Rússia

Dissidente soviético Sergei Kovaliov morre aos 91 anos

A organização russa de defesa dos direitos humanos Memorial, da qual Kovaliov foi presidente, elogiou um homem que "sempre lutou (...) pelos direitos humanos, contra a guerra da Chechênia, contra a violência e a mentira"

Agência France-Presse
postado em 09/08/2021 10:39 / atualizado em 09/08/2021 12:29
 (crédito: Yuri KADOBNOV / AFP)
(crédito: Yuri KADOBNOV / AFP)

Sergei Kovaliov, um dos defensores dos direitos humanos mais conhecidos da Rússia e figura dissidente da era soviética, morreu aos 91 anos - anunciou a família nesta segunda-feira (9/8).

Vencedor em 2009 do Prêmio Sakharov do Parlamento Europeu, Kovaliov foi um dos líderes do movimento pró-democracia na URSS e passou sete anos em campos de trabalho nas décadas de 1970 e 1980 por "atividades antissoviéticas".

"Nessa época, havia quem estivesse disposto a ir para prisão apenas para ter um direito tão efêmero quanto o amor próprio. E outros que não". Assim explicou Kovaliov, em entrevista à AFP em 2017, as razões de sua militância.

Depois da dissolução da União Soviética, foi um dos principais críticos da primeira guerra de Moscou na Chechênia e do crescente autoritarismo do sistema estabelecido pelo presidente Vladimir Putin a partir da década de 2000.

Biólogo de formação, primeiro enviado para os direitos humanos do presidente Boris Yeltsin e um dos autores da Constituição russa, também foi deputado.

Seu filho, Ivan Kovaliov, informou no Facebook que o pai faleceu "enquanto dormia", nesta segunda-feira.

A organização russa de defesa dos direitos humanos Memorial, da qual Kovaliov foi presidente, elogiou um homem que "sempre lutou (...) pelos direitos humanos, contra a guerra da Chechênia, contra a violência e a mentira".

"A falta de Sergei Adamovich será sentida em todos os aspectos: como amigo querido de longa data, companheiro destemido, intelectual e conselheiro, fiel à ideia dos direitos humanos sempre e em tudo, na guerra e na vida civil, na política e na vida cotidiana", acrescentou a Memorial.

Militância como compromisso


Sua militância nasceu em meados da década de 1950, quando Kovaliov, então um jovem estudante de biologia, manifestou pela primeira vez sua liberdade de pensamento junto com outros biólogos para criticar as teorias de Trofim Lysenko, flagelo da "ciência burguesa" e autor de uma teoria agrícola que se demonstrou falsa.

Diretor de um laboratório de biologia na Universidade de Moscou, Kovaliov passa a militar ativamente em 1968 e integra o Grupo de Iniciativa para a Defesa dos Direitos Humanos (a primeira associação desse tipo na URSS). Uma decisão que lhe custou o cargo.

Próximo do cientista dissidente Andrei Sakharov, durante vários anos participou da redação da Crônica de Acontecimentos Atuais, um boletim clandestino datilografado sobre as violações dos direitos humanos na então União Soviética: detenções, confinamentos de opositores em instituições psiquiátricas, a situação nos campos e nas prisões...

Kovaliov é preso em 1974 por fazer "propaganda antissoviética". Passará sete anos em um campo, e três, no exílio em Kolima, a gelada região do nordeste do país.

"Idealista político" 


Apaixonado por biologia, Sergei Kovaliov sonhou, durante anos, dedicar sua vida à ciência. Em 1965, porém, sua opinião mudou, após a detenção do escritores Yuli Daniel e Andrei Siniavski, um momento fundacional da dissidência na URSS.

"Entendi, então, que não era possível me concentrar apenas na ciência. Teria sido vergonhoso", afirmou.

Com a Perestroika de Mikhail Gorbachev, Kovaliov pôde voltar para Moscou, em 1987, onde fundou a ONG Memorial, dedicada à história da repressão soviética.

Ele foi um dos raros opositores da época soviética a se lançar na vida política: contribuiu para a redação da nova Constituição do país e foi duas vezes deputado.

Muito crítico do governo Putin, Kovaliov descreveu como "liberticidas" as leis promulgadas pelo presidente russo nos últimos anos.

"Estas leis dão possibilidades ilimitadas e arbitrárias ao poder: você pode condenar quem quer que seja, com a pena que quiser", denunciou.

"Pertenço à família dos idealistas políticos, dizia Sergei Kovaliov.

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