Terça-feira passada, Durban, cidade costeira no leste da África do Sul. O cinegrafista Thuthuka Zodi registra uma imagem que viralizou rapidamente e tornou-se um dos símbolos do caos que reina no país desde 7 de julho, quando a Justiça ordenou a prisão do ex-presidente Jacob Zuma. “Eu estava diante de um prédio com lojas no térreo e apartamentos residenciais nos demais andares. Vândalos incendiaram o imóvel, depois de realizarem saques. O primeiro andar estava em chama. A mãe de um bebê jogou-o da marquise, enquanto ela via estranhos o agarrarem. Quando eu me aproximei do edifício, pude escutar as pessoas gritando: ‘Jogue-o!’”, contou Zodi ao Correio. Segundo ele, o bebê, de dois anos, passa bem. Ao ser questionado sobre a situação no país, ele respondeu que está “mais calma”. “Talvez porque não haja mais nada para levar, pois a maioria das lojas foram saqueadas. O governo do presidente Cyril Ramaphosa acaba de anunciar que deseja enviar 25 mil soldados às ruas. As autoridades devem detalhar este plano amanhã (hoje).”
A convulsão social nas províncias de Kwazulu-Natal (leste) e de Gauteng (norte) deixou 72 mortos e ameaça provocar o desabastecimento de combustível e de alimentos. Nas cidades de Johannesburgo e de Durban, filas se formaram do lado de fora de postos de combustível. Segundo a agência de notícias France-Presse, a maior refinaria da África do Sul fechou sua fábrica perto de Durban. A instalação afetada respónde por cerca de um terço do combustível consumido no país. Por meio de um comunicado, o gabinete de Ramaphosa admitiu que várias regiões poderiam “carecer em breve de produtos de primeira necessidade” — alimentação, combustível ou medicamentos.
Roland Henwood, professor de ciência política da Universidade de Pretória (Gauteng), explicou ao Correio que os protestos iniciais estão ligados à prisão de Zuma. “É claro que a escala e o contexto das manifestações violentas superaram muito o apoio que Zuma possa ter. O mais provável é que a mobilização de apoio aos protestos encontrou terreno fértil criado pelas condições socioeconômicas muito difíceis e pelos efeitos da quarentena causada pela covid-19”, afirmou. Ele lembra que a África do Sul enfrentava dificuldades econômicas antes mesmo da pandemia. “A covid-19 e a resposta pesada do governo, além da falta de apoio de Ramaphosa, criaram uma sociedade desesperada. Hoje, nosso país detém um dos mais altos índices de desigualdade do mundo. O desemprego atinge patamar histórico, de 32%”, acrescentou.
Para Henwood, a combinação da governança ineficiente, da corrupção em escala industrial, da fraca liderança e da corrupção massiva contribuíram para a explosão de ira e para a violência oportunista e os saques. “O resultado disso provavelmente será mais pressão sobre o governo para aumentar a velocidade da reforma política e das prioridades do governo. O que ocorre hoje é muito prejudicial para a África do Sul e para o partido governista Congresso Nacional Africano (ANC). É possível que isso force a contestação em um ANC profundamente dividido”, avalia. O especialista não vê provável mudança na situação legal de Zuma. “Ele está preso por desacato ao tribunal. Zuma recusou-se a comparecer a uma comissão para responder a questões sobre corrupção em grande escala.”
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“Os levantes dos últimos dias na África do Sul são o resultado de um complexo conjunto de fatores subjacentes à dinâmica socioeconômica do país. O primeiro tema envolve as contínuas divisões e conflitos dentro do Congresso Nacional Africano (de Jacbob Zuma). Provavelmente, é o culminar da frustração e do desespero alimentados por percepções negativas do governo e das realidades socioeconômicas. O papel de uma campanha planejada em apoio à libertação de Zuma foi possivelmente o que desencadeou a crise no país.” Roland Henwood, professor de ciência política da Universidade de Pretória.
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