Natureza

Incêndios florestais de proporções históricas arrasam a Grécia e forçam moradores a se retirarem

Incêndios florestais de proporções históricas arrasam Eubeia, a segunda maior ilha do país, e forçam remoção emergencial de moradores. Fogo destrói casas, mata animais e queima oliveiras milenares. Cidadãos reclamam de inação das autoridades e não escondem a revolta

Rodrigo Craveiro
postado em 09/08/2021 06:00
 (crédito: Kosmas Koumianos/Divulgação)
(crédito: Kosmas Koumianos/Divulgação)

Um desastre absoluto. Dessa forma, o funcionário público Thodoris Baklavas, 45 anos, descreveu a situação no vilarejo de Kirinthos, sua terra natal, em Eubeia — a segunda maior ilha da Grécia, situada 200km ao nordeste da capital, Atenas. “Se você observar o mapa de Eubeia, do povoado de Prokopi, no norte da ilha, até Istiaia, tudo foi arrasado pelo fogo”, disse ao Correio. Exausto após um dia intenso de trabalho voluntário em Kirinthos, onde passa as férias, ele relatou que muitas casas estão destruídas.

“O tamanho das labaredas é imenso. As autoridades deveriam ter enviado à região pelo menos quatro aviões carregados com água para ajudarem a conter as chamas, diariamente. Em vez disso, mobilizaram um ou dois helicópteros. Nosso vilarejo não foi atingido porque houve muito apoio entre os moradores, mas o governo não esteve presente”, desabafou Baklavas. Para tentar mitigar a tragédia humanitária, ele organizou a distribuição de bens de consumo e de água com a ajuda de uma empresa de material de construção.

Quase metade da Ilha de Eubeia acabou consumida pelos incêndios. Pelo menos 210 mil pessoas vivem ali, a maioria nas cidades. Entre 2 mil e 3 mil moradores de vilarejos e turistas tiveram de ser removidos às pressas. Um vídeo do resgate de um grupo de cidadãos viralizou na internet: ao fazer um “passeio” pela embarcação, sem vidros, a câmera do celular mostra a floresta sobre as colinas ao redor engolida pelo fogo. “Estamos em segurança dentro do ferry. Dor grande para nosso país. Para onde quer que você olhe para o fogo, há mais a ser queimado”, escreveu, no Facebook, Stravros Dem, autor da filmagem, feita na última sexta-feira.

Uma região equivalente a 56 mil campos de futebol foi arrasada pelas chamas. Ontem, um avião hidrante caiu; o piloto escapou com segurança. Um bombeiro ficou ferido ao tentar debelar um foco reavivado.

No vilarejo de Pefki, moradores se refugiaram na praia e dormiram em espreguiçadeiras ou dentro dos carros. Enquanto isso, bombeiros e os próprios cidadãos travam uma luta muitas vezes inglória para apagar as chamas, que carbonizaram oliveiras de mais de 2 mil anos. “A batalha continua”, disse o vice-ministro grego da Proteção Civil, Nikos Hardalias, ao anunciando “mais uma noite difícil”.

Em entrevista à agência France-Presse (AFP), Yannis Selimis, morador de Gouves, cidade no norte de Eubeia, mostrava desespero. “Nas próximas quatro décadas não teremos trabalho e, no inverno, nos afogaremos nas águas, sem florestas para nos proteger. Estamos nas mãos de Deus. O Estado está ausente. Se as pessoas forem embora, as cidades, com certeza, vão queimar”, advertiu. “A situação é dramática. Vamos todos acabar no mar”, disse outro morador, Nikos Papaioannou.

Com raiva, Tryantafilos Konstandinos, 46 anos, também de Gouves, desabafou: “Queimaram o paraíso. Estamos acabados”. Apesar do sentimento de abandono dos cidadãos, 260 bombeiros gregos trabalham no norte da ilha, auxiliados por 100 viaturas e apoiados por 200 colegas da Ucrânia e da Romênia.

Califórnia
Nos Estados Unidos, o incêndio Dixie, no norte da Califórnia, é considerado o segundo pior da história do estado, segundo as autoridades. Até o fechamento desta edição, três pessoas estavam desaparecidas e milhares tinham fugido da região. O fogo consumiu uma área equivalente a 187.562 campos de futebol, destruiu 404 estruturas e dizimou a histórica cidade de Greenville. Uma investigação inicial apontou que o fogo pode ter começado quando uma árvore despencou sobre um cabo de energia da empresa Pacific Gas & Company (PG&E) — em 2018, a companhia privada havia sido culpada pelo incêndio de Camp, o qual deixou 86 mortos.

O foco inicial de Atenas
O fotógrafo Kosmas Koumianos, 37 anos, admite que preferia não ter registrado a imagem ao lado. “É um desastre, e espero que isso nunca volte a ocorrer”, disse ao Correio. “Fiz essa foto em 3 de agosto, nas primeiras duas horas de incêndio, com a ajuda de um drone, a partir da província de Kifisia, no norte de Atenas. Quando a vejo, tudo o que sinto é terror. Por todas as pessoas das regiões atingidas, pelos animais e pelas casas”, acrescentou. Koumianos acredita que os gregos têm sorte por não haver mortes entre os civis. “Todos sabíamos que seria muito difícil debelar o fogo. Cães, veados e porcos selvagens perderam suas vidas, e uma das maiores florestas do entorno de Atenas foi calcinada. A Ilha de Eubeia ainda queima, e não sabemos quando isso vai parar”, disse o fotógrafo. Segundo ele, o sogro perdeu a casa na ilha e se abrigou na residência da filha e do genro, em Atenas. “Ele está em choque”, afirmou. Koumianos afirmou que a polícia realizou várias prisões de suspeitos de atear fogo à mata. Ele também relatou que as condições respiratórias em Atenas são ruins, com muitos idosos hospitalizados por causa da fumaça e das cinzas.

Relatório do IPCC traz alerta “sério”
O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que será publicado hoje, representa a “advertência mais séria já feita” sobre a influência humana no aquecimento global, afirmou Alok Sharma, presidente da COP26 — a conferência das Nações Unidas que debaterá o tema em Glasgow (Escócia), entre 31 de outubro e 12 de novembro. “Será a advertência mais séria já feita sobre o fato de que o comportamento humano acelera de forma alarmante a mudança climática”, declarou o ministro britânico e presidente da COP26 em entrevista ao jornal The Observer, edição dominical do The Guardian. “Não podemos nos permitir esperar dois anos, cinco anos, 10 anos”, completou, ao destacar que ainda temos tempo, “mas nos aproximamos perigosamente do momento em que será muito tarde”.


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