HAITI

Suspeito de magnicídio, premiê afasta promotor no Haiti

O procurador-geral Bed-Ford Claude pediu à Justiça o indiciamento de Ariel Henry, após revelar que o primeiro-ministro conversou por duas vezes, por telefone, com suspeito de matar o presidente Jovenel Moïse. Chefe de governo reage com destituição

Rodrigo Craveiro
postado em 15/09/2021 06:00
 (crédito: Valerie Baeriswyl/AFP)
(crédito: Valerie Baeriswyl/AFP)

O promotor-chefe do Haiti, Bed-Ford Claude, foi demitido pelo primeiro-ministro do país, Ariel Henry, após pedir à Justiça o indiciamento do chefe de governo pelo assassinato do presidente Jovenel Moïse, em 7 de julho passado. Em 10 de setembro, o próprio promotor enviou carta a Ariel Henry na qual lhe informava sobre a descoberta de dois telefonemas feitos por Joseph Félix Badio, um dos suspeitos do magnicídio, ao premiê haitiano.

As ligações foram realizadas às 4h03 e às 4h20, cerca de três horas depois de Moïse ser executado por um comando armado (leia Entenda o caso). Na mensagem, Claude “convidava” Henry a prestar esclarecimentos sobre o fato, na sede da promotoria. Até o fechamento desta edição, Badio seguia foragido.

Em outra carta, o procurador-geral pediu ao juiz Garry Orélien, responsável pelo caso e titular do Tribunal de Primeira Instância de Porto Príncípe, que investigue Herny na condição de réu pelo assassinato de Jovenel. Na última segunda-feira, Henry emitiu um documento no qual comunicava o desligamento do “comissário do governo” — cargo correspondeu ao de procurador-geral —, sob a justificativa de “falta administrativa grave”.

O teor do texto somente teria sido divulgado ontem, assim como uma carta aberta à nação. “Tenho o prazer de informá-los que foi decidido destitui-lo do cargo”, anunciou Henry. A demissão de Claude expôs uma disputa política interna em um ambiente tenso e em meio à transição desordenada.

“Existem elementos comprometedores suficientes que formam a (minha) convicção sobre a oportunidade de imputar o Sr. Henry e solicitar sua acusação pura e simples”, declarou Claude na carta endereçada ao tribunal de primeira instância de Porto Príncipe. Badio, o homem com quem Henry conversou, por telefone, na madrugada do assassinato de Jovenel, trabalhou na unidade anticorrupção do Ministério da Justiça.

De acordo com o promotor-chefe, a geolocalização identificou que as chamadas telefônicas de Badio ao primeiro-ministro partiram da residência oficial da Presidência do Haiti, na Rua Peregrin 5, bairro de Pétion-Ville, na periferia de Porto Príncipe.

Ativista social em Porto Príncipe, Ralph Emmanuel François viu a decisão de Bed-Ford Claude como “um passo importante e corajoso na busca da verdade sobre o assassinato de Moïse”. “Mas, acredito que seja, principalmente, uma manobra política de aliados do presidente para controlar o poder o processo político”, afirmou ao Correio.

De acordo com ele, o premiê Ariel Henry destituiu o procurador-geral na segunda-feira. “O afastamento começou a vigorar hoje (ontem). Henry também demitiu o ministro da Justiça (Rockefeller Vincent). Eles atuaram em conluio contra o primeiro-ministro”, disse François.

Confusão

O advogado haitiano, jornalista e ativista de direitos humanos Antonal Mortimé contou à reportagem que, ontem à noite, havia uma tentativa de instalar o líder do Senado, Joseph Lambert, como presidente interino. “A depender dessa manobra saberemos o que ocorrerá com a decisão de Ariel Henry de afastar Bed-Ford Claude”, explicou.

A confusão política instalou-se no Haiti. Pela lei, um premiê não pode ser interrogado a menos que o presidente autorize. No entanto, depois da morte de Jovenel Moïse, ninguém ascendeu à Presidência do Haiti. “A posição de Henry não é compreensível, nem tampouco aceitável”, opinou Mortimé. Enquanto falava ao Correio, por volta das 20h45 de ontem (hora de Brasília), ele contou que se escutavam disparos de armas automáticas na entrada sul de Porto Príncipe.

Henry, médico especializado em neurocirurgia, foi nomeado chefe de governo por Jovenel, 48 horas antes de o presidente ser assassinado. Durante a posse, em 20 de julho, o primeiro-ministro prometeu melhorar a insegurança galopante no país e convocar eleições antecipadas.

» Entenda o caso

Comando mercenário

O presidente do Haiti, Jovenel Moïse, foi assassinado por um comando armado que invadiu a residência oficial em 7 de julho. O chefe de Estado recebeu 12 disparos e teve o gabinete e os aposentos saqueados. A primeira-dama, Martine Moïse, ficou gravemente ferida e acabou transferida às pressas para um hospital de Miami, nos Estados Unidos.

O chefe da Polícia Nacional Haitiana, Leon Charles, relatou que o esquadrão que matou Jovenel era formado por 26 colombianos e dois haitianos com nacionalidade norte-americana. Três suspeitos foram mortos em combates com as forças de segurança.

Ao todo, 44 pessoas foram presas no âmbito da investigação. O Ministério da Justiça ofereceu uma recompensa de US$ 60 mil por três fugitivos considerados importantes no crime: Wendelle Thelot Coq, Joseph Félix Badio e John Joël Joseph. Sobre o trio pairam 17 mandados de prisão. Em 13 de agosto passado, Mathieu Chanlatte, juiz de instrução designado para comandar a investigação, abandonou o caso, alegando razões pessoais.

Saída proibida do país

Em carta enviada a Joseph Canciulli, diretor da Imigração do Haiti, o promotor-chefe Bed-Ford Claude pede que o premiê Ariel Henry seja proibido de abandonar o país pelas vias aérea, marítima e terrestre. Ele aponta as “graves presunções de assassinato do presidente da República, Jovenel Moïse, fatos previstos e punidos pelo artigo 240 do Código Penal haitiano”.

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