David Fox, 39 anos, é um dos milhares de norte-americanos presos em Cabul desde que o Talibã tomou o poder, no último domingo (15/08). Casado com uma afegã, com quem tem um filho, ele vive na capital do Afeganistão desde 2013, onde trabaja em uma empresa que presta serviços de marketing e de comunicações, além de tirar fotos e fazer vídeos sobre projetos de desenvolvimento no país. Em entrevista ao Correio, por telefone, David disse que não recebeu nenhum comunicado do governo dos EUA sobre o resgate. Por meio de amigos de sua mãe, ele preencheu um formulário do Departamento de Estado detalhando o desejo de sair do Afeganistão. "Nós o assinamos e, agora, estamos esperando", contou. Ele entrou, então, em contato com um amigo funcionário do Departamento de Estado que lhe aconselhou a tentar ingressar no Aeroporto Internacional Hamid Karzai, em Cabul, cercado por talibãs. David, a mulher e o filho, acompanhados de nove pessoas, tentaram alcançar o Portão Norte. "Foi uma situação muito perigosa. Os marines (fuzileiros navais) davam tiros de advertência para dispersar a multidão. Foi exaustivo. Muitos empurrões. Sou mais alto e comecei a gritar para um marine, que gritou de volta, exigindo que recuássemos. Ficamos no meio da multidão por meia hora. Foi assustador. Fomos orientados a ir a outro portão controlado pelo Talibã, mas eles eram selvagens e brutais. Olhavam documentos e escolhiam quem deveria entrar. Estavam portando armas americanas. Fizemos a primeira checagem de documentos, mas os talibãs exigiram que fôssemos a outro portão, controlando pelos britânicos, mas os britânicos fecharam a passagem. Nós não conseguimos entrar no aeroporto", explicou. David tomou uma decisão. Voltou ao apartamento com a família e retomou a rotina. Leia a entrevista exclusiva ao Correio.
Quando chegou ao Afeganistão? O senhor imaginava que o Talibã fosse tomar o poder?
Eu me mudei para o Afeganistão em janeiro de 2013. É claro que sempre era possível uma vitória militar do Talibã. Nos últimos meses, o que ouvíamos aqui era que não existia solução militar para os soldados americanos, nem para o governo afegão de Ashraf Ghani, mas havia uma solução militar para o Talibã. Estamos vendo isso agora.
Quais seus sentimentos em relação ao fato de estar preso em Cabul?
Eu trabalho com o que eu tenho. Temos fazer o melhor para chegar ao aeroporto de Cabul. Eu recebi conselhos diretos de uma autoridade do Departamento de Estado norte-americano. Ele nos aconselhou a irmos ao aeroporto e a tentarmos entrar. Um amigo que trabalha no Departamento de Estado faz parte da equipe de resgate dos americanos e estava dentro do Portão Norte do aeroporto de Cabul. Ele supostamente estaria procurando por mim, por minha esposa e pelo nosso filho. Mas não conseguimos entrar. Então, agora estamos aqui. Eu não vejo nenhum tipo de valor em entrar em pânico. Estive na academia na quinta-feira e na sexta-feira. Agora estou em meu escritório. Eu tenho tentado em responder o maior número de mensagens e de e-mails hoje. Eu continuo vivendo.
O senhor teme o Talibã?
Do ponto de visto lógico, não entendo porque o Talibã causaria algum dano a mim ou à minha família. Minha empresa não tem um contrato de trabalho com os Estados Unidos. O que fazemos é alguns projetos de desenvolvimento, tiramos fotos e fazemos vídeos que ajudarão na educação do Afeganistão, por exemplo. Também fazemos pesquisas para marcas internacionais. Por que o Talibã se beneficiaria ao fazer algo contra mim? Eu entendo que há gente muito perigosa dentro do Talibã. Como organização, o Talibã teria muito a perder por incomodar, capturar ou matar americanos ligados a empresas e a negócios no Afeganistão. Eu não vejo o motivo pelo qual eu seria um alvo. Eu me reportei ao posto policial mantido pelos talibãs. Falei com o guarda, entreguei meu cartão de visitas e conversei com eles em meu idioma fracasado dari. Espero poder me comunicar com as autoridades do Talibã nos próximos dias. Sigo com minha rotina normal. Se o Talibã quiser fazer algo comigo, estou aqui. Que escolhas eu tenho, exceto estar aqui? Tentamos chegar ao aeroporto, mas não pudemos entrar.
Como descreve a situação em Cabul?
A situação em Cabul parece muito normal. Se eu estivesse em coma durante toda a semana passada e despertasse e começasse a caminhar pelas ruas, provavelmente eu não perceberia que o Talibã está no comando. O Talibã está espalhado pelo Afeganistão. Eles não tem um enorme contingente em Cabul. Há rumores de que os talibãs estão batendo de porta em porta em algumas áreas e buscando pessoas específicas. Mas, até onde eu sei, são rumores. Não vi a confirmação disso até agora. Tenho certeza de que haverá violações dos direitos humanos, haverá atrocidades. Não penso que necessariamente eu seja um dos alvos dessas violações ou dessas atrocidades. Moro em Cabul há nove anos sem preocupação com a segurança, sem equipe armada. O Talibã sempre teve a chance de me pegar. Eles tiveram essa chance nos últimos nove anos e não sei porque fariam isso agora.
Como vê a declaração do presidente Joe Biden de que não garantirá o resultado final do resgate de vocês?
Eu sou bem cético, porque o aeroporto está fora do controle dos americanos. Ao menos que o governo Biden encontre uma forma de estabelecer algum tipo de controle sobre o Portão Norte, onde estão os marines (fuzileiros navais), não vejo como Biden pode garantir que cidadãos dos EUA sejam capazes de passar pelos portões. Alguns afegãos e estrangeiros têm recebido algum tipo de tratamento especial. Eles recebem telefonemas de pessoas indicando que estejam em um ponto sem tumulto no aeroporto e conseguem entrar. Nunca recebi essas ligações. Apenas dois e-mails genéricos. Nao sei o que Biden está pensando. Sou muito cético. Há milhares de americanos e afegãos que estão aqui. Homens, mulheres, crianças e idosos que não encontraram um modo de cruzar os portões do aeroporto. Será um desafio para Biden. Veremos se ele tem capacidade de responder a isso.
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