As palavras proferidas por Joe Biden, depois de uma reunião presencial com Vladimir Putin, em 16 de junho, na cidade de Genebra, tornaram-se uma premissa para o encontro virtual marcado para hoje. "Onde temos diferenças, eu queria que o presidente Putin entendesse por que digo o que digo e por que faço o que faço, e como vamos responder a tipos específicos de ações que prejudicam os nossos interesses", declarou o democrata. Na videoconferência desta terça-feira, Biden transmitirá ao colega russo a mensagem de que os EUA não buscam um conflito e podem trabalhar com a Rússia em temas como estabilidade estratégica e controle armamentista. No entanto, avisará ao Kremlin sobre "consequências significativas, em caso de ações nocivas e desestabilizadoras".
Nos últimos dias, cresceram os indícios de que forças russas planejam a invasão e a anexação da Ucrânia. Moscou colocou de prontidão cerca de 175 mil soldados na fronteira com a ex-república soviética, segundo a inteligência norte-americana. Uma tese é a de que a mobilização militar seria uma forma de pressionar Biden por garantias de que a Ucrânia jamais conseguirá a condição de membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Ontem, após uma consulta dos Estados Unidos com os principais aliados, França, Reino Unido, Itália e Alemanha demonstraram unidade e solidariedade transnacional e se disseram "determinados" a defender a soberania da Ucrânia.
Um alto funcionário da Casa Branca admitiu que os EUA "responderão afirmativamente", caso aliados da Europa Oriental peçam maior contingente militar na eventualidade de um ataque russo à Ucrânia. A conversa de hoje promete não ser nada fácil. Biden e Putin se encontraram em três ocasiões. Na primeira delas, em 2011, o então vice-presidente norte-americano não poupou críticas ao russo, após uma reunião: "Acho que você não tem alma". Três anos depois, em 2014, eles conversaram novamente, em Genebra, para abordar a pressão militar russa sobre a Ucrânia. Em junho passado, na condição de presidente dos EUA, Biden voltou a se reunir com o russo, também na capital da Suíça.
Para Andrey Kortunov, diretor-geral do Conselho de Assuntos Internacionais da Rússia (em Moscou), Putin não pretende invadir a Ucrânia. "Se quisesse fazê-lo, já o teria feito, por meio de um ataque surpresa", afirmou ao Correio. "A Ucrânia não é problema dos EUA, mas da Europa", sublinhou.
Por sua vez, o ucraniano Petro Burkovskyi, especialista da Fundação de Iniciativas Democráticas Ilko Kucheriv (em Kiev), acredita que Biden terá sucesso na empreitada de demover Putin de atacar a Ucrânia apenas se propuser à Rússia uma reunião trilateral para deter o conflito. "A cúpula deve incluir o presidente ucraniano (Volodymyr Zelensky) e considerar a discussão de um rascunho de cessar-fogo permanente garantido pelo Conselho de Segurança da ONU e pelas forças em Donbass (leste da Ucrânia). Somente assim a Ucrânia terá a chance de assegurar a independência sem se unir à Otan", disse.
De acordo com Burkovskyi, os EUA desejam evitar o confronto e uma guerra na Europa, e apostam que os aliados sejam capazes de conter a assertividade russa. "Putin sabe disso e usa a ameaça plausível da guerra para barganhar concessões. A conversa entre os dois líderes é sobre explorar a fraqueza percebida de cada lado: Biden pode alertar sobre consequências para ver quais medidas não militares poderiam impressionar Putin. Por sua vez, o russo sabe quais concessões pode obter dos Estados Unidos sem iniciar uma guerra", comentou.
Desestabilização
Professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla (Ucrânia), Olexiy Haran advertiu que a posição do Ocidente é muito mais dura e decisiva do que em 2014, quando a Rússia anexou a Península da Crimeia. "Agora, os EUA e seus aliados estão muito mais preparados e compreendem que não se trata apenas da Ucrânia, mas de um esforço geral da Rússia para desestabilizar a região. Moscou utiliza mercenários em várias partes do mundo, como Venezuela, Síria e África", afirmou à reportagem.
Na opinião de Haran, a pressão mais decisiva dos EUA sobre a Rússia envolveria a imposição de sanções econômicas muito fortes, que poderiam desconectar Moscou do sistema financeiro internacional. "Entre essas medidas, estão o congelamento de contas bancárias e a suspensão de cartões de crédito de autoridades russas. Mas também é preciso um aumento do apoio militar à Ucrânia", admite. Ele acha que uma operação militar limitada a algumas cidades seria mais realista do que uma invasão à Ucrânia. "O problema é que isso seria visto pelos EUA e aliados como uma linha vermelha. É importante lembrarmos que a Rússia somente entende a linguagem da força."
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