ESTADOS UNIDOS

Na reta final da campanha, Trump endurece ataques a Biden

Presidente aposta em suspeitas de associação entre filho do candidato democrata e a corrupção na Ucrânia para tentar reverter desvantagem nas pesquisas. Senadores republicanos mostram insatisfação com a Casa Branca

Com o tempo cada vez mais curto para reverter as pesquisas de opinião pública desfavoráveis e sob um princípio de “rebelião” no seio do próprio Partido Republicano, o presidente Donald Trump decidiu intensificar os ataques ao candidato democrata, Joe Biden. E escolheu o advogado Hunter Biden, o segundo filho do adversário, como alvo, numa tentativa de associar a família a negócios escusos. “Este é um caso de corrupção importante”, disse o magnata à rede Fox News, ao cobrar do procurador-geral dos Estados Unidos, Bill Barr, uma investigação sobre os negócios de Hunter na Ucrânia. “Tem que saber isso antes da eleição”, ressaltou Trump, que há semanas tem acusado o clã Biden de ser uma “empresa criminosa”. Em um sinal de nervosismo, a exatamente duas semanas das eleições, Trump interrompeu abruptamente uma entrevista ao programa 60 Minutes, da emissora CBS, a qual chamou de “tendenciosa” e “falsa”. Também atacou a apresentadora Lesley Stahl por não usar máscara.

Enquanto Biden suspendeu a agenda de campanha para se preparar para o debate de amanhã à noite, Trump embarcou rumo à Pensilvânia e buscou demonstrar otimismo. “As coisas mudam rápido”, afirmou à Fox News. Além de assegurar que o rival democrata está “implodindo”, ele adotou o sarcasmo e disse que Biden “está em escondendo em seu porão de novo hoje”. No entanto, o presidente enfrenta problemas dentro da própria casa.

Segundo a rede de TV CNN, senadores republicanos começam a aceitar a probabilidade de uma derrota iminente e a se distanciar do magnata. “Eu gostaria de ver, nos dias finais de campanha, ele processar o argumento contra os democratas e a divergência nas políticas”, disse à emissora o senador governista John Thune, para quem Trump tem de ficar longe de ataques pessoais, parar de agredir a mídia e poupar o médico infectologista Anthnony Fauci, coordenador da força-tarefa contra a covid-19 da Casa Branca.

Em entrevista ao Correio, o cientista político Charles H. Stewart III — professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) — desqualificou a tática de Trump de atacar Hunter Biden. “Além dos seguidores das mídias sociais da direita e da Fox News, a história do filho de Joe Biden não faz incursão entre os eleitores norte-americanos”, comentou. “Biden tem ignorado os ataques e mantido foco nas críticas ao modo como Trump tem gerenciado a pandemia da covid-19. É uma boa estratégia, pois uma parte dos republicanos acha que o presidente não lidou bem com o problema.” Stewart nega suposta perda de fôlego de Biden nas mais recentes sondagens. “As médicas das pesquisas se mantêm firmes, tanto em âmbito nacional, quanto no campo dos estados. Como as atitudes em relação aos candidatos e aos partidos estão bastante polarizadas, não vejo mudanças nas pesquisas pelas próximas duas semanas.”

Por sua vez, Ryan Barilleaux, professor de ciência política da Miami University (em Oxford, Ohio), explicou à reportagem que Trump sempre permanece mais confortável em posição de ataque. “O presidente aposta que a história de Hunter prejudicará Joe Biden. Mas, não creio que os eleitores prestem muita atenção a esse caso. Afinal, o próprio Trump tem uma história repleta de escândalos ede problemas. Se Biden for eleito, não haverá mais atenção a essa história envolvendo Hunter”, lembrou.

Barilleaux admite que, no atual estágio da corrida eleitoral, os números de Trump nas pesquisas são um pouco melhores do que em 2016. “A diferença, agora, é que Trump ocupa a Casa Branca, e mais eleitores indecisos tendem a votar no desafiante”, comentou. Segundo o estudioso, Trump é um candidato tão incomum que pode atrair votos de última hora. “Mas, se eu tivesse de apostar, colocaria minhas fichas em Biden como o próximo presidente dos Estados Unidos.”

Antes do comício na Pensilvânia, Trump usou o próprio perfil no Twitter para tentar arrancar votos dos democratas, ao se dirigir a três estados específicicos, considerados bastiões da oposição. “Ao grande povo de Nova York, Califórnia e Illinois, seus estados são altamente tributados, com grandes crimes, pessoas fugindo e quase todos os outros problemas que vocês possam ter. Votem em Trump, e vou transformá-los para vocês, rápido!”, avisou. Biden procurou polemizar as críticas do presidente a Fauci, tachado de “idiota” e de “desastre” pelo mandatário, segundo conversa vazada entre Trump e a equipe de campanha. “Escutar os cientistas não é uma coisa ruim. Não posso acreditar que isso tenha de ser dito”, disse o democrata.

Alvo, o filho do rival

O presidente republicano, Donald Trump, busca chamar a atenção para os negócios de Hunter Biden na Ucrânia e na China, à época em que seu pai, Joe, era vice de Barack Obama (2009-2017). De acordo com Trump, Joe Biden fez com que um promotor ucraniano fosse destituído do cargo para evitar que a companhia de gás ucraniana Burisma fosse processada por corrupção — seu filho Hunter fazia parte do conselho de diretores do grupo. O candidato democrata garantiu, repetidas vezes, que não discutiu suas atividades na Ucrânia com o filho. No último dia 12, o jornal conservador New York Post publicou um artigo afirmando ter obtido uma cópia do disco rígido de um computador que Hunter Biden teria abandonado em uma loja de conserto em Delaware. O dono da loja teria entregue o computador ao FBI em dezembro de 2019, depois de copiar seu conteúdo. As mensagens e fotos que estavam no disco rígido chegaram ao jornal por meio do advogado pessoal do presidente, Rudy Giuliani. Um dos e-mails recuperados, de abril de 2015, é atribuído a Vadim Pojarskii, membro do conselho de administração do grupo Burisma: “Caro Hunter, obrigado por seu convite para Washington e pela oportunidade de conhecer seu pai”, dizia a mensagem, segundo o New York Post.

» Eu acho...

“Não acho que Trump mudará sua estratégia nas próximas duas semanas. Ele continuará a manter os comícios, como tem feito. Uma das razões é que o presidente republicano ficou sem verba para publicidade em grande escala. Ele provavelmente também intensificará a retórica contra Biden e seus adversários políticos.” Charles H. Stewart III, professor de ciência política do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).

» Tosse leva Melania a cancelar agenda

A primeira-dama dos Estados Unidos, Melania Trump, cancelou uma rara aparição conjunta com seu esposo, Donald Trump, em um comício de campanha, ontem, devido a uma “tosse persistente” após ter sido infectada pelo coronavírus, disse um porta-voz. “A senhora Trump segue se sentindo melhor a cada dia, depois de sua recuperação da covid-19, mas com uma tosse persistente. Por precaução, não viajará hoje”, disse Stephanie Grisham em um comunicado. A presença da primeira-dama junto a Trump em Erie, na Pensilvânia, seria a primeira vez em mais de um ano em que os dois apareceriam juntos em um comício de campanha.