por exemplo. Meus pais nunca se importaram com isso. Fui descobrir aos 17 anos. Fiz testes depois de adulto.

E o conceito de inteligência artificial, onde se enquadraria?

O conceito de inteligência, para mim, mais interessante, é em relação à própria sociedade. Você é considerado inteligente se tem muito conhecimento. Não interessa o tamanho do seu QI, até porque isso tem fator genético. Você não vai transformar alguém em alto QI. Obviamente, quem nasce com alto QI tem vantagens. É hipocrisia dizer que não tem. É só olhar na Nasa, olhar em outras sociedades. Eu faço parte de quatro sociedades de pessoas com alto QI, é legal, mas você não tem que criar uma criança superdotada. Crie uma criança inteligente, no sentido de conhecimento. Alguém que saiba o que dizer e quando dizer e, quando não sabe, escuta, aprende e diz depois.

O Brasil tem alguma política pública para acolher crianças superdotadas?

Eu fiz os meus testes de QI para tê-los em mão e conseguir tudo no exterior. Procurei universidades brasileiras, mostrei para elas, mas não se importaram, não me deram nem desconto. Aqui no Brasil não há política sobre o tema. Mas não é nem culpa do governo. É que cada instituição tem sua autonomia. Se eles não fizerem…

Como essa questão é conduzida em outros países?

Na Europa e nos Estados Unidos, por exemplo, é totalmente diferente. Te colocam na primeira fila. Todas as minhas formações eu aproveitei do meu teste de QI. Aqui no Brasil, e isso tem a ver com o governo, existem limitações. Tem um período mínimo para estudar. E se a pessoa for autodidata? Por que fazer uma faculdade de três anos se uma pessoa autodidata consegue aprender em um ano e meio? Esse tempo pode ser reduzido, a pessoa se formar mais cedo e ser um grande nome pro país.

 

*Estagiária sob a supervisão de Ana Sá.

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