APOSTA NA CONFIANÇA

Em ligação com Macron, Biden reconhece erros dos EUA na crise dos submarinos

Joe Biden e Emmanuel Macron, presidentes dos EUA e da França, conversam por telefone e buscam preservar a aliança histórica. Relações diplomáticas foram abaladas por pacto com a Austrália. Líderes devem se encontrar em outubro

Rodrigo Craveiro
postado em 23/09/2021 06:00
 (crédito: Adam Schultz/AFP)
(crédito: Adam Schultz/AFP)

Na primeira conversa por telefone com o colega francês Emmanuel Macron desde o início de uma crise diplomática envolvendo um acordo para a compra de submarinos (veja quadro), oito dias atrás, o presidente norte-americano, Joe Biden, acenou com o reconhecimento dos erros dos Estados Unidos na abordagem das negociações. Ambos sinalizaram com o restabelecimento da confiança entre os dois países, aliados históricos, e anunciaram uma reunião presencial para o fim de outubro, na Europa.

“Os dois líderes concordaram que a situação teria se beneficiado de consultas abertas entre aliados sobre questões de interesse estratégico para a França e para nossos parceiros europeus. O presidente Biden expressou seu compromisso contínuo a esse respeito”, afirma um comunicado conjunto divulgado pela Casa Branca, segundo o qual o tom da conversa foi “amigável”.

Em 15 de setembro, Austrália, EUA e Reino Unido firmaram um pacto de defesa estratégica, conhecido como Aukus. O governo do premiê australiano, Scott Howard, desistiu de um projeto francês para a construção de submarinos convencionais e priorizou, dentro do Aukus, a aquisição de submarinos de propulsão nuclear fabricados pelos Estados Unidos. Com isso, a França foi alijada de um negócio de US$ 66 bilhões (cerca de R$ 347 bilhões).

Segundo a nota, Biden e Macron “decidiram abrir um processo de consultas aprofundadas, com o objetivo de criar as condições para assegurar a confiança e propor medidas concretas rumo a objetivos comuns”.

Em um gesto de desescalada das tensões, Macron determinou o retorno de Philippe Etienne, embaixador da França, a Washington — em 17 de setembro, o Palácio do Eliseu convocou o diplomata a Paris, em um gesto de forte desagravo. O encontro dos presidentes deve ocorrer entre 30 e 31 de outubro, provavelmente em Roma, sede da cúpula do G20 (as 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia).

Engajamento

A Casa Branca explicou que Biden reafirma a “importância estratégica do engajamento franco-europeu na região do Indo-Pacífico”. “Os Estados Unidos também reconhecem a importância de uma defesa europeia mais forte e mais capaz, que contribua positivamente para a segurança global e transatlântica e seja complementar à Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte)”, diz o comunicado.

Em visita a Washington, depois de discursar na 26ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, lembrou que a aliança Aukus “não é exclusiva” e que “não tenta excluir ninguém”.

Codiretora do Programa para o Leste da Ásia e Diretora do Programa sobre a China do instituto Stimson Center, em Washington, Yun Sun afirmou ao Correio que a França se mostra “enfurecida com razão, pois o acordo firmado com os EUA significa que a Austrália não mais buscará o pacto orçado em bilhões de dólares para a compra de submarinos convencionais de Paris”.

“Mas não vi o incidente como a traição de um aliado. Este é um mundo livre, com uma economia de mercado. Se os Estados Unidos ofereceram um acordo melhor para a Austrália, a desistência dos australianos em negociarem com os franceses foi apenas uma questão de tratativas comerciais”, opinou.

Para Yun, a aquisição de submarinos nucleares dos EUA, por parte da Austrália, é uma mensagem e um passo concreto para se contrapor à ameaça representada pela China. “Não se trata somente de aumentar a capacidade de defesa australiana, mas também de aproximar os aliados da região do Indo-Pacifico. Isso terá efeito cascata sobre a corrida armamentista — outros países buscam submarinos nucleares norte-americanos”, observou a especialista. Ela entende que a China pode calcular que a estabilidade estratégica na região está prejudicada, o que exigiria de Pequim o aumento de sua própria capacidade militar para recuperar o equilíbrio.

» Da tensão ao alívio

Entenda a crise diplomática envolvendo os estados unidos e a França

Acordo cancelado
Em 15 de setembro, a Austrália cancelou um acordo de US$ 66 bilhões (ou R$ 347 bilhões) com a França para a construção de submarinos convencionais.

Pacto estratégico
No mesmo dia, horas depois, Austrália, Estados Unidos e Reino Unido firmaram um acordo secreto chamado Aukus. O pacto permitirá aos três países “uma integração mais profunda da ciência, da tecnologia, das bases industriais e das cadeias de abastecimento relacionadas à segurança e à defesa”.

Submarinos nucleares
Por meio da Aukus, a Austrália comprará submarinos de propulsão nuclear de tecnologia norte-americana, ignorando o acordo firmado com a França.

Punhalada nas costas
O ministro das Relações Exteriores da França, Jean-Yves Le Drian, declarou que a decisão de anular a compra de submarinos convencionais franceses foi uma “punhalada nas costas”. Também em 16 de setembro, o chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell, lamentou que o bloco não tenha sido informado a tempo sobre a Aukus.

Consulta de embaixadores
Em 17 de setembro, a França convocou para consultas seus embaixadores nos Estados Unidos e na Austrália.

Conversa telefônica
Ontem, os presidentes Joe Biden (EUA) e Emmanuel Macron (França) conversaram por telefone e prometeram restabelecer a confiança diplomática. O embaixador da França em Washington, Philippe Etienne, retornará à capital dos Estados Unidos na próxima semana.

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Tratamento controverso

O secretário de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Alejandro Mayorkas, defendeu seu departamento, ontem, depois que algumas imagens viralizaram mostrando agentes da imigração montados a cavalo perseguindo os migrantes haitianos na fronteira com o México. Em uma das fotos — tiradas pelo fotógrafo da agência France-Presse Paul Ratje na segunda-feira e publicadas em vários jornais dos Estados Unidos e de todo o mundo — um piloto da patrulha fronteiriça agarra um homem pela camisa no lado americano de Río Grande, a fronteira natural entre os dois países, perto de Del Río, no Texas.
Em outra, o agente montado restringe um grupo de pessoas brandindo suas rédeas em uma postura ameaçadora para obrigá-las a voltarem para o México. As imagens “não refletem o que somos como país, nem o que é o Serviço de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos”, disse Mayorkas ao Comitê de Segurança Nacional da Câmara dos Representantes. “Ordenei uma investigação dos fatos que são retratados nas imagens”, disse. O resultado “vai conduzir as ações que vamos tomar, não faremos rodeios”, afirmou, prometendo um resultado “em dias”.
Os críticos disseram que as imagens de Del Río fazem alusão a caubóis que tentam pastorear o gado, ou a momentos da história dos EUA em que a polícía montada a cavalo, guardas de prisões ou proprietários de escravos usavam chicotes contra os negros.
Depois da divulgação dessas imagens, membros do Partido Democrata condenaram o tratamento. “Peço ao presidente Biden (...) que acabe imediatamente com essas expulsões”, disse o líder do Senado, Chuck Schumer.

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