saúde

Covid-19: Estudo crava que pequeno número de infectados e crianças espalham o vírus

Feito em dois estados indianos, o maior rastreamento sobre a covid-19 mostra que disseminação do Sars-CoV-2 ocorre a partir de um número pequeno de infectados e conta com participação forte de crianças. Resultados servem de alerta para outros países afetados

Vilhena Soares
postado em 01/10/2020 06:00 / atualizado em 01/10/2020 10:44
 (crédito: AFP / Arun SANKAR)
(crédito: AFP / Arun SANKAR)

Segundo país mais populoso, atrás apenas da China, a Índia sofre com uma explosão de casos da covid-19. São oficialmente, 6,1 milhões de infectados por um vírus que tem alto poder de contágio. Por essas razões, a Índia foi escolhida para ser palco do maior estudo de rastreamento de contato de uma enfermidade já realizado no mundo. Pesquisadores analisaram mais de meio milhão de pessoas que foram expostas ao Sars-CoV-2 e se surpreenderam com alguns resultados. Um deles é que apenas uma pequena porcentagem de infectados é responsável pela propagação dos casos. Os cientistas também constataram o papel exercido pelas crianças na disseminação do coronavírus. Os dados foram publicados na última edição da revista Science e podem ajudar no desenvolvimento de estratégias de combate à doença em regiões com recursos mais limitados.

Os cientistas utilizaram dados de 575.071 indianos expostos ao vírus, sendo que 84.965 haviam testado positivo para a infecção pelo Sars-CoV-2. As informações foram colhidas desde o início da pandemia até 1º de agosto, em dois estados — Tamil Nadu e Andhra Pradesh. Por meio do rastreamento apurado de pessoas que tiveram contato com os doentes, descobriu-se que 71% dos infectados não contagiaram os seus contatos. Por outro lado, apenas 8% das pessoas com o vírus foram responsáveis por 60% das novas infecções.

“Nosso artigo é o primeiro grande estudo a mostrar que o superespalhamento da covid-19 depende de uma pequena porcentagem da população infectada. Um grupo reduzido é quem passa o vírus adiante. Essa característica deve ser a regra e não a exceção quando se olha para a disseminação da covid-19 tanto na Índia quanto, provavelmente, em todos os lugares afetados”, enfatiza, em comunicado, Ramanan Laxminarayan, pesquisador sênior do Princeton Environmental Institute (PEI), nos Estados Unidos.

Os cientistas também identificaram as situações com maior risco de contágio. A interação mais perigosa foi a em transportes compartilhados por seis horas ou mais. “Nesses ambientes, havia 79% de risco de ocorrer uma infecção”, informa o artigo. Viver em uma casa compartilhada vem em seguida, com 60%.
Os casos de morte ocorreram, em média, seis dias após a hospitalização dos infectados — a média nos Estados Unidos, outro país também bastante afetado pela pandemia, é de 13 dias, por exemplo. Além disso, os óbitos concentraram-se entre pessoas com 50 a 64 anos, um intervalo um pouco mais jovem do que a população em risco (mais de 60 anos). “Descobrimos que os casos e as mortes relatados têm se concentrado em grupos mais jovens do que esperávamos, o que difere de observações feitas em alguns países de alta renda”, completa Laxminarayan.

Werciley Júnior, infectologista e chefe da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, destaca que os dados indianos entram em concordância com o que tem se observado durante a propagação do coronavírus pelo mundo. “São conclusões de que já suspeitávamos, mas não tínhamos uma análise ampla que as comprovasse. Temos até alguns países que fizeram esse acompanhamento de infectados e pessoas com quem tiveram contato, mas em uma escala menor, como Bélgica e Suécia”, exemplifica.

O infectologista acredita que os resultados obtidos são essenciais para definir medidas que consigam conter o novo coronavírus em outras realidades. “Quando você sabe dizer como funcionará a transmissão dentro da comunidade, fica muito mais fácil criar regras. Aí, você vai ter o embasamento necessário para garantir que elas terão o sucesso esperado”, justifica. “Informações desse tipo são valiosas porque elas, muito provavelmente, se repetem em outros países, que podem usá-las. Servem também como base para outros estudos que poderão complementar os dados já obtidos.”

Mais jovens

Outro ponto que chamou a atenção crianças e adultos jovens, com idade entre 20 a 44 anos, constituíram um terço dos casos da covid-19 da amostra foram especialmente importantes para a transmissão do vírus em regiões com recursos limitados. “As crianças são transmissores muito eficientes nesse ambiente, o que não foi estabelecido com firmeza em estudos anteriores”, afirma Laxminarayan. “Isso é consistente com o que sabemos sobre a gripe, em que as crianças estão entre as principais causas das infecções. Não deveria ser surpreendente ver isso em uma outra infecção respiratória.”

Na amostra, eles representaram um terço dos casos da covid-19. Também mostraram-se mais propensos a ser infectado pelo coronavírus a partir do contato com pessoas da mesma faixa etária. “A probabilidade dessa transmissão está entre as mais altas principalmente entre crianças com menos de 14 anos. Isso mostra que, mesmo sem as escolas funcionando, que foi o cenário em que realizamos a nossa análise, a transmissão de criança para criança parece ser muito importante”, informa o texto.

O infectologista Werciley Junior destaca que a propagação maior entre crianças reflete uma característica importante dos mais novos. “Assim como em outras enfermidades semelhantes, vemos que as crianças contribuem bastante para que a doença dissemine. Isso ocorre também porque é mais difícil isolá-las, não conseguimos manter o distanciamento que é feito com os adultos. Esse fator, sozinho, já contribui muito para que as taxas de transmissão sejam mais altas entre elas”, explica.

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